Domingo: poetas argentinos II

A janela

Eis o inventário se olharmos 

da janela do quarto andar:

um pássaro numa gaiola, uma mulher que lava, 

rebocos, conversas, o cheiro da peixaria.

Alguém canta por aí

e a manhã se encarrega do resto.

À noite chegam luzes,

detalhes, pedaços de cena instável.

 

Nada contradiz uma ordem facilmente 

perfeita: a manhã é dispersa, a noite seletiva.

Até se poderia pensar na harmonia do mundo exterior

se não fosse por um miado sub-reptício

difícil de situar entre as coisas que se mexem.

(Santiago Sylvester )

 

Infância

Há vozes.

Não é a memória.

É o olvido que cresce em nós e canta.

(Guillermo Boido)

 

Considerações sobre a chuva

O céu está preto

como o sol dos mortos.

Logo virá chuva

e seu som apagará outros sons

que fazem mal à alma

e nos deixaremos levar por esta paz alheia,

por essa confiança daágua nas janelas. 

(Néstor Mux)

 

Santiago Kovodloff. A palavra nômade. Poesia argentina dos anos 70. São Paulo : Iluminuras, 1990

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.