POESIA
O rio passa, passa
e nunca cessa.
O vento passa, passa
e nunca cessa.
A vida passa:
nunca regressa.
(Poema Azteca. Tradução de Herberto Helder. Rosa do mundo. 2001 poemas para o futuro. Lisboa : Assírio & Alvim)
MEMÓRIA
Estamos no Luna quando Ary traz a notícia:
– Suidicaram ele – diz.
Torres contou por telefone. Foi avisado d e São Paulo.
Eric se levanta, pálido, boquiaberto. Aperto seu braço; torna a sentar. Eu sei que ele tinha combinado de se encontrar com Vlado e que Vlado não tinha ido nem telefonado.
– Mas se ele não estava em nada – diz.
– Mataram porque ele não sabia – diz Galeno.
– A máquina está louca – penso, ou digo. – Devem ter atribuído a ele até a Revolução de 1917.
Eric diz:
– Eu achava que isso tinha acabado.
Sua cabeça cai entre as mãos.
– Eu… – se queixa.
– Não, Eric – digo.
– Você não entende – diz. – Não entende nada. Não entende merda nenhuma.
Os copos estão vazios. Peço mais cerveja. Peço que encham nossos pratos.
Eric me crava um olhar furioso e se mete no banheiro.
Abro a porta. Encontro-o de costas contra a parede. Tem a cara amassada e os olhos úmidos; os punhos em tensão.
– Eu achava que tinha acabado. Achava que tudo sisso tinha acabado – diz.
Eric era amigo de Vlado e sabe o que Vlado tinha feito e tanta coisa que ia fazer e não pôde.
(Eduardo Galeano. Dias e noites de amor e de guerra. p. 78-79)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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