Domingo de poesia e memória

Silêncio entre os homens que estão conversando.

Silêncio enquanto eles estão falando.

Silêncio entre um som e outro

som.

Silêncio entre som e

um outro

somem.

Silêncio entre;

não silêncio em.

Silêncio vento;

não silêncio vem.

Silêncio ventre;

não silêncio sêmen – Silêncio sem.

Silêncio entre silêncios

Entrem.

(Arnaldo Antunes. Tudos. SP: Iluminuras)

 

 

Introdução ao Direito

Tinha vindo de Buenos Aires e continuava sendo um intruso em Jujuy, embora estivesse apegado ao lugar depois dos anos e trabalhos. Certo dia, distraído, pagou com um cheque sem fundos o conserto de um pneu do automóvel. Foi julgado e condenado. Perdeu o emprego. Os amigos mudavam de calçada quando viam que ele se aproximava. Não era convidado a nenhuma casa e ninguém bebia com ele, como antes.

Uma noite, tarde, foi ver o advogado que tinha defendido sua causa.

– Não, não – disse – Nada de apelações. Eu sei que não há nada a ser feito. Deixa pra lá. Vim me despedir e dar um abraço de boas-festas. Muito obrigado por tudo.

Nesta mesma madrugada, dormindo, o advogado deu um pulo na cama. Acordou a mulher:

– Disse feliz Natal e para o Natal faltam dois meses.

Se vestiu e saiu. Não o encontrou. De manhã ficou sabendo: o homem tinha dado um tiro na cabeça.

Pouco depois, o juiz que iniciou o processo sentiu uma dor esquisita no braço. O câncer devorou-o em uns poucos meses. O promotor que fez a acusação foi morto por um coice de cavalo. Seu substituto perdeu primeiro a fala, depois a vista, depois a metade do corpo. O automóvel de um escrivão do tribunal se arrebentou na estrada e pegou fogo. Um advogado que tinha se negado a intervir no assunto recebeu a visita de um cliente ofendido, que tirou uma pistola e disparou a queima-roupa.

Hector me contou esta história em Yala, e eu pensei nos assassinos de Guevara.

René Barrientos, o ditador, deu a ordem de matá-lo. Terminou engolido pelas chamas de seu helicóptero, um ano e meio mais tarde. O coronel Zenteno Anaya, chefe das tropas que cercaram e agarraram Che em Ñancahuazú, transmitiu a ordem. Muito tempo depois, se meteu em conspirações. O ditador de turno ficou sabendo. Zenteno Anaya caiu crivado de balas em Paris, uma manhã de primavera. O comandante ranger, Andrés Selich, preparou a execução. Em 1972 foi morto a porradas por seus próprios funcionários, os torturadores profissionais do Ministério do Interior. Mario Terán, sargento, executou a ordem. Foi de quem disparou a rajada contra o corpo de Guevara, que estava estendido na escolinha de La Higuera. Terán está internado em um hospício: baba e responde besteiras a qualquer pergunta. O coronel Quintanilla anunciou ao mundo a morte de Che. Exibiu o cadáver a fotógrafos e jornalistas. Quintanilla morreu com três tiros em Hamburgo, em 1971.

(Eduardo Galeano. Dias e noites de amor e de guerra. p. 162-163)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.