De uma viagem
De uma viagem volto ao mesmo ponto
por quê?
Por que não volto aonde antes vivi,
mas, países,continentes, ilhas,
onde tive e estive?
Por que será este lugar a fronteira
que me elegeu,que tem este recindo
senão um látego de ar vertical
sobre meu rosto, e umas flores negras
que o longo inverno morde e despedaça?
Ai, que me assinalam:
– este é o preguiçoso,
o senhor enferrujado,
daqui não se moveu,
deste duro recinto
foi ficando imóvel
até que endureceram seus olhos
e cresceu-lhe uma hera no olhar.
Foi sangrenta
Foi sangrenta toda terra do homem.
TEmpo, edificações, rotas, chuva,
apagam as constelações do crime,
o certo é que um planeta tão pequeno
foi mil vezes coberto de sangue,
guerra ou vingança, armadilha ou batalha,
caíram homens, foram devorados,
depois o esquecimento foi limpando
cada metro quadrado alguma vez
um vago monumento mentiroso,
às vezes uma clásula de bronze,
depois conversações, nascimentos,
municipalidades, e o esquecimento.
Que artes temos para extermínio
e que ciência para extirpar lembranças!
Está florido o que foi sangrento.
Preparar-se, rapazes,
para outra vez matar, morrer de novo,
e cobrir com flores o sangue.
(Últimos poemas (O Mar e os Sinos). Porto Alegre : L&PM Pocket, 2002)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Comentários