Domingo com Manoel de Barros

OBRAR

Naquele outono, de tarde, ao pé da roseira de minha 

avó, eu obrei.

Minha avó não ralhou nem.

Obrar não era construir casa ou fazer obra de arte.

Esse verbo tinha um dom diferente. 

Obrar seria o mesmo que cacarar.

Sei que o verbo cacarar se aplica mais a passarinhos

Os passarinhos cacaram nas folhas nos postes nas pedras do rio 

nas casas.

Eu só obrei no pé da roseira da minha avó.

Mas ela não ralhou nem.

Ela disse que as roseiras estavam carecendo de esterco orgânico.

E que as obras trazem força e beleza às flores.

Por isso, para ajudar, andei a fazer obra nos canteiros da horta.

Eu só queria dar força às beterrabas e aos tomates.

A vó então quis aproveitar o feito para ensinar que o cago não é uma

coisa desprezível.

Eu tinha vontade de rir porque a vó contrariava os 

ensinos do pai.

Minha avó, ela era transgressora.

No propósito ela me disse que até as mariposas gostavam

de roçar nas obras verdes.

Entendi que obras verdes seriam aquelas feitas no dia.

Daí que também a vó me ensinou a não desprezar as coisas

desprezíveis

E nem os seres desprezados. 

 

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.