Domingo com Luís Alberto C. Bellissimo

Creio, logo existo

Ergo a mão e ponho pontos no espaço

traço e fio a realidade que crio

ergo sum assim ungido

 

O mito se volta e vira

estátua de sal

só a crença é real

A verdade é onde não está

Mentira é o que não vivi

murmúrio do credo

que não aprendi

A crença é matemática:

serpente que em si mesma se enleia

e come a própria cauda

prova dos nove, tautologia

vício em círculo

alfabeto em que é escrito o universo

B é igual a C que é igual a A que é igual a B

ou o reverso

perante deus, todos iguais,

no inferno, no céu, ou talvez

purgatório

O homem existe proque crê

ou por ter criado a matemática

dá no mesmo

Deus faz conta e o homem conta com deus

todo resultado é válido

o mais é classificação: F ou V

 

Só o sonho é uma heresia.

 

 

“E pôs um novo cântico na minha boca”

                                                               (Salmo 40:3)

O criador cria o demônio

os templos o pluralizam

 

Demônios não me infernizam

são-me alheios

carrego apenas um cântico

que pluralizo

sempre em novas harmonias

de improviso

 

Criatura,

só crio o que me foi dado

e aceito

como o cântico em que creio

posto na minha boca

 

singular

único

sem demônios

 (Luís Alberto C. Bellissimo. Concerto para cordas cósmicas, 2017)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.