Domingo com Fabrício César de Oliveira, o Zig

Carta ao teu vocabulári cotidiano

Gosto de Clarice Lispector, pois nela encontro o

inexprimível sendo expresso ao nível do

entendimento e do não entendimento.

 

Gosto de Carlos Drummond, pois nele reencontro 

minha crença que o cotidiano deve ser revisto pelas 

mãos de um poeta.

 

Gosto de viver e ver que o o que vivo cabe ou coube a 

mim o melhor modo de convvier e de dialogar com

palavras do mundo, como o próprio mundo, embora

suponho saber que o universo é bem mais extenso que

o mundo de palavras.

 

Gosto de saber que certas coisas do entorno não nos

servem, mas a sabedoria quando nos visita pode nos

fazer aceitá-las como representativas de si mesmo,

mais para um tempo do que como conceito ou

vocábulo que realmente exprime o que é.

Por gostar tanto da vida e saber que escolhemos

sempre como olhamos para ela. E por ela, investiguei

meu vocabulário e notei que tínhamos muitas palavras

que sequer agregara , pois nelas nunca cri

 

Porém o mundo e as relações cada dia mais

diminutas (espero que não seja o fluxo do mundo,

pois acredito nas relações cada vez mais

humanitárias e menos comezinhas), nos levam a 

questionar o valor de cada ato e consequentemente

cada palavra, que é o signo abstrato e concreto da 

relação do pensamento e realidade.

 

Embora sejam palavras bem cotidianas, poucas vezes

me preocupei com elas, pois elas pouco me serviriam.

Entretanto, a maneira como as vejo pode ser muito

útil ao modo como as veremos (nós – interlocutores de

um mundo melhor) mais adiante.

São elas, duas:

 

Culpa – “O poeta precisa compreender que tem culpa

pela prosa trivial da vida” (Bakhtin)

 

Erro – “Me encanta gente que é capaz de entender que

o maior erro humano é tentar tirar da cabeça aquilo

que não sai do coração.” (Mário Benedetti)

 

Sendo assim, não há erro ou culpa para tos aquém

destas definições.

 

Cordialmente

 

Um poeta ao rés-do-chão

 

(Fabrício César de Oliveira. O Gosto de Quando. São Carlos : Pedro & João, 2011)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.