Dona Ximena exige justiça ao rei D. Fernando
Passou pela minha porta, às minhas terras foi caçar,
Matou-as minhas pombinhas que eu tinha no meu pomar.
Matou-mas de uma em uma, juntou-mas de par em par,
matou-me as mais bonitas, para mais pena me dar.
Fui eu ter com el-rei que mas mandasse pagar,
el-rei, por eu ser mulher, não me quis escutar.
El-rei que não faz justiça, não deveria governar,
nem comer pão do Alentejo, nem com a rainha falar.
Desta sorte se castiga a quem não sabe reinar.
(Versão de Santa Cruz das flores (concelho de Santa Cruz das Flores), ilha das Flores. Recolhida por João Maria de Caires Camacho, antes de junho de 1905)
Queixas de Dona Urraca
Passeava-me Silvana, por um corredor acima,
seu pai estava mirando, paços donde ela vivia.
– Bem puderas tu, Silvana, gozar minha campanhia.
– E as penas do inferno, pai meu, quem as passaria?
– Passava-as eu, Silvana, por ter um gosto na vida.
– Mas deixai-me ir a palácio, vestir outra camisa,
que esta que tenho no corpo pecado não o faria.
Chegara donde a mãe estava, justiça do céu pedia,
justiça do céu à terra, que no mundo não na havia.
– Um pai que Deus me dera, de amores me cometia.
– Despe esses trajos, Silvana, que deles me vestiria,
irei aonde o rei estava, pois muito bem no sabia.
Tanto cego estava o pai, cuidava que era a filha.
– Se eu sabia tal pecado, pois dele não cometia.
– Não tive senão dois filhos, D. Pedro e a Silvaninha.
– Filha que chocalha o pai que castigo merecia?
– O pai que acomete a filha mil infernos merecia.
Mandou fazer altas torres, a fim dele lá não ir;
ao cabo de sete anos, a mãe as mandou abrir.
Chegara onde o pai estava, estava o pai p’ra acabar:
– Ó meu pai da minha alma, vós estais para acabar,
lembrai-vos da grande conta que a Deus tendes para dar.
A D. Pedro deixais tudo, só a mim nada deixais.
– Que mulher é esta aqui que tanto está de enfadada?
– É vossa filha Silvana que a deixais deserdada.
A D. Pedro deixais tudo, a ela não deixais nada?
– Deus se não lembre de mim, se tal filha me lembrava
aqui tem um punhal de outro, para seu brio sustentar,
agora que a tua mãe que te acabe de herdar.
(Versão da ilha de S. Jorge (Açores). Coleção de João Teixeira Soares de Sousa)
(Referência: Pere Ferré. Romanceiro português da tradição oral moderna. Versões publicadas entre 1828 e 1960. Vol. I Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2000)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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