Dois poemas de Mensagem, de Fernando Pessoa

  1. Os campos

O DAS QUINAS

Vendem os Deuses o que dão.

A gloria compra-se a desgraça.

Ai dos felizes, porque são

Só o que passa!

 

Baste a quem basta o que lhe basta

O bastante de lhe bastar!

A vida é breve, a alma é vasta:

Ter é tardar.

 

Foi com desgraça e com vileza

Que Deus ao Christo definiu:

Assim o oppoz à Natureza

E Filho o ungiu.

 

  1. Os castellos

Ulysses

O mytho é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mytho brilhante mudo –

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo

 

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos creou.

 

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundal-a decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

 

Fernando Pessoa. Mensagem. Edição fac-similada dos originais do poeta. Mantive a ortografia. Nesta edição se percebe que o título inicial para o livro seria PORTUGAL, sob o qual o poeta passou dois traços a lápis, e escreveu Mensagem. Há a indicação da data: 1934, e a informação “PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA  RUA AUGUSTA 44-54 [estes números escritos a lápis].

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.