“Difícil permanecer sensato no campo de gravitação da loucura”

Este enunciado é de Imre Kertész. Ele se referia a uma realidade, uso-a para pensar outra. Tenho feito o máximo de esforço para não tomar conhecimento do que acontece em meu país: gostaria de viver aqui como se fora estrangeiro, mas não consigo me desvestir do fato de ter nascido aqui, de ter vivido sempre aqui, de ter acompanhado a história daqui, de ter sonhado os tempos futuros daqui.

Minha decisão, que busco manter, é de que o Brasil está aposentado para mim. Mas quando um deputado federal eleito decide não assumir o cargo por causa das ameaças de morte que tem recebido, e sua decisão é recebida com alegria por aqueles mesmos que costumam encomendar mortes, não dá para ficar calado.

Ainda que não mais sonhe – e os sonhos sempre apontam direções, e portanto estou sem direção para qual olhar – não me tornei surdo, mudo, e cego. Jean Wyllys será, no exterior, não um foragido, mas um exilado. Exílio voluntário, como muitos daqueles que ocorreram depois de iniciada a ditadura militar. Desculpem nossa falha! Tenho que aprender a lição desarvergonhada de um chefe de poder do país: do movimento revolucionário de 1964, não ditadura de 1964.

Gravitando no mesmo território da loucura surda e muda – sem palavras além dos 140 toques de qualquer raciocínio bolsonárico – fica difícil sobreviver estrangeiro, num “exílio aqui”.

Assim, este registro de despedida de Jean Wyllys é também um pedido: me deixem em paz, parem de fazer tanta cagada, tanto recuo, tanto olhar aloucado, tanto silêncio sobre o que deve ser desvendado, tanta fome de tomar dos que já estão com fome.

Sei que sem sonhar, dormir já não adianta, acordar é inútil. Mas, acordado, dá para olhar para as flores, dá para ver beija-flores e dá para deixar aflorar a sensibilidade na roda de amigos salvos deste naufrágio que se revelou nos sufrágios da imbecilidade.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.