Desafios que se renovam

A escola, para aperfeiçoar seu desempenho e atender às funções que lhe são impostas, procura diagnosticar tudo o que rejeita; busca identificar as causas dos problemas e, se antecipando a eles, adota medidas que considera eficazes. Ainda, em nome disso, a escola realiza intensas investigações da vida dos alunos, convoca as famílias para o ajuste de condutas, promove o falar para, enfim, indicar a solução.

Se a escola fosse apenas isso, diria, então, que ela está imersa num sentimento de suficiência que a faz incapaz de perceber que, ao abrigar as diferenças em um só lugar, pode incorrer na discriminação e na exclusão. Se, pois, a escola é a mesma para todos e nem todos são iguais, seus posicionamentos estarão intimamente ligados à relação que ela tem com a vontade de verdade que, construída socialmente, estabelece que os diferentes precisam se ajustar ao padrão. E, além disso, se a escola considera-se amplamente eficaz, possivelmente, seus problemas serão tomados como exteriores a ela, soltos à espera de teorizações para serem resolvidos.

Fico imaginando que se fosse uma história, seria como se, diante de um suposto final, a escola pudesse suspirar tranquila, certa de que encontrara a solução. Mas isso não seria por muito tempo, já que alguém viria a dizer o contrário, tirando, assim, o sossego de todos. Então, em nova caçada, todos sairiam novamente buscando surpreender o responsável por tal sabotagem, que uma vez pego, seria condenado ao suplício e à expiação. E todos ficariam em paz novamente!

Geralmente, as mudanças mais significativas tiveram sua motivação em uma questão. Portanto, penso que para reconfigurar nossa maneira de viver e de ensinar, precisamos fazer novas perguntas, porque questionar-nos sobre a nossa atividade diária, sobre o motivo pelo qual fazemos, dizemos ou pensamos pode nos levar a considerar a possibilidade de mudanças, a testar alternativas. Fazer-se perguntas pode ser uma ferramenta que nos permite avaliar-nos, conhecer nossas limitações e agir.

Mas o problema é que muitas pessoas têm medo de fazer perguntas. Temem não gostar das respostas que encontrarão. Talvez as respostas conduzam a perceber que não haja uma única possibillidade. As perguntas podem nos tirar da nossa zona de conforto e isso incomoda a muitos. Além disso, suponho que as respostas às perguntas devem levar a ação, senão é só arrependimento, e os lamentos não são bons para mudar qualquer coisa. 

Não é fácil fazer boas perguntas. Nós fomos treinados para dar respostas e não para fazer perguntas. O sistema educacional é mais reprodutivo do que produtivo e é algo que devemos começar a mudar de uma vez por todas. Claro, as perguntas certas são diferentes para cada pessoa, pois cada um tem circunstâncias específicas (pessoal, ambiente, formação etc.).

Ao se aceitar que as coisas sejam apenas objetivas e que têm um estágio definitivo, criam-se os álibis: “O problema é o que se ensina e como se ensina”; “Não. É a falta de condições de trabalho”; “Não, não. São esses alunos desinteressados e sem estrutura familiar”; “Quer saber? É culpa do governo”.

Não que nessa história não existam problemas! A diferença pode estar na escolha do que queremos ser: fantoches ou atores. Os fantoches vivem os personagens porque são manipulados para isso, são controlados pelos movimentos possíveis das linhas precisas. Os atores também assumem os papéis dos personagens, no entanto, estudam o espaço que vão ocupar na arena de atuação, como vão explorar o palco e seus recursos corporais etc.; mas, terão de lidar com o improviso e serão responsabilizados caso a história não saia tal como o desejado. Essa é uma decisão que implica a aceitação dos riscos de se viver uma experiência diferente do que já foi acertado.

 

Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.

Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.