De Zagreb a Budapeste

Ainda que Zagreb seja uma cidade de uma beleza surpreendente e simples, com alguns monumentos de seu passado e com a demarcação ainda clara dos centros históricos das duas velhas cidades que a compuseram – a catedral de Nossa Senhora da Assunção e a Igreja de São Marcos marcam os dois centros – não consegui ficar desatento ao que vai acontecendo no Brasil.

A imprensa alternativa, por natureza mais reflexiva do que noticiosa, ocupa-se com duas vertentes caudalosas de acontecimentos espantosos:

  1. O descalabro verbal do presidente Bolsonaro que a cada dia precisa manter a fidelidade canina de seus seguidores. Alimenta-os com o sangue novo de ataques descabidos, sempre a distribuir “carne” fresca para alimentar o ódio e a violência, os dois valores amorais que o conduziram ao palácio. Como na campanha eleitoral, não lhe importa dizer verdades, mas fazer ataques. Anotemos: mesmo na reflexão alternativa há uma enorme disparidade no tempo e o número de comentários sobre a jactância de saber da morte do pai do Presidente da OAB, conhecimento que terá de expor se o STF não se acovardar, e aqueles destinados a refletir sobre assassinato do cacique Emyra Wãiapi, há uma distância enorme a mostrar que também aqui se estabelecem os limites entre o importante e o menos importante. Houve dois assassinatos, um no passado executado pelo Estado; outro no presente executado pelo braço armado do agronegócio. Sob a nova face da ditatorial, o Estado se dispensa de executar, mas arma diretamente os executores. A violência é execrável nos dois momentos, mas a violência presente, realizada a esmo e em função de interesses ou em função de diferenças ideológicas – Marielle presente! – desvela o esgarçamento completo da organização social em que cada um se faz miliciano e se outorga poder de violência, que depois de muita luta fora transferido apenas ao Estado no exercício do direito punitivo. Sublinhe-se, punição admissível somente depois do respectivo processo penal, coisa absolutamente distinta do assassinato puro e cru das execuções ideológicas da ditadura militar.
  1. A Vaza Jato mostrando descalabros no exercício do direito de punir do Estado quando este é entregue às sanhas ideológicas e lucrativas de agentes postos acima de qualquer suspeita pelo martelar constante de uma mesma narrativa espetacularizada precisamente para esconder os mal feitos e entregar ao ódio canino a “carne” apetitosa de adversários políticos ou mesmo apenas de pessoas – ministros do STF no caso – que tenham momentaneamente se atrevido a achar que a unidade de compreensão é sintoma de burrice e cegueira. Para aqueles elevados à categoria de divindades, nada pode ser oposto. Dallagnol e Moro eram os novos deuses do Olimpo midiático e como deuses decretavam a liberdade ou a prisão, o mérito e o demérito – que o sinta Humberto Martins que por artes de Dallagnol não foi indicado por Temer para o STF. A Vaza Jato está mostrando que os pés dos deuses são de barro, e barro sujo e fétido. E ensinando que o incenso midiático a agentes do Estado é fumaça para esconder propósitos de rapina.

E é precisamente a execução da rapina que estas duas fontes caudalosas de notícias e comentários estão deixando na sombra! Não se trata de dizer que o que estamos sempre comentando deva ficar esquecido; nem que está esquecida a rapina que por trás das fumaças vem executando o ministro Guedes. Nassif, por exemplo, seguidamente faz a correlação entre o que efetivamente está por trás da Lava Jato: o interesse econômico das empresas norte-americanas.

Aliás, no acordo recém-fechado pelo Maligno com o secretário norte-americano que não nos visitou, veio apenas chancelar a rapina: agora as empresas de engenharia dos EEUU podem participar das concorrências em obras públicas. Está aí uma razão importante da Lava Jato: destruir nossas empresas e abrir o mercado para as empresas norte-americanas.

Nos três pontos que alimentam os comentários, infelizmente o que tange à rapina é aquele de menor saliência, mas aqui é que estão destruindo o futuro do país, o emprego, a renda e a sobrevivência digna da população. Seria importante martelar quase continuamente com dados e demonstrativos do roubo a que o país está sendo submetido.

A privatização da BR-Distribuidora, com a mera venda de ações na Bolsa de Valores, passando o controle acionário a consórcio de capital privado, esconde negociatas porque em sã consciência nenhum capitalista venderia o controle de uma de suas empresas pelo valor do lucro que com ela obtém em três anos! Paulo Guedes sabe disso. Os interesses que o levam a vender seriam apenas ideológicos?

Outra pergunta a ser feita nesta área obscurecida da ação destes desgovernos – já sabemos que os capitalistas que compraram as ações da BR-Distribuidora são alguns daqueles da famosa reunião secreta da XP com Fux e Dallagnol – é está: para onde está indo o dinheiro arrecadado? Pois continuam os cortes no orçamento mesmo depois dos milhões obtidos com a venda de campos do pré-sal e de ações de empresas subsidiárias, estas vendas feitas sob as bênçãos do STF.

Tudo indica que o país sairá, como saiu dos dois governos neoliberais de FHC, muito mais pobre e com o pires na mão pedindo empréstimos ao FMI…

Os oito anos de neoliberalismo tucano não deixaram nenhuma obra que os lembre, empobreceram o país e nada mais… A mesma fórmula está aplicando Paulo Guedes e estamos assistindo impávidos e boquiabertos a tudo isso, sem deixarmos de abrir o bico contra os descalabros verbais do presidente e seus filhos! É necessário gritarmos diariamente contra a rapina que esta cortina de fumaça concreta e palpável que abriga as vendas e negociatas na economia.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.