DE SOBRESSALTO EM SOBRESSALTO, NO PAÍS DE JURISDICIONADOS E SUSPEITOS

Fiquei poucos dias sem conexão, visitando a família no interior da serra gaúcha. Foram poucos dias, mas em termos políticos parece ter decorrido uma eternidade. Acordei do sonho e da paz para encontrar um  mundo de sobressaltos que merecem ao menos um breve comentário:

  1. O fracasso de Temer no Japão. Ele não retornou correndo por causa de mais uma prisão espetaculosa determinada pelo santo juiz, que neste caso despachou determinando o não uso de algemas, a não filmagem – que ocorreu como já comentei aqui – com todos os cuidados para preservar a dignidade de Eduardo Cunha e lhe dar o tratamento merecido por qualquer cidadão brasileiro. Temer voltou porque levou puxão de orelhas do primeiro ministro japonês e do capital japonês que reclama dos prejuízos causados pela devassa moriana que, à moda medieval e usando dos métodos inquisitoriais, está destruindo as grandes empresas brasileiras para que não concorram no mercado internacional, principalmente do Oriente Médio, com as construtoras norte-americanas. Os japoneses estão, com isso, tendo enormes prejuízos. Moreira Franco não terá dinheirinho japonês em suas parcerias…
  2. Carmen Lúcia, a presidenta do STF, passou a chamar a população brasileira de “jurisdicionados”. Como a maioria da população é suspeita diante da PF, afinal nas últimas eleições gerais a população escolheu uma candidata do PT, então todos nós somos suspeitos de corrupção. Os “manifestantes” agridem até bebês com roupinhas vermelhas… O ódio se tornou o melhor sentimento da antigamente chamada “cordialidade brasileira”.
  3. E aí um juiz de primeira instância, de uma Vara Federal – é sempre uma ‘vara federal’ – determina a prisão de membros da polícia legislativa porque fizeram varreduras em gabinetes, escritórios e casas de um ex-presidente da república e ex-senador e de outros senadores ou até mesmo de um deputado federal. Desligaram escutas clandestinas e grampos. É de sua função fazer isso. Foram presos porque as escutas e grampos tinham sido instalados pela PF a pedido da lava jato. Como se sabe, um telefone grampeado tem uma escuta na operadora, e não no telefone. Como se sabe, escutas dentro de casa são no mínimo ilegítimas se não ilegais. A Lava Jato quer ouvir até os sons de um casal na cama, porque o casal em lugar do bem bom, pode estar tramando seu fim.
  4. E Renan Calheiros faz sua função: como presidente do Senado tem a obrigação de defender que sua polícia cumpra suas obrigações. Foi excessivo ao chamar o juiz da 10ª. Vara Federal de “juizeco”. E ao ministro da justiça chama de delegado de polícia, o que não deixa de ser uma definição ajuizada de Alexandre Moraes.
  5. Numa demonstração do mais autêntico corporativismo, sai Carmen Lúcia, a presidenta, dizendo que “onde juiz for destratado, eu também sou”… É a canonização em vida, pelo mais alto poder judiciário, de todos os juízes do país independentemente de suas ações. O judiciário julga mas não admite ser julgado, não admite até mesmo que um cidadão tenha uma opinião desfavorável a uma atitude ou decisão de um juiz, porque Renan Calheiros é antes de tudo um cidadão.
  6. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, sai em defesa de Renan dizendo que a decisão do juiz foi equivocada. Está armada a confusão entre os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário em contenda.
  7. O pensamento de direita espalha correndo, através das mídias, que tudo isso de Renan Calheiros é porque ele está envolvido nas investigações da Lava Jato. E as charges o mostram como um rato. Não defendo nenhum corrupto, nem mesmo aqueles do partido em que sempre votei desde a década de 1980. Muito menos Renan Calheiros. Não vai daí que as condições da investigação tenham direitos a excepcionalidades e possa agir fora da lei, sem qualquer respeito a suspeitos. Quer dizer, há suspeitos delatados que por princípio são inocentes; há suspeitos delatados que mesmo não havendo provas, são criminosos antes mesmo do encerramento das investigações. É uma questão de convicção.
  8. Gilmar Mentes sai dizendo em entrevista que o nosso santo juiz não pode ser canonizado! E como todos sabem, o ministro do STF nas horas vagas de sua militância no PSDB, não prega prego sem estopa. Parece que, antes tarde do que nunca, vai o santo juiz investigar algum tucano de longo bico para parecer imparcial, uma qualidade que lhe falta a sobejo.
  9. Felizmente para todos nós, jurisdicionados e suspeitos simplesmente porque brasileiros votantes em quem eles acham que não se deveria votar, uma única instituição está de pé, forte e inabalável: a Lava Jato que paira acima dos chamados três poderes, que faz sua lei de boa fé, que investiga em condições de excepcionalidades, e por isso à margem da lei, como reconheceu, ao aceitar a excepcionalidade, o Tribunal de Recursos da Região Sul, sediado em Porto Alegre. Delegados, procuradores e juiz de nossa mais sólida instituição pública podem agir com excepcionalidade. Afinal, eles defendem que prova ilegal obtida de boa fé sempre será válida. E as formas da obtenção das provas hão de ser em condições de excepcionalidade. Estas condições incluem a tortura da prisão preventiva por tempo indeterminado.
  10. E enquanto tudo isso corre, o STF anula as gravações que pilharam o impoluto Demóstenes Torres, aquele senador que a Rede Globo tinha elevado aos altares da moralidade, e anula, em consequência, todas as provas obtidas contra o ex-senador. Isso mereceu uma pequena notinha na imprensa, quando a notinha houve. Tudo porque nesta investigação específica não houve boa fé nem convicção. Afinal, Demóstenes Torres é amigo de Gilmar Mentes, e membro do partido da ordem e do progresso norte-americano e das multinacionais, o PSDB. Mas esta instituição não é sólida nem inabalável, parece querer demonstrar o santo juiz de Curitiba. Gilmar Mentes não tem razão ao dizer que ele não deve ser canonizado. Ah! Bons eram os tempos do papa João Paulo II: o santo juiz ganharia altar rapidamente, e em vida, senão por milagres, pela comunhão ideológica.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.