Da sala de aula à construção externa da aula (1)

O objetivo deste trabalho é retomar, a partir de uma perspectiva muito particular, um conjunto de questões bastante frequentes nas discussões sobre a constituição dos objetos de ensino em língua materna. De um modo geral, tais discussões tematizam dois aspectos da ortodoxia escolar no ensino de língua: a questão do ensino gramatical e a questão do ensino da leitura.

O ensino e a aprendizagem da “gramática” têm sido tradicionalmente entendidos como caminho de correção da expressão linguística dos educandos, pressupondo-se que: (a) conhecer a descrição das estruturas linguísticas – do vocabulário à sintaxe (e mais recentemente o domínio de categorias de análise textual como coesão, coerência, informatividade etc., chegando ao texto) – permitiria um melhor desempenho linguístico; (b) conhecer algumas normas de combinação de recursos expressivos segundo o uso numa determinada variedade levaria à rejeição das normas relativas a uma variedade linguística não “standard”, possivelmente aquela que seguem os alunos em sua fala/escrita.

No que concerne ao primeiro pressuposto, desde meados da década passada inúmeros trabalhos de linguistas brasileiros [e mesmo de gramáticos] têm apontado para seu equívoco, independentemente de defenderem ou não o ensino da descrição da língua na escola (por exemplo, Ilari, 1985; Luft, 1985, Bastos e Mattos, 1985) a questão reaparecendo de forma mais esparsa em trabalhos desta década (Possenti, 1996, Britto, 1997). No que concerne ao segundo pressuposto, a discussão mais frequente diz respeito a diferentes posturas metodológicas, em que se contrapõem, grosseiramente, defesas antagônicas: o conhecimento explícito e sistemático de regras, normativas e às vezes descritivas, ou o conhecimento implícito de regras extraídas pelo estudante em seu convívio com as práticas linguísticas (por exemplo, Luft, 1985; Geraldi, 1984; Dacanal, 1985; Back, 1987; Carvalho, 1988). Não pretendo retomar aqui estas discussões, mas apenas chamar a atenção para dois aspectos levantados por Britto (1997) em sua retomada do assunto: 1. no contexto de grande parte dos trabalhos, a noção de “norma culta” acaba remetendo à modalidade escrita, corrente em órgãos da imprensa e não à modalidade oral; 2. mesmo trabalhos que têm proposto um estudo gramatical com base nos textos produzidos por alunos (por exemplo, Geraldi, 1984; Gallo, 1993) acabam exigindo o conhecimento de normas, um pouco mais elásticas em relação ao padrão escrito tradicional.

A segunda grande questão – o ensino da leitura – passa por discussões a propósito da seleção de gêneros, de textos e do acesso ao livro. Desde a década de 1960 domina o ponto de vista de que é necessário diversificar os gêneros de discursos em circulação na sala de aula, incluindo-se desde propagandas, histórias em quadrinhos, notícias e reportagens jornalísticas até a presença hoje quase tímida do gênero poético. Embora pareça ser uma questão ultrapassada, a denúncia de que o nível de profundidade dos chamados exercícios de “leitura e interpretação” não vão além da superfície textual ainda não surtiu o efeito de alterar as práticas escolares. Novamente, meu objetivo não é retomar tais discussões, presentes na literatura específica sobre a questão (por exemplo, Zilberman, 1982; Leite, 1983; Zilberman e Silva, 1988; Kleiman, 1989, Silva, 1995).

Em segundo lugar, como o título deste texto remete à construção externa da sala de aula, adianto que não vou tematizar as relações entre escola e sociedade, seguindo a trilha das discussões presente nas obras de sociologia da educação. O contraponto mais importante destas discussões diz respeito à antítese reprodução/transformação, uma e outra concepção atribuindo diferentes papéis para a escola no contexto social. Seguramente, dois autores são fundamentais para a compreensão dos diferentes pontos de vista: Bourdieu de um lado; Paulo Freire de outro.

Minha preocupação diz respeito a condições de produção, concretamente constritoras da atividade de ensino na sala de aula, sem, contudo, explicitarem-se como condições concretas que nem sempre a reflexão imediatamente expõe. Trata-se de aproximar as nossas questões cotidianas – da prática e da reflexão sobre o ensino de língua materna – ao projeto mais amplo da ciência moderna, no qual nos formamos e com base no qual temos agido no ensino.

Entre nós, frequentemente, as discussão sobre o ensino de língua portuguesa, em cursos, seminários, encontros, acaba produzindo entre os professores, além da ansiedade e da vontade de descobrir caminhos “certos” pra sua prática, um tipo de sentimento de culpa como se os fracassos fossem individuais. Neste sentido, a aproximação que se pretende aqui estabelecer recoloca a questão no seu campo mais amplo, pra evitar que os fracassos se tornem lugares de construção de culpas individualizadas, sem compreendê-los também no contexto imposto por uma certa concepção de ciência.

De dentro da sala de aula

Tomando como ponto de partida para a reflexão dois textos – ver Textos 1 e 2 – produzidos por estudantes em diferentes momentos de escolaridade e em diferentes condições de produção, poderemos extrair indícios do processo de escolarização e suas consequências nos textos produzidos.  Devo os dois textos a pesquisas independentes. O primeiro é parte do “arquivo” de textos do projeto “A relevância teórica dos dados singulares na aquisição da linguagem escrita” (Abaurre et alii, 1997). O segundo é parte do corpus de dissertação de mestrado de Cristiane Duarte (1998).

O texto 1 é de um aluno no segundo ano de escolaridade, em que se narra uma provável – verdadeira ou fictícia, não importa aqui – visita a um parque e se expõe um desejo (ter um pequeno animal doméstico, um periquito). Na composição deste texto sobressai o emprego do discurso direto entre as personagens, principalmente o narrador e o guarda. Apesar das dificuldades de manuseio da escrita, reveladas pelo autor em formação, pode-se acompanhar toda a história de um desejo (e sua realização), inclusive o momento de sobressalto, quando o narrador é acusado de ladrão. Embora não se pretenda aqui discutir a questão, é necessário salientar que o leitor consegue ler o texto – e construir uma compreensão – até a altura em que o narrador chegaria à casa carregando uma gaiola com um periquito. O possível diálogo entre a personagem que narra e a mãe acaba ficando praticamente incompreensível, indício bastante interessante para análises de relações familiares, especialmente quando se trata de ‘carregar para casa’ uma gaiola, um pássaro e a realização de um desejo, possivelmente não concretizado pelo sujeito que narra (não mais o narrador, mas a criança).

O aluno que escreveu este texto foi reprovado (é repetente) e o seu texto, trazido para discussão de professores, era apresentado como um texto-problema, e nas questões do cotidiano do ensino tratava-se de buscar alternativas para que a escrita se aproximasse do modelo padrão, de modo que “os erros” acabavam cegando o leitor/professor que não consegue, de modo geral, ver em tais textos um conjunto de acertos e uma configuração textual surpreendente. Dentro da sala de aula, pode-se dizer que estes são textos de autores sem leitores.

O Texto 2 foi produzido em circunstâncias diferentes: trata-se de um texto produzido em prova de vestibular, e por isso mesmo ao final do processo de escolarização básica. Ainda que não se possa dizer que a situação de vestibular seja uma situação de sala de aula típica, o vestibular é, entre nós, um rito de seleção e de passagem sempre no horizonte dos procedimentos escolares, apresentado até mesmo como motivo de aprendizagem de certos conteúdos. Abstraindo-se as condições mais próximas de produção [como se fez na apresentação do texto anterior], o produto do esforço feito pelo candidato indicia os processos de formação escolar.

Na prova em questão – vestibular da Unicamp (ver Texto 3) – são propostos alguns textos ou extratos de textos para leitura do candidato, como subsídios para o desenvolvimento do tema que lhes é proposto. Chama a atenção do leitor que o texto produzido não tem independência dos textos lidos, de modo que a sua sequência segue a seleção de textos feita pelo ‘autor’ da coletânea e a compreensão do leitor do texto produzido pelo vestibulando depende crucialmente de ele também conhecer os textos propostos para leitura. Pode-se afirmar que este é um texto “sem autor” para leitores “cooperativos” – porque também leitores da coletânea.

Considerando que onze anos de escolaridade – no mínimo – separam os autores destes dois textos, o primeiro de gênero narrativo e com independência, o segundo de gênero argumentativo e dependente dos subsídios propostos pela escola, pode-se perguntar – apesar das dificuldades que a aproximação de dois textos tão diferentes, de autores diferentes pode trazer – o que acontece no processo escolar que torna autores dos inícios da escolarização em repetidores de leituras mal digeridas no final da escolarização?

Seguramente , o Texto 1, enquanto gênero e enquanto forma de composição, está muito mais próximo do texto literário; o Texto 2 resulta de um esforço de integrar diferentes ideias e diferentes posições defendidas na coletânea, sem que de fato o autor diga algo sobre o tema que lhe foi proposto. Em certo sentido, pode-se dizer que no primeiro texto há um autor que fala/escreve; no segundo texto há um autor que silencia e deixa falar no texto que escreve. O primeiro é um texto de autor sem leitor, o segundo é um texto de leitor sem autor. Como o convívio escolar com textos pode produzir tal paradoxo, quando o convívio com textos escritos, ainda que imponha a “amnésia do já-dito” (Babo, 1987), é parte constitutiva do autor?

Ainda ‘dentro da sala de aula’, uma hipótese pode ser levantada a propósito deste distanciamento entre produtos escritos tão distintos e diz respeito aos gêneros discursivos que são propostos para a leitura (e para o exercício de produção de textos).

A tentativa de aproximar a sala de aula ao mundo do cotidiano foi responsável pela diversificação dos gêneros de textos com que se trabalha na escola. A defesa do emprego de textos não literários – até chamados de textos autênticos, como se as obras literárias não fossem textos autênticos (Cruz e Jouët-Patre, 1998) – acabou por produzir um afastamento da literatura (especificamente da sala de aula), em benefício da presença de inúmeros outros gêneros discursivos, de modo geral textos pragmáticos ou referenciais.

Analisando dados coletados na pesquisa “A circulação de textos na escola”, relativamente à presença de textos poéticos, Gebara (1997:146) afirma

Nas primeiras séries, os poemas nos livros didáticos são muitos (representam muitas vezes 45& dos textos do livro). Aos poucos, à medida que se avança no 1º. grau,  a situação muda e o texto poético vai sumindo (nas coleções de 5ª. a 8ª. séries, dos textos verificados, 22,9& são poemas e 4,5& letras de música. Principalmente na alfabetização este número é grande, pois há um aproveitamento “do pendor infantil para o ritmo tanto sonoro quanto corporal”. Nas séries seguintes, os poemas são selecionados em função da utilidade que possam vir a ter na apresentação de um conteúdo exigido pelo currículo. Por esta razão, da 5ª. série em diante, quando o espaço lúdico do aluno é diminuído, os poemas também o são, porque “a poesia” , como assinala Micheletti, “via de regra é permitida apenas como uma atividade lúdica. A escola é o lugar da seriedade, assim não se pode perder tempo com uma linguagem que não pertence ao mundo da prática” .

Em pesquisa independente, analisando um conjunto de livros didáticos, da década de 50 à década de 90, Parmigiani (1996:87) exemplifica a correlação numérica entre prosa e poesia com uma coleção de livros didáticos que teve sucessivas edições modificadas desde a década de 60 (Português através de textos, de Magda Becker Soares), apresentando os seguintes resultados:

 

Ano                  Poesia              Prosa               % Poesia                      % outros textos

1960                  16                    32                      35                                         65

1980                  02                    15                      11                                         89

1990                  09                    09                      50                                         50

 

Estes dados revelam que a leitura e a produção de textos supostamente pragmáticos são preferidos e considerados mais apropriados para o desenvolvimento da capacidade de expressão escrita dos estudantes. Embora os dados de Parmigiani mostrem uma recuperação do espaço para a poesia na década de 90, a pesquisa anterior, ainda que não apresente dados estatísticos, revela a tendência de exclusão da poesia da sala de aula(2).

Se, como disse Octavio Paz, el poema es una obra inacabada, siempre dispuesta a ser completada y vivida por un lector nuevo, e se o resultado do nosso segundo texto parece absolutamente inadequado em quanto expressão linguística na modalidade escrita , uma questão que poderia ser posta diz respeito ao convívio com o gênero literário como caminho necessário a ser percorrido se se pretende desenvolver capacidade de expressão, mesmo quando o autor é chamado/convocado a produzir um texto argumentativo.

Ao paradoxo já apontado – o fato de um texto de estudante de final de escolarização ser menos compreensível do que o texto de um estudante no início da escolarização – pode-se agora apontar outro: enquanto o texto literário exige maior autoria do leitor no processo de produção de sentidos, autoria que se espera deste mesmo leitor quando escreve um texto, é precisamente este gênero de texto que a escola marginaliza. Por quê?

 

De fora da sala de aula

Dificilmente uma resposta ou mesmo várias respostas a este porquê será satisfatória. Responder implica na verdade um programa de pesquisa, e qualquer proposta de resposta não passa de indicação de caminhos para a compreensão aqui restrita a duas questões: (a) o desempenho linguístico na modalidade escrita revela um processo de desaparecimento da autoria à medida que a escolaridade avança (esta questão foi levantada pela aproximação certamente temerária de dois textos produzidos por sujeitos diferentes em condições de produção diferentes, mas que indiciam a existência de algum problema de condução do processo de ensino e aprendizagem); (b) o meritório movimento de diversificação de textos de leitura [e de gêneros propostos para a produção] acabou por diminuir excessivamente a presença do texto literário, especialmente do texto poético, nas salas de aula [em certo sentido, nesta segunda metade do século acabamos realizando o projeto de expulsão da poesia proposto por Platão]. Este movimento de diversificação não pode ser simplesmente à complexidade das atividades humanas que levam à multiplicidade de gêneros discursivos (Bakhtin, 1962/1963), mas a um projeto de sociedade e de ciência mais profundo que sustentou o sucesso deste movimento.

Para contribuir com a construção de respostas às questões com que estamos nos ocupando, gostaria de explorar precisamente este movimento “epistemológico” na área das ciências humanas que me parece ter contribuído para a “expulsão do poema” das salas de aula em nome da presença de textos mais objetivos e pragmáticos.

Explorando a questão, retomo três características da ciência moderna: a universalidade, a objetividade e a preditibilidade. Desnecessário dizer que o texto poético – e a arte de um modo geral – foge a qualquer destas características, precisamente aquelas que constituem o “âmago” do projeto científico que se desenha desde o século XVIII como paradigma dominante das ciências ditas exatas ou da natureza.

As ciências humanas, aproximando-se deste paradigma dominante, para adquirirem o estatuto de ciências, acabam abandonando práticas tradicionais de interpretação de textos (a filologia, por exemplo), para irem construindo objetos específicos que podem ser descritos objetivamente, com pretensão de universalidade e com formulação de regras preditivas de acontecimentos futuros. Neste sentido, um paralelo bastante esclarecedor pode ser buscado na área dos estudos da linguagem, quer comparando as práticas científicas dos filólogos contrapostas às práticas científicas dos linguistas, quer contrapondo as práticas destes com os estudos literários, cuja teoria, apesar dos esforços do movimento estruturalista, não chegou a constituir-se numa ciência no sentido que damos ao termo nos dias atuais.

Ao tempo que neste século cada vez mais as ciências humanas foram “matematicizando-se”, construindo objetos científicos e desligando-se das interpretações dependentes de sujeitos, as chamadas ciências da natureza, cujo modo de fazer ciência ilumina este movimento de aproximação de métodos, caminhava em sentido contrário, do modo que as três características apontadas anteriormente acabaram por ser “desgastadas” pela própria prática científica.

Acompanhando Santos (1987), pode-se dizer que a universalidade é posta em questão pela teoria da relatividade na física, já que esta reincluiu as questões do tempo e do espaço; a objetividade é posta em questão pelas observações de Heisenberger e Bohr, já que as medições mais precisas de um objeto não ocorrem sem que nele se interfira com os instrumentos utilizados; a preditibilidade é posta em questão pela teoria das estruturas dissipativas de Prigogine. Retomemos aqui algumas passagens do estudo de Santos:

 

… Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna, um rombo, aliás, mais importante do que o que Einstein foi subjetivamente capaz de admitir. Um dos pensamentos mais profundos de Einstein é o da relatividade da simultaneidade. […] a fim de determinar a simultaneidade dos acontecimentos distante é necessário conhecer a velocidade, mas para medir a velocidade é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos. Com um golpe de gênio, Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão só ser definida. É portanto arbitrária e daí que, como salienta Richenbach, quando fazemos medições não pode haver contradições nos resultados uma vez que estes nos devolverão a simultaneidade que nós introduzimos por definição no sistema de medição (p. 24/25)

[…]

Heisenberg e Bohr demonstraram que não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou. (p.35)

[…]

A teoria das estruturas dissipativas e o princípio da “ordem através de flutuações” estabelecem que em sistemas abertos, ou seja, em sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução explica-se por flutuações de energia que em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis, desencadeiam espontaneamente reações que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado macroscópico (p.27-28).

 

Estas três condições teóricas, entre outras condições, mostram que nas ciências da natureza as características básicas da ciência moderna acabam por ser abandonadas por força do próprio desenvolvimento científico. Os esforços desenvolvidos pelas ciências humanas para chegarem a ter o estatuto de ciência – universalidade, objetividade e preditibilidade – fizeram-nas caminhar no sentido contrário àquele percorrido pelas ciências da natureza. Recorrendo mais uma vez a Santos *1986:28), estamos chegando a

… uma nova concepção da matéria e da natureza eu propõe uma concepção dificilmente compaginável com a que herdamos da física clássica. Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente.

 

A hipótese que pretendo apresentar é que as atividades de aula estão marcadas pelo projeto mais amplo de cientificidade das ciências humanas, e é este projeto que deu sustentação social à preferência pelos textos pragmáticos, em prejuízo da presença mais marcante da literatura no conjunto de textos postos nas mãos dos estudantes para leitura e como “modelos” de textos a serem produzidos.

O retorno da poesia aos livros didáticos, neste final de século, é também consequência do “desencanto” contemporâneo com a objetividade e com a verdade, já que mais do que nunca os próprios cientistas têm se debruçado sobre suas próprias práticas pondo em questão a concepção de ciência que herdamos.

 

Notas

  1. Minha amiga Edwiges Zaccur me pediu um texto para uma coletânea que estava organizando. Corria o ano de 1998, um tempo em que estive muito mais ocupado com o cargo administrativo de Pró-reitor do que com a pesquisa e com a sala de aula. Atrasei a entrega, como sempre… Quando o livro foi publicado, já não era mais Pró-reitor, uma experiência curta que encerrou com toda e qualquer veleidade de continuar na administração de qualquer coisa na universidade. Nem coordenações, nem chefias. Reconheço: não sirvo para cargos administrativos. E sempre penso que quando se chega a eles por eleição, o compromisso com o programa apresentado deveria ser sério. Mas no meio, tudo o que se espera é que tudo mude para tudo continuar como antes. Obviamente, quando escrevi o texto aqui reproduzido, não tinha qualquer novidade a dizer que não fosse o rearranjo do mesmo, com nova roupagem. Mas como acredito que mesmo a paráfrase é produtiva, que não há na linguagem repetição, este texto ao retomar assuntos também os encaminha de forma diferenciada. Ele foi publicado na coletânea A Magia da Linguagem (Edwiges Zaccur (org). Rio de Janeiro : DP&A Editora, 1999).
  2. Acrescento ao texto original duas observações: em primeiro lugar, a diminuição no número de textos que compõe a mesma coleção de livros didáticos, com o passar do tempo: em 60 foram 48 textos; em 80 foram 17 e em 90 foram 18; em segundo lugar, em relação à afirmação de Gebara sobre a quase ausência da poesia à medida do avanço da escolaridade: ela produz um efeito de sentido de que a poesia é coisa infantil, coisa de criança…

 

 

Referências bibliográficas

Abaurre, Maria Bernadete; Fiad, Raquel S.; Mayrink-Sabinson, Maria Laura. Cenas de aquisição da escrita. O sujeito e o trabalho com o texto. Campinas: Mercado de Letras,/ALB, 1997.

Babo, Maria Augusta. A escrita: uma paixão devoradora? Revista de Comunicação e Linguagens, Lisboa, 5:29-44, 1987.

Back, Eurico. Fracasso do ensino de língua portuguesa. Proposta de solução. Petrópolis : Vozes, 1987.

Bakhtin, Mikahil (1952/1953). Gêneros discursivos. Estética da criação verbal. São Paulo : Martins Fontes, 1992.

Bastos, Lúcia K.; Mattos, Maria Augusta. A produção escrita e a gramática. São Paulo : Martins Fontes, 1986.

Britto, Luiz Percival Leme. A sombra do caos – Ensino de língua x tradição gramatical. Campinas : Mercado de Letras/ALB, 1997.

Carvalho, José Augusto. Por uma política do ensino da língua. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1988.

Cruz, Celene M.; Jouët-Pastre, C. M. O texto literário em uma classe de língua estrangeira. Campinas. Inédito.

Dacanal, José Hildbrando. Linguagem, poder e ensino da língua. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1985.

Duarte, Cristiane. Uma análise dos procedimentos de leitura baseada no paradigma indiciário. Campinas : Dissertação de mestrado – Departamento de Linguística, Unicamp, 1998.

Gallo, Solange L. Discurso da escrita e ensino. Campinas : Ed. Da Unicamp, 1992.

Gebara, Ana Elvira L. O poema, um texto marginalizado. In. Chiappini, L. (coord) Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo : Cortez, 1997.

Geraldi, João W. O texto na sala de aula. Cascavel : Assoeste, 1984.

Ilari, Rodolfo. A linguística e o ensino da língua portuguesa. São Paulo : Martins Fontes, 1985.

Kleiman, Ângela. Texto e leitor. Campinas : Pontes, 1989.

Leite, Lígia Chiappini. Invasão da Catedral. Literatura e ensino em debate. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1983.

Luft, Celso Pedro. Língua e liberdade. O gigolô das palavras. Por uma nova concepção da língua materna. Porto Alegre : L&PM, 1985.

Parmigiani, Tânia R. Poesia na escola: presença/ausência. Campinas : Dissertação de mestrado – departamento de linguística, Unicamp, 1996.

Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola?  Campinas : Mercado de Letras/ALB, 1996.

Santos, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre a ciência. Porto : Afrontamento, 1987.

Silva, Ezequiel T. A produção da leitura na escola. São Paulo : Ática, 1985.

Zilberman, R. (org). A leitura em crise na escola: as alternativa do professor. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1982.

__________ e Silva, Ezequiel T. (orgs) Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo : Ática, 1988.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.