Da biblioteca da família Cortesão

Estou em Portugal, mais precisamente no Porto. E aqui não deixo de folhear livros das bibliotecas da família Cortesão. Falo em bibliotecas porque há livros de Antonio Cortesão, que foi um gramático, de Jaime Cortesão, escritor do grupo Renascença dos começos do Século XX, e da biblioteca de um convento adquirida por Camilo Cortesão Abreu, pai da minha amiga Luiza Cortesão, em cuja casa sou hóspede. O texto abaixo é leitura destas minhas olhadas em velhos livros: 

“Tornar a creança dócil – eis o fim imediato que se propõem entre nós, os educadores quotidianos, pães, mães ou mestres. Conseguido elle, julga-se que uma grande parte, – a mais importante mesmo – do que é d’uso chamar-se educação está inteiramente realisada. Sem querer agora precisar o valor d’este termo, que tão poucos compreendem e tantos empregam com manifesto despropósito, procurarei fixar se a docilidade da creança, no sentido em que esta expressão em geral se entende – no sentido de obediencia a ordens impositivas e injustificáveis para quem as recebe – é util ou nociva, e se é um meio de dar ao educando as maiores possibilidades de vir a ser feliz e energico, com as suas faculdades de trabalho e de iniciativa harmoniosamente desenvolvidas.

A mais elementar e superficial obsevacão mostra-nos logo que o maior empecilho ao futuro equlibrio psicologico da creança é, precisamente, a exigencia da sua docilidade. Com efeito, é raro aquelle que, para a obter, não fórça o educando a reprimir os seus gostos, os seus desejos, a sua maneira de ser, emfim, empregando quasi sempre, não os meios persuadorios – que até certo ponto poderiam atenuar os perigos d’esse pseudo-sistema pedagogico – mas a violencia, a intimidação, desde os gritos descompassados até aos castigos corporaes.”

(João de Barros. A nacionalisação do ensino. Porto. Ferreira Ltda. Editores, 1911, p. 157-159)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.