– Minha mãe, faça-me a ceia, depressa, não devagar,
qu’ eu tenho uma aposta feita ou de perder ou de ganhar.
– Não apostes, ó meu filho, deixa-te de apostar,
Mariana é muito fina, não se deixa enganar.
– Pelo modo que há-de ser, ninguém no há-de pensar:
hei-de me vestir de madama, ao jardim vou passear.
– Oh, que dama é aquela no jardim a passear?
– Sou filha de tecedeira, fiado venho buscar.
– Esse fiado, menina, ‘inda ‘stá por dobar.
– Doba, doba, Mariana, depressa, não devagar,
é noite, faz escuro, tenho muito para nadar.
– Também tenho bons cirados para a ir acompanhar.
– Nos criados da menina há bem pouco que fiar.
Doba, doba, Mariana, depressa, não devagar.
– Também tenho boas salas para a menina ficar.
Também tenho bons colchões para a comigo deitar.
A dama, de contente, à noite não quis cear.
Por essa noite fora, Mariana começou a gritar.
– Não grites, ó Mariana, não te queiras defamar,
que eu sou um rapaz solteiro para contigo casar.
‘Inda para mais certeza sou conde de Montalvar.
Logo nessa mesma noite à venda se foi gaber.
– Enganei a melhor donzela que havia em Portugal,
Onde estavam três irmãos, ficaram logo a pensar.
– Seria nossa Mariana? Não havia outra igual…
Onde ‘stava o irmão mais velho: – Vamo’ nós a queimá-la?
Onde ‘stava o irmão chigante: – Vamo’ nós a degolá-la?
Onde ‘stava o irmão mais novo: – Vamo’ nós a dotá-la?
Um bom dote suprimidinho… não faltará com quem casá-ça.
Mariana que isto ouvia, logo se pôs a chorar.
– Quem me dera um irmão que me ele fosse leal!
Que me fosse levar esta carta ao conte de Montalvar!
– Avia-te, ó Marian, depressa, não devagar.
Jornadinha de três dias eu n~u1 hora a hei-de andar.
– Se ele estiver a jantar, deixará-lo acabar;
se ele estiver a dormir, deixará-lo acordar;
se ele andar a passear, a carta le irás entregar.
– Oh, que menino aquele, que tão bem sabe falar!
– Sou irmão de Mariana, que ela lá vai a queimar.
– Tanto se me dá que a queimem, como deixem de queimar,
Tenho pena do ventre dela, que leva sangue real.
Venha daí, minha mãe, conselhos me venha dar,
para acudir à Mariana, qu’ ela lá vai a queimar.
– Meu filho, veste-te de padre, ao caminho a vai esperar;
p’lo motivo que ela der, já a podes experimentar.
– Ó justiça, ó justiça, ó justiça general,
onde levam na menina tão nova por confessar?
Confesse-se, ó menina, faça confissão geral,
no meio da confissão um abraço me há-de dar.
[….] Que eu da morte a hei-de livrar.
Confesse-se, ó menina, faça confissão geral,
No meio da confissão um beijo me há-de dar.
[….] Que eu da morte a hei-de livrar.
– Não permita Deus do céu, nem nos santos do altar,
abraços que conde abraçou não é para frades abraçarem.
Não permita Deus do céu, nem nos santos do altar,
boca que conde beijou não pe para frades beijarem.
– Tire o anel desse seu dedo que a vai a condenar.
– Tanto se me dá que condene, como deixei de condenar,
onde quer que eu for morrer o anel há-de acabar.
Por esse bulir de beiços, por esse meu lindo falar,
assim me está parecendo sê’ lo conde de Montalvar.
– Venha daí, ó menina, o cmainho hemos de andar,
que venham agora seus manos, se a quiserem matar!
(versão de Medrões (concelho de Santa Maria de Panaguião), distrito de Vila Real)
(Referência: Pere Ferré. Romanceiro português da tradição oral moderna.
Versões publicadas entre 1828 e 1960. Vol. I Lisboa : Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Caro professor Wanderley Geraldi, bom dia! Sou docente na UNESP/SJRP. Fui sua aluna na Unicamp, já há muitos anos. Eu gostaria, também em nome de outras colegas, de enviar um convite para uma coleção que estamos organizando. O senhor poderia me mandar um email de contato? Obrigada. Forte abraço, Fabiana
Fabiana, meu email é jwgeraldi@yahoo.com.br Abraço.
Obrigada, Wanderley! Vou te escrever. Forte abraço