CRIME SEM CASTIGO

Os políticos parlamentares do Brasil podem cometer crimes e podem não ser condenados, nem punidos, nem  castigados pelos crimes que cometem. E como acontece isso? No primeiro plano – na escala e palco do Legislativo – os políticos parlamentares inventam e aprovam leis geniais e garantem nas leis o “foro privilegiado”. E por força legal e jurídica deste foro – lugar e papel político de venda de votos para aprovação de programas e projetos do Executivo – gozam da deliciosa e salvadora “imunidade parlamentar”. Simples, assim: parlamentares corruptos não podem  ser condenados, nem presos e não perdem o mandato político para o qual foram eleitos. Neste mesmo plano, os políticos parlamentares tem o cuidado inteligente e nobre de aprovar e autorizar salários e benefícios altíssimos, privilegiados, para si mesmos e para os juízes e promotores. Sempre e apenas por força da harmonia constitucional dos Três Poderes. No segundo plano – escala e palco do Judiciário – há juízes, vestidos rigorosamente de togas pretas de alta costura, que falam, falam, falam: “não podemos confundir imunidade com impunidade”; “precisamos ter cuidado com a judicialização dos processos de acusações dos parlamentares e demais políticos”; “vivemos hoje uma situação muito perigosa e não podemos discar o fósforo para verificar se há gasolina no tambor”, Gilmar Mendes no caso de Aécio. Se prender Aécio, o barril de criminosos do PSDB, PMDB e outros implode . E falam dos processos de acusação dos parlamentares numa linguagem inexata, imprecisa, passível de múltiplas e contraditórias interpretações de um mesmo processo, mesmo este tendo fatos reais comprovados de crimes em flagrante. Dependendo do parlamentar de que se trata, isso não é suficiente para a condenação. É como se dissessem: “não pode matar, nem roubar, nem corromper”. Já outros diriam: “porém, se for preciso, mate, roube, corrompa e serás absolvido, pois tens o foro privilegiado”.

Assim, neste jogo de ambivalência jurídica – no palco e na escala da harmonia legal porque constitucional, mas ilegítima – o Supremo Tribunal se divide: ora empata, ora desempata e neste jogo de correlação de forças de classes sociais o bloco hegemônico vota a favor das elites políticas e do capital, já o grupo menor vota pela condenação do Temer, Aécio e dos seus comparsas. Só que, mesmo o Supremo condenando os acusados por crimes reais, concretos, materiais, verídicos, com provas de crimes em flagrante, submete a decisão e condenação ao crivo do Senado. Esta decisão do Supremo de submeter ao Senado o julgamento final do Aécio é garantir a absolvição do Neves. Lá no Senado há a via de mão dupla uma aliança, cuja lógica é: você me  absolve da minha condenação e eu te protejo dos seus crimes. Assim, salvar o colega Aécio é salvar a própria pele. Essa é a lei: afastar e condenar o senador Delcídio do PT, pode; afastar e prender o presidente do Parlamento Cunha, pode só depois do impeachment de Dilma; afastar e condenar o senador Aécio, não pode porque é contra a constituição.

A corrupção é universal. Isso é verdadeiro e triste, mas não justifica tantos crimes no Brasil de hoje. Fica aqui a dúvida e a pergunta: os juízes, os promotores, os advogados, os parlamentares e os políticos em geral não estudaram, não apreenderam o real e verdadeiro sentido dos princípios e valores da ética nas classes escolares universitárias e nos cursos de direito? Ou aprenderam e memorizaram os sentidos e valores históricos de ética e de moral somente para se dar bem nos trabalhos, nas provas e nos exames? O que é que eles entendem por ética na política? A questão é complexa para todos, para o mundo inteiro.

Ao contrário do “Crime e Castigo” de Dostoiévski – romance polifônico dialógico mais emblemático da literatura universal – aqui vigora o Crime sem Castigo. Até quanto?

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.