CONVERSA DE CORRELIGIONÁRIOS, de Carlos Drummond de Andrade

—Eu sou pela eleição direta, e você?
—Eu também, claro. Está duvidando de mim?
—Ótimo. Então conto como seu voto para aprovação do meu projeto que restabelece a eleição direta.
—Ah, como meu voto você não conta não.
—Mas se você é pela eleição direta, por que vai votar contra a eleição direta?
—Perdão. Vou votar contra o projeto, não contra a eleição direta.
—É a mesma coisa.
—Não é a mesma coisa. Projeto é projeto, eleição é eleição.
—Então você é a favor e contra ao mesmo tempo. Ou por outra: é a favor do contra, ou contra o a favor.
— Você não entende nada de nada. Ser a favor não significa votar a favor. Significa ser, e ser não é votar, como votar não é ser. Votar é ato exterior, de gesto ou de boca. Ser é muito mais profundo, mais intenso, mais… Sinto uma tal felicidade sendo a favor da eleição direta que não quero comprometer esse estado de espírito radiante com uma providência de ordem convencional, ato vulgar e contingente. Como se as minhas ideias precisassem de votação! Você está questionando a pureza das minhas ideias, isso eu não admito!

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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