“Mesmo que os senhores tivessem feito algo de bom, estão aqui tempo demais e eu lhes digo: Vão embora, queremos ver-nos livres dos senhores. Por amor a Deus, vão embora!” (Cromwell, aos membros do Parlamento conhecido por “Longevo”)
Desde que venho ventilando a possibilidade de os eleitores realizarem a principal reforma política necessária ao país, seguindo o lema NÃO REELEJA NENHUM DEPUTADO OU SENADOR, venho recebendo apoios ao movimento “Constituinte-Já” como uma saída para a crise que estamos vivendo.
Eu fico a imaginar e a me perguntar: quem seriam os constituintes? Mesmo que se defendam eleições específicas para a Assembleia Constituinte, e outras para a Câmara e para o Senado, estes poderiam, no exercício de suas prerrogativas, alterarem a atual Constituição, enquanto a Assembleia estaria elaborando a nova Carta Magna.
Mas os eleitos de hoje, no atual panorama político, seriam do mesmo quilate daqueles que elaboraram a Constituição Cidadã, promulgada em 1988? Quando elegemos os constituintes, vivíamos o período da redemocratização, depois de longo período do obscurantismo da ditadura militar. Agora estamos vivendo um período inverso: estamos saindo da democracia para uma ditadura do judiciário, apoiada pela mídia e pela polícia. E todos sabemos que Congresso temos: uma vergonha! Venais, votos conseguidos a peso de reais.
Ora, no sistema em vigor, quem seria eleito para a Assembleia Constituinte? Se não forem os próprios atuais deputados e senadores (alguns deles o seriam, indubitavelmente), seriam seus filhos, netos, parentes próximos… Como estamos acostumados, de um ACM para um ACM-Neto; de um Tancredo Neves ao neto Aécio Neves… Se houver uma eleição para uma Assembleia Constituinte exclusiva, com mandato determinado, certamente nossos atuais deputados e senadores preferirão a reeleição para se conservarem por mais tempo no balcão de negócios em que se transformou nosso Parlamento. Mas terão influência decisiva em quem será eleito para a Assembleia Constituinte. Os Bolsonaros filhos, os Caiados filhos, os Romero Jucá filhos, os Moreira Franco netos; os Eliseu Quadrilha bisnetos; Os Aecinhos primos; e netos, bisnetos e primos escreverão a Constituição que deputados e senadores, pagos pelos cofres do Tesouro Nacional, mandarem que escrevam, seguindo os ditames do “mercado” a que, já declarou Rodrigo Maia, estar a serviço!!!
Se não houver eleição exclusiva, já imaginaram uma Assembleia Constituinte sob a presidência de Rodrigo Maia, ou de Eunício Oliveira, ou, Deus nos livre, de José Serra ou Tasso Jereissati? Tudo o que resultará de uma Constituinte, neste momento, será a destruição dos preceitos constitucionais de 1988. Desaparecerá da Constituição a questão da seguridade social, que será deixada para lei ordinária; desaparecerão os direitos conquistados a duras penas e para liquidá-los bastará uma minoria simples no Congresso!!!
Há boa vontade e boa intenção no movimento Constituinte-Já, mas mantidas as condições atuais que permitem a uma rede de televisão dominar a informação (ainda que tenha saído enfraquecida no episódio da “absolvição” a Temer) só nos restará temer o resultado das eleições dos Deputados Constituintes, cuja maioria virá da Bíblia, da Bala e do Boi! E ainda poderá dizer que foi “democraticamente” eleita!!!
Os tempos são outros! Não há no ar sede de democracia! Sede de participação! O que há no ar é coisa bem distinta: uma vontade de encontrar soluções trazidas por “salvadores” da Pátria, ao estilo Hitler!!! Ou como explicar o avanço no imaginário do povo de um Bolsonaro ou de um Moro, ambos com ideias nazi-fascistas?
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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