“Conde Claros Preso”

Conde Claros c’o amor, não podia repousar,

foi-se ter com Clara-Linda debaixo do seu rosal.

Clara-Linda, que o viu, ficou mui admirada.

– Conde Claro vem armado, pra comigo brigar?

– Melhor vo-lo tereis, senhora, para convosco conversar.

– Eu não quero ganhar nada, porque nada me hão-de dar.

[…..] Isto que aqui, a el-rei vou contar.

– Eu darei-te o meu vestido d’ouro que na corte não é achado.

– Não quero o seu vestido, porque nada me há-de dar,

isto mesmo que aqui vi, a el-rei vou contar.

– Eu darei-te o meu cavalo, bem selado, bem ferrado,

com cem dúzias de botões d’ouro, na roda do peitoral.

– Eu não quero o seu cavalo porque mo não há-de dar,

isto mesmo que aqui vi, a el-rei vou contar.

– Beijo-vos a mão, senhor, a vossa coroa real,

alvíssaras vos tenho trazer, se vós mas quiseres dar,

que eu bem vi estar Clara-Linda, com conde Claro falar.

– Se mo dissesses oculto, alvíssaras te havia dar,

como mo dissetes em público =….]

a ti sentença de forca e a ele de degolar.

– O meu cabelo desatado, eu não o possa atar,

palácio d’ el-rei meu pai, não mo posso alcançar.

Mas o pai, à maior pressa, para casa a foi buscar.

– Se eu tiver outra filha, que no meu reino reinar,

até vós, Clara-Linda, havia mandar matar.

Por espaço dalgum tempo, o rei ouvira cantar:

– Vinde vós cá, Clara-Linda, vindo ouvir belo cantar,

ou são os anjos no céu, ou são cerejas no mar.

– Não são os anjos no céu, nem são cerejas no mar,

conde Claro é, senhor, se vós o mandais soltar.

Se vós o quereis por esposo, por genro o hei-de tomar.

– Se meu pai me dá licença, à prisão o vou buscar.

– Esperai por mim, minha filha, que eu vou vos acompanhar.

– Conde Claro, dai-me a mão que meu pai a manda dar,

dize-me, mexeriqueiro, quanto vieste ganhar?

– Ganhei a morte, senhora, que a vida me podeis dar.

– Para dar exemplo aos mais, logo vais a degolar.

(Versão da Lomba do Botão (concelho de Povoação), ilha de S. Miguel (Açores). Cantada por Ana Jacinta Botelho em setembro de 1878)

(Referência: Pere Ferré. Romanceiro português da tradição oral moderna. Versões publicadas entre 1828 e 1960. Vol. I  Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2000)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.