Clodomir Santos Morais

Recebo hoje uma péssima notícia de ontem: faleceu Clodomir Morais, sociólogo especialista na questão camponesa, um dos líderes das Ligas Camponesas de Pernambuco. Deputado federal cassado pela ditadura militar, no exílio tornou-se assessor da ONU para assuntos agrários, tendo feito trabalho em vários países da América Latina e da Europa. Com doutorado em Berlim, foi professor visitante da Universidade onde se doutorou, e também professor da universidade de Rostock (Alemanha Oriental). Publicou muitos livros. Mas conheço somente seus livros de ficção: Contos Verossímeism, em edição de 1994 da Casa da Cultura “Antonio Lisboa de Morais”, de Santa Maria da Vitória, Bahia, terra natal de Clodomir. Os quatro contos destes dois volumes foram escritos em 1964 na Casa de Detenção de Recife ou na Prisão do Quartel do Regimento de Obuses (Olinda). Publicados somente 30 anos depois. O conto “Mestre Ambrósio” foi publicado também pela Editora da UNIR, Universidade Federal de Rondônia, na coleção Primeira Versão.  Na leitura de seus contos, a gente se sente nas “gerais” de Guimarães Rosa. Para meus leitores, um pocadim de Clodomir Morais:

 

“Sol-entrando, sol sem vento. Bandeija de outro e sangue, gema de ovo grande minguando, de pedacim em pedacim, uma banda toda, na linha do infinito.

Sol-entrando no sossego das aves e na cantoria das cigarras tristes e dos grilos que não param mais. O céu é uma asa de arara sem tamanho, com pena amarela, vermelha, azul, verde e cor-sem-nome, que a Natureza pinta sem tinta de raiz e nem brocha de canela-de-ema. As cigarras cantam pouco tempo. Os grilos é que botam sentinela, chorando só e de magote, a noite toda, medo do sol não voltar mais.

Nas cumieiras das matas os buritis solteiros se espinham dando adeus ao sol e as carnaúbas ajeitam os cabelos como mulher que se prepara pra dormir com o mormaço.

Sol-entrando, tristeza gostosa de quem quer divulgar longe. Distante mesmo. Mil léguas sem rumo, de saudade entrançada de três cordas: dor, alegria e desejo contrariado.

Sol-entrando, o gerais é um ninho só, onde tudo vai dormir e cochichar namoro.

Sol-entrando, tudo é mais longe pras vistas e para o pensamento. A gente se sente só de saudade, peito apertado e com vontade de ir também com o sol pro fim do mundo, pra lá dos gerais, pra lá da terra, nas cabeceiras dos rios.” (“Causos” de Sentinela”)

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.