por João Wanderley Geraldi | jan 16, 2018 | Blog
Desde a retórica clássica se faz a distinção que a moderna retórica de Perelman retomou e conceituou de forma esclarecedora: toda argumentação busca a adesão de seus ouvintes às teses que defende. Esta adesão pode resultar da convicção ou da persuasão. A retórica trabalha, essencialmente, com a persuasão, mas inclui e vai além, sempre que possível, obtendo o convencimento de seu auditório (que pode ser apenas uma pessoa, como no caso de um juiz singular) através do que se chamam provas técnicas.
Como se sabe, diante de fatos, não há argumentos. A argumentação só aparece quando duas ou mais teses podem ser adequadas. Mas o sonho do bom argumentador é dispor de provas técnicas capazes de derrubar as teses contrárias, porque diante de provas técnicas, narrativas dos fatos por testemunhas perdem seu valor de prova!
Obviamente uma “prova técnica” pode ser posta sob suspeição, em geral apelando-se para outras análises técnicas. Tomemos um exemplo (a exemplificação é sempre argumentação, já o sabia claramente o Pe. Jacobo Verese, que escreveu a Legenda Áurea, com vidas de santos para serem usadas como exemplos nos sermões dos curas em suas capelas e paróquias): uma assinatura sob suspeição pode merecer análises técnicas e dois técnicos concluírem de forma distinta, o que demandaria buscar um terceiro técnico para desempatar… quando se quer chegar a alguma verdade, obviamente.
No judiciário, as provas técnicas têm livre curso. E sempre que possíveis, são utilizadas, quando se quer um julgamento imparcial. Por exemplo, nosso atual diretor geral da Polícia Federal informou a todos: uma mala de dinheiro não é prova de nada. Em si não é mesmo. Mas uma mala de dinheiro sendo passada de uma mão conhecida para outra mão indicada numa gravação também conhecida em que a entrega foi combinada, uma mala e o filme de sua entrega é uma prova, e uma prova de fato, técnica, difícil de descartar. Exceto quando não se quer julgamento e investigação séria, nem se quer imparcialidade.
Pois estamos começando a nos habituar com a parcialidade no Judiciário, o que leva ao Estado de Exceção. E quando a parcialidade se impõe, as provas técnicas são descartadas porque são fortes em exagero para o exercício da parcialidade.
Assim, a mala será descartada, junto com a combinação gravada de sua entrega… Também já foi descartada uma escritura pública, registrada em Cartório – antigamente os cartórios e os tabeliões tinham fé pública, agora a perderam por decisão local de um juiz parcial. E ao documento técnico de propriedade – escritura e registro em cartório – se sobrepôs uma narrativa em que a testemunha diz “disseram que era do Lula”. Este “me disseram” virou prova de uma “propriedade de fato”, descartada a prova técnica.
Mas para criar um imbróglio jurídico, a juíza Luciana Correa Torres de Oliveira aceitou a prova técnica, e penhorou o mesmo apartamento cuja propriedade foi atribuída a Lula pelo juiz angélico Dr. Moro, com base no “me disseram que era do Lula” de uma testemunha e com base na “prova”: uma reportagem de um jornal!!!
Temos duas decisões, uma com base na “prova técnica”, outra com base nas narrativas “testemunhais”. Uma convence, a outra persuade. Quando um juiz prefere a persuasão porque ele próprio convencido do que quer que o fato seja, ignorando provas técnicas, já não temos julgamento, mas perseguição.
Agora, em novo processo, em que aparecem recibos de aluguel assinados por um delator que varia sua narrativa segundo os ventos e os recados que recebe de delegados e procuradores, houve uma perícia técnica apresentada por uma das partes. A outra parte, representada por procuradores-acusadores, todos chefiados por Dallagnol, escreve descaradamente que nem precisa “prova técnica” que se contraponha a existente na investigação, porque o juiz angélico pode formar sua convicção com base nas provas testemunhais eternamente modificadas segundo as necessidades da acusação! O delator não se desmoraliza porque muda a narrativa: sua narrativa é tomada como “fato” e diante do fato não precisa de argumentos nem de provas técnicas: o apartamento usado pela família de Lula em São Bernardo é de propriedade de Lula. Ponto. E foi adquirido com dinheiro de propina obtida em “tempos inespecíficos” por “ações indeterminadas” como gosta de sentenciar o juiz angélico.
Infelizmente, o grande trabalho de Perelman já não faz mais sentido nas Varas brasileiras. E certamente seria muito bom que o pregador Danton Dallagnol lesse a Legenda Áurea para retirar de lá exemplos a usar em suas argumentações para “salvar a pátria” e impor seu credo a todos e a todas.
Diremos amém?
por Cristina Batista de Araújo | jan 15, 2018 | Blog
A escola, para aperfeiçoar seu desempenho e atender às funções que lhe são impostas, procura diagnosticar tudo o que rejeita; busca identificar as causas dos problemas e, se antecipando a eles, adota medidas que considera eficazes. Ainda, em nome disso, a escola realiza intensas investigações da vida dos alunos, convoca as famílias para o ajuste de condutas, promove o falar para, enfim, indicar a solução.
Se a escola fosse apenas isso, diria, então, que ela está imersa num sentimento de suficiência que a faz incapaz de perceber que, ao abrigar as diferenças em um só lugar, pode incorrer na discriminação e na exclusão. Se, pois, a escola é a mesma para todos e nem todos são iguais, seus posicionamentos estarão intimamente ligados à relação que ela tem com a vontade de verdade que, construída socialmente, estabelece que os diferentes precisam se ajustar ao padrão. E, além disso, se a escola considera-se amplamente eficaz, possivelmente, seus problemas serão tomados como exteriores a ela, soltos à espera de teorizações para serem resolvidos.
Fico imaginando que se fosse uma história, seria como se, diante de um suposto final, a escola pudesse suspirar tranquila, certa de que encontrara a solução. Mas isso não seria por muito tempo, já que alguém viria a dizer o contrário, tirando, assim, o sossego de todos. Então, em nova caçada, todos sairiam novamente buscando surpreender o responsável por tal sabotagem, que uma vez pego, seria condenado ao suplício e à expiação. E todos ficariam em paz novamente!
Geralmente, as mudanças mais significativas tiveram sua motivação em uma questão. Portanto, penso que para reconfigurar nossa maneira de viver e de ensinar, precisamos fazer novas perguntas, porque questionar-nos sobre a nossa atividade diária, sobre o motivo pelo qual fazemos, dizemos ou pensamos pode nos levar a considerar a possibilidade de mudanças, a testar alternativas. Fazer-se perguntas pode ser uma ferramenta que nos permite avaliar-nos, conhecer nossas limitações e agir.
Mas o problema é que muitas pessoas têm medo de fazer perguntas. Temem não gostar das respostas que encontrarão. Talvez as respostas conduzam a perceber que não haja uma única possibillidade. As perguntas podem nos tirar da nossa zona de conforto e isso incomoda a muitos. Além disso, suponho que as respostas às perguntas devem levar a ação, senão é só arrependimento, e os lamentos não são bons para mudar qualquer coisa.
Não é fácil fazer boas perguntas. Nós fomos treinados para dar respostas e não para fazer perguntas. O sistema educacional é mais reprodutivo do que produtivo e é algo que devemos começar a mudar de uma vez por todas. Claro, as perguntas certas são diferentes para cada pessoa, pois cada um tem circunstâncias específicas (pessoal, ambiente, formação etc.).
Ao se aceitar que as coisas sejam apenas objetivas e que têm um estágio definitivo, criam-se os álibis: “O problema é o que se ensina e como se ensina”; “Não. É a falta de condições de trabalho”; “Não, não. São esses alunos desinteressados e sem estrutura familiar”; “Quer saber? É culpa do governo”.
Não que nessa história não existam problemas! A diferença pode estar na escolha do que queremos ser: fantoches ou atores. Os fantoches vivem os personagens porque são manipulados para isso, são controlados pelos movimentos possíveis das linhas precisas. Os atores também assumem os papéis dos personagens, no entanto, estudam o espaço que vão ocupar na arena de atuação, como vão explorar o palco e seus recursos corporais etc.; mas, terão de lidar com o improviso e serão responsabilizados caso a história não saia tal como o desejado. Essa é uma decisão que implica a aceitação dos riscos de se viver uma experiência diferente do que já foi acertado.
Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | jan 14, 2018 | Blog
Desnoções & Algiberias
Ondjaki
para ser grilo
há que ter algibeiras
onde também caibam silêncios.
ser sorrateiro
espreitando entre dos fios de relva.
saber fazer uma teia invisível
onde o infinito se armadilhe.
encarar o universo com
demasiada intimidade
– a modos que quintal.
saber
que as estrelas encarecem
de carinho
e brilham para mais desanonimato;
sonetar com roncos de garganta
desminando rebentamentos no coração.
para ser grilo
há que ter desnoções
viver que
há só uma distanciaçãozinha
entre apalmilhar um quintal
e acomodar estrelas num abraço.
(Ondjaki. Há prendisajens com o xão (O segredo húmido da lesma e outras descoisas). Poesias. Editorial Caminho, 2002, 3a. ed.)
por João Wanderley Geraldi | jan 13, 2018 | Blog
Ao ler hoje a crônica de Ronaldo Cagiano sobre a morte de Nelly Novaes Coelho, e do estarrecedor desbaratamento de seu acervo bibliográfico, juntei-me à desolação e lembrei minha própria desolação.
Numa viagem a Vitória, a convite do Centro de Educação da UFES, fui ao prédio de Letras da universidade rever amigos. E descubro, feliz, uma homenagem que desconhecia: havia três salas do programa de pós-graduação com os nomes de Ingedore Koch, Sírio Possenti e outra em meu nome.
Tinha eu um acervo em minha antiga casa, de mais de 2.500 volumes. Resolvi doá-lo à UFES, e entrei em contato com os amigos, que através do programa de pós-graduação, enviaram-me “vales” de correio para postar 16 caixas de 30 quilos cada, contendo o acervo, constituído de:
- coleção de mais ou menos 800 dissertações e teses, todas com anotações de leitura e com as arguições feitas nas respectivas defesas;
- todas as revistas da área que assinei ou que recebi, algumas coleções completas até a data da doação, além de inúmeras revistas estrangeiras;
- alguns livros: sempre que saía a tradução de algum livro, passava a usá-la em minhas aulas para facilitar a vida de meus alunos, e guardava os originais neste acervo;
- parte da minha história de vida acadêmica, e de minha mulher Corinta Maria Grisolia Geraldi: tínhamos o hábito, desde o mestrado em meados dos anos 1970, de juntar as cópias de textos e organizá-las na forma de um volume por assunto, com índice dos textos que compunham a coletânea;
- alguns documentos, dentre os quais um muito estimado por mim: a transcrição revista pelos participantes, de todas as reuniões da comissão nacional sobre o ensino da língua portuguesa, nomeada em 1985, constituída por Antonio Houaiss, Celso Cunha, Abgar Renault (presidente), Fábio Lucas, Aurélio Buarque de Hollanda, Celso Luft, Magda Soares, Ítala Wanderley, Raimundo Jurandir e eu. Era um documento que permitiria alguma pesquisa, verificando as posições destes intelectuais sobre os temas tratados.
Obviamente este pequeno acervo não tinha o valor do acervo de Nelly Novaes Coelho! Mas sempre era um acervo de um professor universitário.
Pois voltei no ano passado à UFES, agora a convite da Associação Nacional de Alfabetização, para participar de seu primeiro Forum Nacional. Havia sido convidado a escrever um texto sobre minha arguição da tese de livre docência de Maria do Rosário Mortatti, para um volume em homenagem aos 20 anos da publicação da tese (Os Sentidos da Alfabetização). Fui procurar a tese para rever anotações, encontrar a arguição escrita que sempre guardei dentro dos trabalhos analisados.
Fui à biblioteca do programa, encontrei uma solícita funcionária que havia trabalhado no acervo transferido para a UFES. Na biblioteca não encontrei nada do que foi meu: nem livros, nem teses e dissertações, nem documentos, nada! Mas havia uma sala fechada, um depósito de material ainda não catalogado. Gentilmente fui acompanhado à sala: não encontramos nada.
Ao sair desta sala, um tanto desolado, encontro um colega e amigo, professor da UFES (Santinho) que me informou: o acervo havia sido descartado. Ele mesmo tinha levado alguma coisa para casa, e se prontificou em verificar se por acaso tinha a tese de livre docência que estava procurando. Se achasse, me enviaria!
Saí do campus da UFES desolado: uma parte de minha vida acadêmica havia sido descartada. Tudo será descartado um dia, sei disso. Mas imaginava que não veria o descarte em vida. Já havia resolvido desapegar-me eu mesmo, e vendi para a Universidade Estadual do Oeste do Paraná quase 3.000 volumes de minha biblioteca, incluindo obras raras do séc. XVIII e XIX. Pois não é que este acervo está num depósito, também ele, a que os estudantes não têm acesso!!! Acervo inútil, ainda que comprado com verba pública. Penso que as próximas formas de desapego devam ser diretamente a fogueira, tipo quem queima bruxas, porque livros podem ser tão perigosos ou mais do que bruxas.
por João Wanderley Geraldi | jan 12, 2018 | Blog
O túnel é sempre um caminho, no escuro sabendo que a luz chegará: sempre há luz no fim do túnel. Na escuridão em que estamos, não se vê luz. E o pior, dia 25 de janeiro querem destruir o túnel, talvez o caminho único para retornamos à democracia! Porque eleição sem Lula não é eleição, é farsa.
Infelizmente, não há luz. E não haverá caminho. E completando o que querem fazer, não haverá mais nem túnel: quando acordarmos, o país já foi vendido e eles estarão onde sempre quiseram estar: em Miami, os tipo Luciano Huck; em Paris, os tipo FHC; em Damasco, os tipo Bolsonaro; em algum convento medíocre os tipo Geraldo Alckmin. Os tipo Michel Temer, Eliseu Quadrilha e Moreira Franco, tendo já prestado seus serviços, acomapanharão Eduardo Cunha, sob as garras do funcionário do Departamento de Estado e da CIA, o Doutor Angélico, aquele da indústria das delações facilitadas a troco de algum troco, ops! desculpem, não é troco, é denúncia a Lula o que o compra. Não importa que seja denúncia falsa, que em sua vara até reportagem de jornal vira prova.
por João Wanderley Geraldi | jan 11, 2018 | Blog
Certamente existem aqueles que não tiveram, não têm e nunca terão problemas com as telefônicas que nos des-atendem no Brasil. Principalmente aqueles que venderam o sistema: estão tão ricos que sequer tomam conhecimento do que custa a telefonia para um brasileiro que sobrevive na conjuntura da exploração a que está submetido desde as privatarias.
Antes tínhamos problemas porque as estatais não conseguiam atender a todos, por falta de investimento público em suas empresas: era difícil conseguir um telefone fixo, os cabeamentos precisavam de investimento para aumentar a rede. Em lugar de fazer isso, as arrecadações que as empresas estatais obtinham se perdiam nos escaninhos públicos.
Veio a privatização. Com elogios tantos: chegaríamos ao paraíso! Trariam tecnologia nova (mentira deslavada, a Telefónica espanhola, por exemplo, somente conseguiu estabelecer na Espanha conexão entre os telefones móveis e fixos depois de comprar a CRT (RS): levou a tecnologia desenvolvida aqui para lá). Os custos para o consumidor seriam reduzidos, etc. etc.
Pois não é que em vez de vivermos no paraíso das comunicações, estamos é no inferno. A grande maioria dos brasileiros tem ou teve alguma pendenga com alguma Cia. Telefônica, tenha ela o nome que tiver. Ou por falta de cobertura, ou por constantes interrupções nos serviços (os telefones, de repente, ficam mudos; a internet desaparece). E para além do péssimos serviço, sempre aparecem nas contas algum penduricalho que você não pediu, não contratou e tem uma dificuldade imensa para cancelar!!! Inventam linhas, principalmente de transmissão de dados, usando as informações cadastrais de seus clientes, assim, sem mais nem menos! Estamos numa pendenga com a Vivo porque temos uma linha de transmissão de dados em Porto Alegre, cidade em que nunca residimos!!! E mesmo apelando ao Procon, estamos com dificuldade para cancelar esta maldita linha de algo que nunca usamos na vida.
As cobranças indevidas são constantes. Tão constantes que as telefônicas são as campeãs de queixas no Procon. Qualquer agência de proteção ao consumidor sabe disso. Mas para isso não existe Ministério Público. Nem Receita Federal: quem não recebeu, em torno das 23 horas, em seu celular uma campanha publicitária, lhe dando de graça 100 ligações até a meia noite? Ninguém usa, mas é muito provável que a despesa é lançada como tal na contabilidade, reduzindo o imposto de renda destas empresas. Terá algum auditor da receita dado uma olhada nisso? Não, é mais fácil ficar multando aqueles que pagam imposto de renda sobre os salários…
Este é o paraíso que nos ofereceu e oferece a privataria: serviços péssimos; o telefone mais caro do mundo, seja fixo, seja móvel; a internet mais cara do mundo; e a descarada ladroagem nas contas!
Agora dá para entender a profundidade da afirmação do então ministro das Comunicações, o Sr. Mendonça de Barros, ex-professor universitário, que saiu do governo tão amealhado que criou uma empresa de fundos de investimentos. E ele disse então, quando o governo protegeu Daniel Dantas na privataria das comunicações: “estamos no limite da responsabilidade”. O limite era este: a entrega dos brasileiros à sanha de empresas prestam maus serviços, cobram caríssimo e de quando em vez inventam contas para você pagar. Claro, o Sr. Mendonça de Barros nem sabe que contas telefônicas paga, pois quem tem muito não dá bola para “mixarias”, aquele dinheirinho que faz falta a 90% dos brasileiros, apesar de nosso atual ministro da fazenda achar que dez reais não faltarão para os que vivem do salário mínimo!
Privataria é isso: quem não lembra do apagão que nos fez aprender a economizar energia, mas que depois tivemos que repor em dinheiro puro, na forma de fundo, para compensar as distribuidoras de energia que tiveram “lucros cessantes”, lucros que na venda do patrimônio público foram garantidos pelo governo FHC para que o capitalismo não fosse de risco?
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