por Cristina Batista de Araújo | jan 22, 2018 | Blog
Por algum tempo, fomos levados a pensar que, com nossa atuação como professores, estávamos preparando gerações que teriam necessariamente um futuro melhor do que o nosso. Mas, diferentemente disso, não podemos assegurar-lhes muita coisa, muito menos as vislumbradas promessas de “ser alguém na vida”: com uma profissão definida, um emprego permanente ou a estabilidade econômica. Também não podemos assegurar que “pessoas estudadas” se tornarão conscientes em relação ao meio ambiente, à aceitação das diferenças ou a qualquer outro tema. Não. Não podemos assegurar coisa alguma.
Vivemos no período da maior quantidade de informações na história, mas também no período em que as incertezas parecem mais evidentes. Durante muito tempo, quando uma criança era educada, acreditava-se em um conhecimento confiável, seguro e duradouro, em que não havia possibilidade de erro porque se ensinava com a convicção de que o que se aprendia era para toda a vida. Essa falsa impressão deu aos professores uma grande autoridade social e lhes permitiu exercer seu trabalho com certa segurança e tranqüilidade, reforçando, assim, alguns mitos em torno de sua profissão. O problema é que, embora não haja certezas, ainda se pensa a educação e suas políticas pedagógicas em termos universalizantes, que buscam tornar comum – nacionalmente comum – projetos escolares para um mundo que não existe simples, certa e unicamente.
Todavia, a incerteza incomoda e, por isso, facilmente apelamos para narrativas que produzem segurança, como mitos, religiões, sabedorias e, também, ciência. Isso é tão forte que podemos também negociar e vender certezas, como fazem os horóscopos, a literatura de autoajuda, os manuais normativos, as diretrizes curriculares etc.. Mesmo sendo inacreditável que se possa oferecer e comprar tais coisas, a criatividade só é possível em ambiente de incerteza. O medo do incerto inviabiliza a percepção de que a probabilidade de se criar está mais vinculada a quem corre riscos, confronta-se com a incerteza, aposta no desconhecido e sabe desfazer o que já fez.
A aprendizagem vive de mudar-se permanentemente, tomando como ponto de partida o de chegada, e todos como passagens. Propriamente, não parte e não chega, porque não mora em lugar algum. Aprendizagem é o caminho. É preciso admitir a incompletude como meio para manter-se aberto e poder propiciar o avanço. É preciso pensar a ausência de certezas não como algo imobilizante, mas como antídoto contra o autoritarismo, contra projetos que se afirmam como únicos e que propõem soluções supostamente salvadoras a qualquer preço.
A ausência de certeza pode ser a base de uma política por meio da qual nos responsabilizamos pelo trabalho que fazemos. Somos responsáveis pela formação que produzimos, mesmo limitados, discursivamente subjetivados e incertos em relações de poder difuso; mas ainda assim, responsáveis. E se não há garantias e certezas em relação ao que fazer, o que se nos abre é a política como ação contextual cotidiana pois, à medida em que nos comprometemos tomamos decisão que não são ditadas por uma consciência ou racionalidade a priori, mas partem de um determinado contexto que nos subjetiva e interpela de alguma maneira. É isso que nos permite permanecer em ação: sermos levados em todo o tempo a pensar com o que estamos nos comprometendo. Não para um futuro, não para um ideal, não para uma formação universal a ser alcançada para atender ao mercado, mas para o presente, para o hoje, para cada conversa, em cada texto, em cada trabalho realizado.
Não há descanso, não há fim na ação política e não há garantias no que vai resultar. O que haverá são possibilidades abertas e imprevistas. Por isso, a mudança política do mundo permanece em pauta.
Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | jan 20, 2018 | Blog
Na semana passada, desolado com o que estava acontecendo com a biblioteca de Nelly Novaes Coelho, lamentei aqui o descarte de um acervo que havia doado ao programa de pós-graduação da área, da UFES.
Tomei a providência de encaminhar o texto aqui publicado para o Prof. Dr. Luciano Vidon, com quem foi negociada a doação, e às Profas. Dras. Cláudia Gontijo e Cleonara Shwartz, que haviam acompanhado minha procura do acervo.
Foi com base na informação que recebi, quando no campus de Vitória, do colega Santinho, que escrevi sobre o descarte deste acervo. Afinal, eu procurava então uma tese de livre docência de Maria do Rosário Mortatti, para escrever um artigo que acabei não escrevendo. Na oportunidade, levado à sala de depósito, nada encontramos, mesmo estando eu acompanhado de uma funcionária da biblioteca, aliás, aquela que muitos anos foi a responsável pelo acervo e a quem devo agradecimentos.
O Prof. Luciano Vidon começou a procurar o acervo. E me mandou a seguinte mensagem, acompanhada de algumas fotos de caixas em que está acondicionado a acervo:
Luciano Vidon <pfvidon@gmail.com>;
Para:Joao W. Geraldi,Cleonara Schwartz,clammg@terra.com.br
18 de jan às 13:33
Caro prof. Wanderley, caras prof as. Cleonara e Cláudia,
Como eu havia dito, com base na palavra do bibliotecário Saulo, o material não foi descartado, como mostram também as fotos em anexo.
Segundo Saulo, o material começou a ser devidamente arquivado, conforme mostram as caixas amarelas, mas com a mudança da biblioteca e outras demandas esse trabalhou parou. Ele seria retomado com a alocação do material na nova biblioteca, como ele havia me falado há uns 2 anos, mas chegaram a conclusão que o espaço da nova biblioteca, que não é apenas da Letras, agora, mas de todos os programas de pós do Cohn, não comportaria o acervo, e, por isso, ele estava em stand by numa sala do ic2.
Como mostram as 3 primeiras fotos, estou transferindo todo o material para a sala do gebakh, meu grupo de pesquisa. Assim, fica mais fácil, para meus orientados e de outros pesquisadores que se interessarem a consulta por esse material. Formalizarei, junto ao meu departamento e ao centro, a realocação do acervo na sala do gebakh, deixando, claro, à disposição de quem quiser pesquisa-lo. Já poderia ou deveria ter feito isso, mas acreditava que o acervo voltaria a ficar na biblioteca setorial, o que parece estar mais difícil.
De todo modo, o importante é o reencontro do material, a festa de sua ressignificacao, como diria Bakhtin, o seu renascer para uma memória de futuro como ele muito merece.
Por fim, sobre as dissertação e tese da prrofa. Maria do Rosário, o Saulo ainda não conseguiu encontrá-las, porque, segundo ele, uma parte do material deveria e sereia doado ao centro de educação, mas parace que, por questões administrativas e burrocraticas, isso não aconteceu, e essa parte do material estaria em outra sala, que será acessada por ele nos próximos dias. Portanto, só poderei dar um feedback sobre ele após o retorno do Saulo.
Bom, é isso, estou claro mais aliviado agora, apesar de nunca ter aceitado a versão do Santinho, que foi muito irresponsável, na minha humilde opinião.
Grande abraço, fico à disposição para as eventuais duvidas.
Luciano
Fico feliz em saber que o acervo não foi descartado, como me informou o colega. E fico feliz que, graças a este imbróglio, ele foi localizado e vai agora diretamente para a sala de um grupo de pesquisa. Espero que se torne útil aos novos pesquisadores em formação.
por João Wanderley Geraldi | jan 20, 2018 | Blog
A gaúcha Ana Mariano nos expõe, neste romance, diante do correr da vida numa estância do sul. Na geografia do romance, situada no município de São Borja, precisamente a cidade em que a autora viveu sua infância. Mas não importa se há algo de autobiográfico, porque todo romance é ficção entrelaçada com aportes do mundo real, e partes deste podem ter sido vividos pelo autor ou personagens da vida do autor. Pouco importa, já que a literatura criando um mundo não real nos auxilia a compreender o real.
A trama de Atado de Ervas tem um tema: a terra e a propriedade da terra, onde a vida campeira na criação do gado acontece. Nela, estancieiro e peões trabalham ombro a ombro, confundindo-se no vestir e nos hábitos. Tomam juntos o chimarrão, quando estão no galpão, no inverno em torno do fogo, ainda que o peão não seja convidado para a sala de visitas, que o próprio dono só frequenta quando recebe alguém.
É deste entrelaçamento que atravessa as classes sociais sem, contudo, diminuir suas distâncias próprias entre o patrão e o empregado do campo que se beneficia esta romance tão complexo quanto é a vida no campo, cuja rotina esconde liames e sentimentos, verdades e boatos, desejos e desesperos.
Vamos à história, construída em muitos capítulos quase sempre bastante curtos e frequentemente separados por uma espécie de fac-símile que exporia as anotações da Estância Santa Rita ou da Estância do Conde na agenda “Memorial Riograndense da Livraria do Globo”. Estas páginas escritas pelo capataz (como se pede deduzir da anotação no dia 25.05.36: Hoje escrevo por conta do seu Arthur que tirou uns dias…) ou à mão feminina de Dona Luzia e depois continuada provavelmente por Leocádia, até que esta vai viver em Santa Maria, e que continuam a aparecer sem que sua autoria seja explicitada (Ignácio? O novo capataz?) e que seguramente será assumida pela bisneta Antônia, dão o tom da vida “oficial”, cotidiana, notável e narrável. O efeito destas anotações dá ao romance, como um todo, um tom documental, um efeito de verdade. Vamos a uma página:
MEMORIAL RIOGRANDENSE DA LIVRARIA DO GLOBO
ESTÂNCIA SANTA RITA
25 DE OUTUBRO DE 1930
Sábado
Soltou-se a tropa de vacas no Fundo. Contou-se 241. Marcados
dois terneiros. Foram soltos no Alto e Capiá. Soltou-se 89 bois na
invernada do Piauhy.
Não foi encontrada a égua tordilha que teria cruzado a cerca para
Água Bonita. Seu Américo ficou de procurar.
Chegaram duas carretas trazendo o sal comprado do Rebés. Não recebi
por não ser Sal Mossoró conforme o contrato.
Tratado com Alice as colchas e cortinas novas 40$000 rs dos quais
Adiantou 20$000rs
– REVOLUÇÃO
Foi deposto no Rio de Janeiro o presidente da República.
Triunphou, pois, o Rio Grande. Espero que também o Brasil!
Carneado um capão para consumo da Fazenda.
O tempo do romance vai de 1928 a 1963. Inicia-se com a anotação de 1963, data em que manda o terceiro herdeiro, Dr. Ignácio. São reflexões de sua mulher, a carioca Dona Leonor, trazida do Rio diretamente para a estância no interior de São Borja, sem água encanada e sem energia elétrica. Logo, o romance toma uma direção cronológica, começando com “os de antes”, já com a viúva Dona Luzia, mas lembrando pelo retrato da ancestral Dona Manoela, os ainda mais anteriores, como se a Fazenda se perdesse nos antigamente e jamais não tivesse existido, como se as cercas postas um dia sempre estivessem lá separando propriedades… Este o efeito de sentido no romance e na vida: a propriedade vem desde sempre com a família dos herdeiros.
Da primeira geração de personagens do romance, é a figura de D. Luzia que dominará o período, até sua morte em 22.11.1929, como anotação no Memorial… Teve uma filha, Clara, que se tornou urbana e se casou com o Dr. José, médico, que passou a gerir a fazenda em conjunto com a sogra e depois sozinho. Em sua gestão, conseguiu ampliar os campos recomprando terras que haviam sido vendidas pelos tios de Clara. Clara morre cedo, deixando três filhos: Matheus, Ignácio e Leocádia. Esta, aparentemente, com algum problema de saúde mental, depois da morte da mãe, é “internada” na estância aos cuidados da avó e mais tarde irá estudar interna em colégio de freiras.
Matheus teve vida curta: o preferido do pai, pretendia seguir-lhe a carreira fazendo medicina, mas moço solteiro e rico, age como tal: frívolo, festeiro, inventa cursos de especialização para suspender sua matrícula no curso de medicina, vai para o Rio, apaixona-se por carros de corrida e com um destes carros acidenta-se e morre. Ignácio faz agronomia e será efetivamente o herdeiro da estância, a que traz melhorias: a banheira, a vacina, melhoria do plantel com compras de matrizes do Uruguai e do Texas, onde conseguiu fazer uma especialização apesar da oposição do pai.
O médico e estancieiro José, para além de administrar de longe da fazenda, tem nela sua amante: Guilhermina, personagem que perpassará todas as gerações do romance. Curandeira, benzedeira, conhecedora das ervas, casada mas amante do Dr. José com quem se encontra numa casa perto do riacho em que lava roupa para a sede da fazenda, a “casa grande” do Rio Grande do Sul. Com o Dr. José teve um filho: Joaquim, que lhe herdou o temperamento e agressividade e que se apaixonará por mulher casada e será assassinado.
Guilhermina não aceita o golpe e nutre sua vingança, um prato que se come frio… Quando consultada pela mulher do suposto mandante, o major Celestino, prepara-lhe um “atado de ervas” que lhe apressa com vagar a morte. Vem daí o título do romance Atado de Ervas que terá sua reprise, agora não por vingança, mas por generosidade, para apressar a morte sem dor de amante que portava doença incurável (câncer? tumor?). Há, pois, dois atados, um ditado pelo ódio e vingança, outro ditado pelo amor e pela generosidade. Esta dicotomia dos atados repete as dicotomias que atravessam o romance: o patrão/os peões; a sede/o galpão; o terreiro/o interior da casa; os proprietários/os sem terra, que trabalham a terra mais não chegam a ser seus donos; os estancieiros que se atualizam/os que permanecem com os métodos tradicionais e acabam tendo que vender os campos.
O interessante neste jogo das dicotomias são os entrelaçamentos, os limites às vezes fluidos, às vezes extremamente marcados. Na lida do campo, por exemplo, patrão e peões trabalham ombro a ombro; a patroa não só determina as coisas de casa, participa da vida da casa em todos os seus pormenores e convive com as mulheres que lhe servem; o amor de casamento se dá entre membros da mesma classe, mas o amor real é vivido atravessando as fronteiras de classe (com o Dr. José e Guilhermina, mas não entre Ignácio e Beatriz, a filha do fazendeiro falido).
Ignácio e D. Leonor têm dois filhos: José Menezes Neto (que herda o nome do avô e a quem o pai destinaria a condução da estância, chegado seu momento) e Antônia, a filha que o pai queria ver advogada, a mãe a queria no curso de Letras e ela própria escolhe fazer agronomia, porque o futuro que deseja é assumir a condução da fazenda, porque por temperamento não conseguiria viver na cidade, como seu irmão, que ao final do romance ainda cursa Medicina (seguindo o avô!).
O toque fora de mão da concentração da propriedade das terras foi dado por Dona Luzia, que deixou testamento: deu terras a empregados; determinou a construção de uma vila em suas terras, vendendo terrenos a preços baixos. Tornou peões proprietários. Respondeu com antecedência aos tempos: os rumores “comunistas” já haviam chegado aos pampas nos anos 1930… No fundo, Dona Luzia se antecipava, entregando anéis para não perder dedos. E os outros estancieiros, tomando-a por maluca, diziam que muito rapidamente as terras voltariam aos “verdadeiros” donos. Realmente, o Dr. José recomprou terras, mas no romance tudo indica que fez isso comprando de estancieiros que iam mal de negócios, e comprando para recompor os horizontes da velha e antiga fazenda… Um gesto bastante comum entre herdeiros de estâncias, que sempre querem fazer voltar os limites àqueles que existiram antes das repartições de heranças…
Chegados os anos 1960, o movimento da legalidade, os comícios de Brizola, o governo de Jango, estancieiro e lindeiro da Santa Rita, a ebulição social está na boca de todos. Filhos de fazendeiros falidos ou filhos de peões já não se conformam com a vida ritmada do campo: tornam-se urbanos, abraçam novas ideias. As reformas de base, apregoadas pelo governo Jango, não são bem vindas entre fazendeiros, mas estes também reconhecem que o mundo muda (o modelo soviético está no horizonte, e com ele o medo de uma revolução socialista). Esta nova dicotomia política aparecerá e será explorada no romance, nas nuances que acabou tendo na política brasileira. Particularmente uma personagem marcará a existência da esquerda: Tiago, um dos filhos do estancieiro Balbino que, produzindo sem se modernizar, irá à falência.
Os filhos do Dr. Ignácio e D. Leonor estão na cidade, estudando. A narrativa se encerra com a viagem de trem para as férias na fazenda. Enquanto Neto sai da cabine para o vagão-restaurante, Antônia reflete sobre seu futuro: como dizer aos pais que fará agronomia? E seus desejos: cuidar da estância, comprar mais terras (sempre mais) e sem qualquer vergonha de se fazer mais rica.
No entanto, a última conversa no trem, em que se encontram Tiago e seu amigo Carlos (gente do Brizola e da esquerda) com Neto, não deixa dúvidas sobre o caminho que “deveria” ser seguido. Enquanto os três amigos discutem numa mesa do vagão-restaurante, tomando cerveja, um homem sentado em outra mesa e não reconhecido por Neto (nem pelo este leitor), ouvindo a conversa e as conciliações que Neto propunha, reflete (e este é o final do último parágrafo do livro):
Não é que o guri saiu parecido com a bisavó? Parece que estou ouvindo a dona Luzia falar. Essa piazada pensa que inventa a vida, mas a vida é velha, fica repetindo as mesmas histórias até fechar o livro…
Fecha-se, pois, o livro com esta mensagem de que a história é repetição do passado… e, por isso mesmo, elegem-se a imutabilidade e a permanência das mesmas dicotomias que transitam pela narrativa: patrões e peões; latifundiários e sem terra. E sempre uns trabalhando com outros, ombro a ombro, mas sempre distanciados pela desigualdade que os configura: a propriedade da terra, o apego à terra, a grande personagem deste excelente romance.
Referência. Mariano, Ana. Atado de ervas. Porto Alegre : L&PM, 2ª. ed., 2011.
por João Wanderley Geraldi | jan 19, 2018 | Blog
Nota prévia
Inicialmente, as ideias aqui expostas foram a base de uma palestra no V Seminário Integrado de Língua e Literatura, realizado em Porto Alegre em outubro de 1989. Escrito logo a seguir, este texto teve duas publicações praticamente simultâneas: na revista Contexto & Educação (n. 16, out/dezembro de 1989) e Letras de Hoje (vo. 25, n. 1, março de 1990). Depois foi expandido em minha tese de doutorado, parte da qual foi publicada (Portos de Passagem, SP: Martins Fontes, 1991). Há muito tempo vinha criticando não os livros didáticos em si (participei da equipe de pesquisadores que elaborou, a pedido do INEP, o livro “O que sabemos sobre o livro didático – Catálogo analítico” (Editora da Unicamp, 1989), mas a adoção do livro didático de uma forma tal que os professores deixaram de ministrar suas aulas para se tornarem apenas seguidores destes livros, tendo em mãos o “exemplar do professor” com todas as respostas já dadas. Nesta época também recebi um convite de uma editora nacional para escrever um livro didático na área, com a recomendação explícita de que deveria ser um livro para uso de um professor de baixa cultura e poucos conhecimentos, para alunos desinteressados e quase imbecis! Obviamente, recusei o convite! E mais razão ainda para continuar uma luta contra a adoção dos livros que conduzem a escolaridade brasileira. Do meu ponto de vista, não se trata de melhorar o livro didático em si. Trata-se de os professores recuperarem o direito de ministrar aulas de sua autoria. Nos debates, um dos argumentos mais usados era o de que o livro didático era o único material a que professores tinham acesso e seria para muitos o único livro que teriam na vida. Até hoje continuo defendendo que as más condições de trabalhos e as péssimas condições de acesso aos bens culturais não deve ser justificativa para eternizar uma solução que aprofunda estas mesmas condições, pois a presença material do LD dispensa professores – e alunos – de lutarem por bibliotecas e por melhores condições de estudo (de ambos). Mais de uma década depois, o PNLD torna a adoção deste material uma “política de estado” como defenderam equipes que o analisavam buscando sua melhoria… e eternamente buscarão! Hoje sabem também eles: o catálogo que elaboram, sendo indicativo, continuará a permitir que livros considerados de péssima qualidade continuem nas salas de aula… e os professores cada vez mais dependentes, de modo que tanto a formação inicial quanto a continuada se tornam praticamente dispensáveis.
O texto: um problema para o exercício da capatazia
Não é para entender que nós pensamos é para sermos perdoados. (Adélia Prado. Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa)
Nas reflexões do náufrago Robinson Crusoé, na versão de Michel Tournier, poderíamos encontrar um parâmetro inaugural que permitiria iniciar esta conversa sobre o problema da avaliação de textos,q uer do ponto de vista da leitura, quer do ponto de vista da produção:
Sei agora que todos os homens trazem em si – e, dir-se-ia, acima de si – uma frágil e complexa montagem de hábitos, respostas, reflexos, mecanismos, preocupações, sonhos e implicações, que se formou, e vai-se transformando no permanente contato com os seus semelhantes. Privada de seiva, esta delicada florescência definha e desfaz-se. O próximo, coluna vertebral do meu universo… Todos os dias meço quanto lhe devia, ao verificar novas fendas no meu edifício pessoal. Sei o quanto me arriscaria perdendo o uso da palavra, e combato com todo o ardor da minha angústia essa decadência suprema. As minhas relações com as coisas, porém, encontram-se, também elas, desnaturadas pela minha solidão. Quando um pintor ou um gravador introduz personagens numa paisagem ou na proximidade de um monumento, não é por gosto do acessório. As personagens dão a medida e, o que é ainda mais importante, constituem pontos de vista possíveis que, ao ponto de vista real do observador, acrescentam indispensáveis virtualidades.
O outro como medida. E avaliação é presença do outro. Discutir o trabalho de avaliação que se faz na escola exige considerar esta perspectiva, já que o professor, enquanto outro que testemunha leituras do aluno que lê outro, o autor, ou enquanto outro-leitor que lê o aluno-leitor, enfeixa na avaliação perspectivas de diferentes vozes e, neste feixe, sua voz não é simplesmente de quem junta perspectivas sem lhe dar um sentido. É a construção deste sentido o tema que nos ocupará. Porque antecede e funda o trabalho de avaliação. Gostaria de ver emergir o tema vendo-o a partir de dois eixos: o da identidade social do ser professor e o da especificidade do trabalho com textos.
- A questão da constituição social da identidade do professor
Creio que a relevância do problema da avaliação no trabalho do professor de linguagem é hoje crucial porque nele se revela, sem qualquer retoque, uma contradição essencial entre a identidade de ser professor, social e historicamente constituída, e a especificidade do trabalho com textos.
Ainda que divisão grosseira, pode se distinguir três grandes momentos históricos definidores ou caracterizadores da profissão. Evidentemente, estes três momentos não são pontuais, datados, sem interconexões entre si. Estreitamente relacionados à formação social em que emergem, valem como pontos de referência, já que em cada um deles uma qualidade diferente se constitui.
- 1. Nos tempos das escolas de sábios
Inicialmente, o magistério não existiu como profissão, mas como ‘escola’. Um sábio, enquanto produtor de um saber, de uma reflexão, fala sobre este saber não a alunos, mas a discípulos, a seguidores. O outro não é visto como alguém a ser instruído, mas como alguém a ser conquistado para os pontos de vista defendidos pela ‘escola’. Sócrates, Platão, Aristóteles ou Galileu são produtores de saber cujos discípulos são interlocutores aliados, mesmo quando se trata de contrapor-se aos sofistas ou à inquisição. Mesmo na história da igreja talvez seja possível detectar na criação de conventos ou ordens religiosas uma base inicial na liderança intelectual de um pensador. O que identifica este tempo é a produção do saber. Entre aquele que ensina e aquele que produz conhecimento não há uma separação radical. Quem ensinava gramática era também gramático. Não havia diferença entre o filósofo e o professor de filosofia; entre o físico e o professor de física.
- 2. A primeira divisão social do trabalho
E a primeira alienação. Já nos primórdios do mercantilismo se dá uma divisão fundamental, com o surgimento de uma nova identidade: o mestre já não se constitui pelo saber que produz, mas por saber um saber produzido que ele transmite. Neste sentido, é instrutivo ler, na defesa que faz Cominus (1630) de seu método perfeito de ensinar:
… serão hábeis para ensinar mesmo aqueles a quem a natureza não dotou de muita habilidade para ensinar, pois a missão de cada um não é tanto tirar da própria mente o que deve ensinar, como sobretudo comunicar e infundir na juventude uma erudição já preparada e com instrumentos também já preparados, colocados nas suas mãos. Com efeito, assim como qualquer organista executa qualquer sinfonia, olhando para a partitura a qual talvez ele não fosse capaz de compor nem de executar de cor só com a voz ou com o órgão, assim também porque é que não há o professor de ensinar na escola todas as coisas, se tudo aquilo que deverá ensinar e, bem assim, os modos como o há de ensinar, o tem escrito como que em partituras?
De produtores a transmissores: uma nova identidade; do outro lado do fio, também uma outra identidade: de discípulos a alunos. Como vai se caracterizar agora este profissional/professor? De um lado, que poderíamos chamar de eixo “epistemológico”, o professor se constituirá socialmente como o sujeito que domina um certo saber (de que não é produtor). Em sua área de especialidade se coloca de imediata a questão de estar sempre atualizado em relação às últimas descobertas (o que ironicamente sempre significa estar desatualizado porque está sempre a se atualizar). Sua competência se medirá pelo seu acompanhamento, atualização, dos conhecimentos produzidos. Mas não só. Há os que sabem mas não sabem transmitir: o outro lado, que poderíamos chamar de “eixo das necessidades didático-pedagógicas” coloca os problemas de transmissão desse saber. Seu trabalho ou tarefa será de constituir, com base nestes dois eixos, o conteúdo de ensino. Ou seja, o resultado do trabalho científico (que o professor competente deve conhecer enquanto resultado sem que se lhe exija conhecer as razões de ser da pesquisa e de seus resultados) transforma-se em conteúdo de ensino face à imagem que faz o professor das dificuldades de compreensão que poderão ter seus alunos. Entre o produto da pesquisa e o conteúdo de ensino vai uma distância enorme: gradação, seriação, motivação, modos de ensinar etc. são alguns dos instrumentos com que se constrói tal diferença. E este trabalho, evidentemente, produz suas marcas no objeto transmitido. Entre a gramática de uma língua, no sentido de produto de pesquisa do gramático, e a gramática pedagógica vai enorme distância. O trabalho social do professor é o do articulador dos eixos epistemológico e das necessidades didático-pedagógicas. Mas há uma característica, em relação ao saber, que identifica de forma qualitativamente diferente o professor: trata-se de transmitir um saber já produzido. E do processo de produção deste saber não participam nem o professor nem o aluno. Entre o filósofo e o professor de filosofia, entre o físico e o professor de física, estabelece-se a diferença. Divide-se o trabalho. Na aprendizagem, não se trata de trabalhar com dados ou fatos para, refletindo sobre estes, produzir uma explicação. Trata-se de fazer exercícios para chegar a respostas que o saber já produzido havia previamente fornecido.
- 3. Os tempos mudaram
E como. O desenvolvimento tecnológico alterou profundamente as condições de produção de bens e com estas alterações novas divisões do trabalho. Na produção científica, mudam-se as relações. É instrutivo atentar para o fato de que hoje não se fala mais em “sábios” ou em “cientistas”, mas em pesquisadores (esta mudança de denominação não refletiria também uma mudança qualitativa nas relações de produção: emprego, salário, etc.?). A reflexão e a produção de conhecimento subordinam-se a relações de interesse e também a condições de infraestrutura técnica (como mostra Habermas). No que concerne ao tema desta exposição, a nova configuração introduz na área toda a produção de material didático posto à disposição do trabalho de transmissão. Trata-se de uma “parafernália didática” que vai do livro didático (para o professor, com respostas dadas) até vídeos destinados ao ensino de determinados tópicos dos conteúdos programáticos. Em relação ao trabalho do professor, a profecia de Comenius se concretiza: “tudo aquilo que deverá ensinar e, bem assim, os modos como o há de ensinar, o tem escrito como em partituras”.
Se na etapa anterior era de responsabilidade do professor articular os eixos “epistemológico” e “das necessidades didático-pedagógicas”, no mundo tecnologizado muda qualitativamente o papel do professor. A organização do conteúdo e a definição de modos de transmissão deste conteúdo passaram a ser responsabilidade do autor do livro didático. Do álbum seriado, das tecnologias diversas de ensino, dos vídeos, etc. Escolhido o material com que se trabalhará na sala de aula, ao professor cabe agora uma certa função de ‘capatazia’: o controle do tempo de contato do aprendiz com o material previamente selecionado, a definição do tempo de exercício e de sua quantidade; a correção do exercício; a verificação de aprendizagem (isto é, se as respostas dadas pelos aprendizes correspondem às respostas dadas previamente pelo elaborador do instrumento de verificação).
A tecnologia, que permitiu e permite a produção de material didático cada vez mais sofisticado, mudou as condições de trabalho do professor. O material está aí: facilitou a tarefa, diminuiu a responsabilidade pela definição do conteúdo de ensino, preparou tudo – até as respostas para o manual ou guia do professor. E permitiu: elevar o número de horas-aula (com as tarefas do tempo anterior seria impossível a um mesmo sujeito dar 40 ou 60 horas de aula, em diferentes níveis de ensino); diminuir a remuneração (o trabalho do professor aproxima-se, em termos técnicos, cada vez mais do trabalho manual, não que este deva ser mal pago, mas na sociedade em que vivemos, o trabalho intelectual sempre foi mais valorizado); contratar professores independentemente de sua formação ou capacidade (sabe-se quantos professores “leigos” estão nas redes de ensino ou, o que é pior, com formação pra uma área e atuando em outra). Some-se tudo e temos ao menos uma pista para compreender o “desprestígio” social da profissão.
É claro que, apesar de tudo, o professor e os alunos não rezam somente segundo a letra da cartilha que os adota (o material didático, em geral, uma vez selecionado, adota professores e alunos). Há nas salas de aula válvulas de escape de um tal projeto: muitas perguntas, do aluno e do professor, fogem do previsto. A existência de tais fatos não é suficiente para descaracterizar a identidade do projeto contemporâneo, que se poderia denominar de “exercício da capatazia”. Tais fatos apenas nos mostram pistas para um trabalho de resistência possível.
Em resumo, podemos caracterizar três diferentes identidades ou papeis para o professor, em diferentes épocas: (a) a produção de conhecimentos; (b) a transmissão de conhecimentos; (c) o controle da aprendizagem. O fim de um projeto (ou época) e o início de outro não é pontual. Estas diferentes identidades entrecruzam-se, em cada época, uma delas sendo a de maior relevo.
- A especificidade do trabalho com textos
O trabalho com linguagem, na escola, vem-se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer enquanto objeto de leituras, quer enquanto resultado de um trabalho de produção. Parece-me que nem sempre o ensino de língua se caracterizou por tal presença (2). Independentemente das críticas que possamos tecer ao trabalho mais contemporâneo no ensino da língua, a preocupação com textos é inegável.
A presença do texto na sala de aula começa a ser, hoje, um complicador para o exercício da capatazia. Isto porque o próprio objeto de ensino atual é visto de diferentes formas: numa primeira perspectiva, o texto é tomado como um produto pronto, acabado, com mensagem explícita. Ler um texto é “extrair sua mensagem”. E ela é uma só. Ler bem um texto é interpretá-lo no figurino de leituras feitas por outros (professor, autor de livro didático, crítico). E o que não é pertinente fica fora. Leituras privilegiadas passam por a única leitura possível, nenhum problema para o exercício da capatazia.
Mas há outra perspectiva: uma nova categoria passa a ser considerada. O leitor, sua história, suas construções de sentido, no momento da leitura, situação, contexto, etc. passam a ser “o sentido desta leitura”. A natureza polissêmica do texto não é mais atribuída apenas ao texto, mas às leituras dos diferentes leitores. Para certas posições mais radicais, o texto quase desaparece. Emergem as leituras dos leitores. Na vulgarização escolar, “toda leitura passa a valer”; “é a minha leitura”; “é a minha interpretação”. Obviamente, na teoria, não é isso que se defende. A vantagem desta perspectiva é ter trazido à baila ou à luz do dia o leitor e as situações de leitura. Nesta perspectiva, o exercício da capatazia torna-se impossível. A solução “tecnológica” dos livros didáticos são os exercícios de “leitura e interpretação de textos” que ficam na superfície. Pergunta-se o que se pode transcrever do próprio texto. E o aluno, antes de ler o texto, lê as perguntas para já ir preenchendo os espaços dos exercícios. São trabalhos com texto que deixam insatisfeitos professores e alunos.
Há ainda uma terceira perspectiva. O autor de um texto opera com a linguagem que não é só dele. Por isso, pertencente a uma mesma comunidade interpretativa, pode calcular as leituras possíveis dos leitores virtuais de seu texto. Escrever, neste sentido, é fornecer pistas ou instruções de leitura. Ler é buscar, através das pistas fornecidas, o sentido ou os sentidos que o autor pretendeu comunicar. Nem sempre, evidentemente, o sentido produzido pela leitura corresponde pari passu ao sentido que o autor gostaria de ter transmitido. E isto não é problema. Na linguagem, encontram-se sujeitos. Na construção dos sentidos, os sujeitos se constituem. Agora, já não se trata de classificar uma leitura de adequada ou in adequada, pura e simplesmente (o que seria “natural” na primeira perspectiva). Também não se trata de dizer que o sentido do texto é aquele que esta leitura lhe deu, valendo qualquer leitura (o que seria “natural” na segunda perspectiva). Trata-se agora de reconstruir, face a uma leitura e um texto, a caminhada interpretativa do leitor. Ou seja, o sentido atribuído a um texto ou construído na leitura não pode ser simplesmente desconsiderado como inadequado. O importante é descobrir porque este sentido foi construído: a partir de que pistas, operando com que inferências, trabalhando com que categorias ou história de vida e leitura ou que elementos da situação concreta, o leitor chegou onde chegou.
É esta terceira perspectiva ou visão do trabalho com textos que mais corrói a identidade social e historicamente construída do que seja ser professor. Considerando o aluno, e cada um deles em particular, como sujeito leitor ou como sujeito autor, ser professor já não é exercer pura e simplesmente o controle em sala de aula. É ser do aluno um interlocutor ou mediador entre o objeto de estudos (produção e leitura de textos) e a aprendizagem que se vai concretizando nas atividades de sala de aula. Como cada criança é um outro, ele constitui pontos de vista possíveis, que confrontados com os pontos de vista do professor, fazem da sala de aula um lugar de produção de sentidos. E esta produção não pode estar totalmente prevista. Os percalços da interlocução na sala de aula, os acontecimentos interativos, passam a comandar a reflexão que fazem, aqui e agora, na sala de aula, os sujeitos que estudam e aprendem juntos: professor e alunos.
Ora, um trabalho com textos, assim concebido, leva a supor que uma nova identidade do ser professor está-se constituindo. É impossível o mero exercício da capatazia. Qual será este novo momento da nova identidade do professor é cedo para estabelecer. Mas uma coisa, se esta reflexão tiver algum valor, parece essencial: é a partir da especificidade do trabalho que se está corroendo a identidade contemporânea do ser professor de linguagem.
Notas
- Este texto é parte de um trabalho ainda em realização em que se discutem as consequências, para o ensino de língua materna, da assunção de uma concepção sociointeracionista da linguagem. Evidentemente, a exposição resulta das e dirige as preocupações com que se está trabalhando o tema mais amplo.
- Ainda que o texto, quer como objeto de leitura, quer como resultado de produção, sempre tenha estado presente no ensino de língua portuguesa, s relevância e a forma desta presença não foi sempre igual. Uma possível caracterização do ensino de língua portuguesa, no Brasil, constataria a existência dos seguintes momentos:
- de predominância do ensino gramatical – o texto era objeto de leitura (oral) em que melhor lia quem melhor se aproximava à leitura (oral) do professor ou era objeto a ser imitado na “prestação de contas” que se concretizava na redação;
- do ensino da gramática através de textos – o texto entra para a sala ade aula e às funções anteriores soma-se o fornecimento, pelo texto, de exemplos para o ensino da gramática (que continua a ser o português que se ensina através de textos);
- da “comunicação e expressão” – mais pela segunda (expressão) do que pela primeira, o texto e suas funções passam a ser estudadas em aula. Ironicamente, é um tempo de “quem não se comunica se trumbica”, mas em que ler e escrever textos (inclusive não verbais) passa a ser “conteúdo de ensino”;
- da produção e leitura de textos – período contemporâneo, emq eu o texto é presença obrigatória em aula.
Em certo sentido, estes períodos acompanham, com toda a carga de didaticização e vulgarização, uma atualização do “eixo epistemológico” com base nos estudos linguísticos. Texto e discurso cada vez mais vêm se impondo como objeto de estudos da Linguística.
por João Wanderley Geraldi | jan 18, 2018 | Blog
Donald Trump está sendo um problema para os norte-americanos, até mesmo para a tal América dos fundos, esquecida e que pagou o preço do neoliberalismo que o império, secundado pela agora falida Inglaterra.
Pois não é que o cara chamou países latino-americanos e africanos de “países de merda”? Como desconhece por completo a história, jamais perceberá que seu país cresceu criando a merda, particularmente nas então chamadas “repúblicas das bananas”, que se cansaram de invadir para garantia dos lucros de seus exploradoras empresas!
Para garantir que não sejamos incluídos por Trump na mesma categoria, Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados, aquele que foi até imaginado como sucessor-tampão de Michel Temer depois dos escândalos das gravações, pois este mesmo: foi aos Estados Unidos, mais precisamente a Washington para confessar pecados dos governos brasileiros: o programa Bolsa Família escraviza as pessoas!!!
Notem: um programa social que foi fundamental para erradicar a fome do país é “escravocrata”. A reforma trabalhista, esta não é!!! A portaria do governo dificultando a fiscalização do trabalho escravo, esta também não é escravocrata. Quem escraviza os homens é o Bolsa Família.
Com estas declarações, ou melhor, confissão de culpa, Rodrigo Maia nos tirou da categoria de “países de merda” para nos incluir no mapa da fome. Para nossa elite política, melhor impor a fome do que se pensar “república das bananas”.
No entanto, rodrigos maias et caterva são uns bananas porque jamais erguerão a cabeça no concerto das nações: o Brasil que querem deve ser de famélicos a cantar o hino nacional e bater continência à bandeira dos EEUU, como acabou de fazer Bolsonaro.
por José Kuiava | jan 17, 2018 | Blog
A evocação serena, o apelo elevado à “Ordem e Progresso” – o signo ideológico pátrio nacional, emblema da bandeira do Brasil – pelos políticos e intelectuais do bloco ideológico conservador no poder, é uma ofensa criminosa aos brasileiros, uma humilhação pública à inteligência inocente e pura (ingênua?) das massas populares dóceis. Há uma demagogia deslavada, desavergonhada, embutida nas propagandas do governo federal, nos anúncios da mídia e nos discursos do golpista Temer, dos seus ministros, via de regra sem caráter ético e moral, e dos políticos do bloco no poder, quando dizem que a economia está estabilizando, que a produção e as vendas estão aumentando a cada mês, que a inflação é a mais baixa da história, que o desemprego está retraindo, que as vagas de emprego estão aumentando a cada mês, e patati, patati e patatá. Enquanto isso (e isso eles não dizem!), os combustíveis, a luz, a água, os impostos são reajustados (sempre para mais!) a cada dois, três dias, todos os meses, durante o ano todo. Alguns alimentos da cesta básica aumentaram mais de 30% no final no ano de 2017. Os pedágios rodoviários privatizados foram reajustados bem acima dos índices da inflação. E ninguém falou da sangria econômica que tais reajustes provocam na economia. Ah, não precisa ser economista, profissional especialista para entender que aumentando os combustíveis e os pedágios este fato afeta e altera o transporte rodoviário – os fretes – em sua totalidade. Aumenta o preço das mercadorias, aumenta o valor das passagens do transporte urbano, rodoviário, escolar, aéreo, etc.
Assim, perante a opinião pública, para aquietar, conformar, alienar as massas populares apela-se ao signo ideológico cívico: a “Ordem”. A lição moral e cívica induz ao pensamento ideológico segundo o qual para haver progresso do país é preciso estabelecer e garantir a ordem social acima de tudo e de qualquer coisa. Impor o controle rigoroso e disciplinar das manifestações e dos protestos em espaços públicos, praças, avenidas, ruas, Palácios do Governo, Fóruns de Justiça, Delegacias de Policias, Assembleias Legislativas, Ministérios, Palácio do Planalto, valendo-se para tanto, das Forças Armadas e Forças Policiais. Na realidade, é uma autêntica e real inculcação ideológica, quer dizer, um assédio ideológico às classes populares. Para os Poderes Judiciais isso não é crime. É uma das armas do bloco hegemônico conservador na luta de classes.
Aí eu me pergunto mais uma vez: onde estão as massas populares, ou seja, os partidos políticos de esquerda, os sindicatos de trabalhadores, funcionários públicos, associações de trabalhadores, movimentos sociais, os desempregados, o “lumpemproletariado” para constituir e contrapor a contra-ideologia, a contra-hegemonia?
Vou recorrer, para meu conforto, ao verso do poeta curitibano, Paulo Leminski: En la lucha de clases/ todas las armas son buenas/ piedras/ noches/ poemas.
José Kuiava
Cascavel, 17/01/2018
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