por Cristina Batista de Araújo | mar 5, 2018 | Blog
“Nenhum som teme o silêncio que o extingue. E não existe silêncio que não seja prenhe de som” (John Cage)
A música já foi considerada na Antiguidade um instrumento moderador da alma e não se restringia a uma expressão artística, mas estava diretamente ligada à formação do homem grego. Entender a música como moderador da alma ou como elemento formador humano não nos é estranho, pois, por meio dos sons e da palavra, há uma tomada de consciência no sentido de o próprio sujeito reconhecer-se como uma obra em movimento que se oferece à escuta.
Oferecer-se à escuta é colocar-se no campo da reflexão, sabendo que essa posição exige que se ouça o outro em relativa proporção. Nesse caso, é bom lembrar-se da execução de recitais, em que todos os músicos e seus instrumentos desempenham um papel imprescindível entre silêncios e sons.
De modo geral, o silêncio é caracterizado como a ausência de som, que não propaga elementos melódicos, sequer encadeia harmonicamente as notas musicais. Mas, onde está o silêncio? O que é esse estado de silêncio? O que normalmente chamamos de silêncio é aquilo em que não encontramos uma conexão direta com os objetivos daquilo que produz os sons, ou quando nos parece que há muitos sons carentes de sentido. Não teria sido o silêncio sufocado pelo excesso de esquematismos e de rituais? Não teria o silêncio dado lugar ao excesso de falas a si próprio?
John Cage, ao proferir uma palestra diz:
“Eu estou aqui e não há nada a dizer. Se algum de vocês quiser ir a algum lugar, pode sair a qualquer momento. O que se requer é silêncio, mas o que o silêncio requer é que eu continue falando. E a palestra gerará discussão. Vamos ter uma daqui há pouco? Ou podemos decidir não ter uma discussão. Como vocês quiserem. Mas agora há silêncios. E as palavras fazem, ajudam a fazer os silêncios. Eu não tenho nada a dizer e o estou dizendo. E isto é poesia, como eu quero, agora.”
Ao problematizar uma situação de silêncio, o que se cria é uma reversão da direção do acesso aos sons e às falas: ao invés de se ter os aparatos produtores ou repetidores dirigindo-se aos sujeitos, ter-se-ia os sujeitos buscando o som e o sentido.
Dessa forma, cada performance da composição será sempre nova, pois dependerá dos sujeitos participantes da produção de sentidos que se dará a tantos encontros diferentes quantos diferentes sejam os ouvintes e/ou leitores. Nesse caso, ou o barulho vence, ou os ruídos transformam-se em música e os ouvintes em músicos.
Cristina Araújo escreve neste Blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | mar 4, 2018 | Blog
O POEMA
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobre ainda sem palavras, só ferocidade e gosto.
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silência
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
– em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra a carne e o tempo.
(Herberto Herder. Toda Poesia. Lisboa : Assírio & Alvim, 1990)
por João Wanderley Geraldi | mar 3, 2018 | Blog
Nunca consegui entusiasmar algum aluno meu para fazer um trabalho sobre o tratamento que dá a Literatura à escola. Os trabalhos conhecidos são sobre o tratamento que dá a escola no ensino de Literatura, mas não o inverso. Claro, há resenhas e críticas, no Brasil particularmente ao clássico O Ateneu, de Raul Pompeia. Na falta, aposentado, estou tentando ler alguns livros de literatura que tematizam a escola. Tentei uma vez encontrar os livros sobre a Educação de Príncipes. Encontrei somente o de Erasmo. Andei procurando o manual de La Salle, mas não consegui. Enfim, estou aqui com apenas três romances que quero estudar.
Por ora, um registro da leitura do livro de Edmondo De Amicis, Coração (Cuore, em italiano). Trata-se de um livro escrito para rapazes, publicado em 1886. E logo tornou-se livro de leitura quase obrigatória nas escolas italianas, uma Itália recém unificada (a reunificação resulta do movimento conhecido como Risorgimento, de 1815 a 1870).
O livro tem a estrutura de um diário, supostamente escrito por um estudante – um rapaz que entrava na “classe adiantada”, no segundo piso de sua escola. O diário abrange um ano letivo, iniciando em outubro e se encerrando em julho. Nele Henrique, o narrador, vai escrevendo sobre o que acontece na escola e em seus arredores no fim das aulas. Em alguns dias, o que se narra é a visita que faz a colega ou que colegas lhe fazem em casa. O texto está entremeado de dois outros gêneros: cartas do pai ou da mãe (as do pai são em maior número) e de um conto mensal, que era distribuído pelo professor a um aluno para copiar e lido na sala de aula. Ou seja, havia a leitura de um conto por mês! E sobre ele diz Henrique
… mas eu teria vontade de ir à escola, se o mestre sempre contasse uma história como a que contou hoje. Todos os meses, disse ele, contará uma, e será sempre a história de uma bela ação praticada por um rapazinho.
Trata-se, sempre, de contos edificantes, ressaltando heroísmos de rapazes que orgulham a Itália e que deveriam, por suas ações, se tornarem modelos para os estudantes. As cartas dos pais também incentivam o comportamento edificante, mas ao contrário dos contos, não se referem diretamente à Itália, ao patriotismo (ainda que este apareça em algumas delas).
Esta escola do Séc. XIX (que alguns filósofos da educação, cansados de seu próprio pós-modernismo, estão querendo recuperar), no contexto italiano da reunificação, é uma escola que ensina Composição, conteúdos de aritmética, gramática, geografia. E exige atividades em desenho e ginástica. Verdadeiramente, a escola ideal para a formação do “cidadão” bem comportado e informado pelo que se decide ser o que deve ser informado na escola: o conhecimento dito universal (este mesmo que ex-pós-modernos não percebem que já não fazem sentido na ciência contemporânea).
É da época. Transcrevo uma passagem de estudo árduo de um aluno:
Passando por uma carroça parada em frente de uma loja, senti chamarem por meu nome; volto-me, era Coretti, o meu companheiro de escola, com seu paletó cor de chocolate e o seu boné de coro de gato; estava todo suado e alegre, com um grande feixe de lenha às costas. Um homem de pé sobre a carroça passava-lhe uma braçada de lenha, que ele por sua vez tomava e levava para o armazém do seu pai, onde com pressa e trabalho a ia empilhando.
– Que fazes, Coretti? – perguntei.
– Não estás vendo? – respondeu estendendo os braços para receber o feixe, estou estudando a lição.
Eu ri-me, porém ele falava sério, e tomando a braçada de lenha ia correndo a dizer: Chamam-se acidentes do verbo … as suas variações… segundo o número e a pessoa… E depois atirando mais lenha, e arrumando-a: – segundo o tempo a que se refere a ação. E tornava de novo a levar outra braçada: – Segundo o modo como a ação é anunciada.
Era a nossa lição de gramática para o dia seguinte.
Esta passagem não só explicita o que se ensina e se aprende na escola, mas mostra que se trata de uma escola “universal” frequentada tanto por um pequeno-burguês como Henrique, por um filho de aristocrata, mas também por filhos de pequenos comerciantes, filhos de operários, filhos de miseráveis. Todos na mesma classe. Todos sob a batuta de um mesmo mestre. E todos aprendendo ao mesmo tempo a mesma coisa.
A maior parte do livro é dedicada pelo narrador na descrição de seus companheiros e das ações destes companheiros. Raramente um companheiro não é um “modelo” do que deveriam ser todos. Nominadamente, Franti, o mau aluno, o mau filho, o expulso da escola. O sem comportamento, o ladrão, o filho de uma quase mendiga! Aquele, precisamente, que a escola depois de expulsar, há de readmitir e se esforçar para “enquadrar” no mundo bem comportado.
Mas são os ensinamentos morais que se sobressaem deste “diário”, desta família e desta escola de fins do século XIX. Como os companheiros de escola eram de todas as categorias sociais, o mundo que povoa o livro é diverso e os ensinamentos não são visando sua alteração, mas a um comportamento “digno” e “respeitoso” para com o pobre, para com o filho do operário, tão digno quanto aquele que se espera do cidadão para com a pátria recém unificada. Tomemos um exemplo de uma carta do pai a Henrique, quando este foi visitado pelo colega Pedreirinho (que sempre se vestiu com roupas maiores do que ele, porque compartilhava com seu pai as mesmas roupas):
O Pedreirinho veio hoje à caçadora, todo vestido com um fato já usado por seu pai, ainda salpicado de cal e de gesso. […]
“Sabes tu, meu filho, por que não queria que limpasses o sofá? Porque limpá-lo à vista do teu companheiro era quase repreendê-lo por tê-lo manchado. E isos não era bom: primeiro, porque ele não o tinha feito de propósito, e depois porque o tinha feito com a roupa de seu pai, o qual salpicara de cal no trabalho; e o que se faz no trabalho não se pode dizer sujo; será poeria, cal, verniz, tudo que quiseres… mas não é porcaria. O trabalho não emporcalha. Nunca digas de um operário que vem do tabalho: “Está porco”. Dize: “Tem nas roupas os sinais e os indícios de seu trabalho”. Recorda-te bem. Ama o Pedreirinho, porque é teu companheiro, e proque é filho de um operário.”
Em outro lugar, nos conselhos da mãe, para que Henrique possa dizer em sua oração:
– Senhor, eu quero ser bom, eu quero ser nobre, corajoso, sincero; socorrei-me, fazei que todas as noites, quando minha mãe me dá o último beijo, eu possa dizer-lhe: Tu beijas esta noite um filho mais honesto e mais digno do que o que beijaste ontem.
Há ainda um elemento hoje absolutamente “fora de moda”: o respeito pelo professor, chamado de mestre. As promessas de que nunca serão esquecidos. O reconhecimento, a gratidão por tudo que com eles aprenderam. E é preciso amá-lo mesmo quando ele se revela impaciente, como num episódio em que o professor, de mau humor, ralhou com Stardi. A propósito, escreve-lhe o pai:
Respeita e ama a teu mestre, meu filho. Ama-o, porque teu pai o ama e respeita; ama-o porque ele consagra a vida ao bem de tantas crianças que o esquecem; porque te abre e ilumina a inteligência e te educa o coração; ama-o, enfim, porque um dia quando fores homem, e quando nem eu nem ele formos mais deste mundo, a sua imagem se te presentará muitas vezes à memória ao lado da minha; […]Ama-o sempre. E pronuncia sempre com reverência este nome – mestre – que depois do de pai é o mais nobre e o mais doce dos nomes que possa um homem dar a outro homem.
Referência: De Amicis, Edmondo. Coração. Tradução de João Ribeiro, revista em 1925. S. Paulo : Livraria Francisco Alves, 1960. (em todas as citações atualizei a ortografia)
por João Wanderley Geraldi | mar 2, 2018 | Blog
Segundo o general do Exército, Walter Souza Braga Netto, a intervenção na segurança do Rio de Janeiro pode vir a ser um laboratório para o país! Obviamente, o general está falando do sucesso que terá o empreendimento, porque não deixa por menos. Para obtê-lo no que concerne à violência espetacularizada pela Rede Globo e demais mídias tradicionais, até que é fácil. Trata-se simplesmente de firmar acordo de territórios entras as facções do crime organizado, definindo limites e nenhum incômodo para ações no interior de cada “estado” que venha a ser criado pelo trato!
O problema que restará será aquele da violência não espetacular, aquela que não aparece nos jornais televisivos, do “avanço no bolso do alheio”, dos pequenos furtos, da violência doméstica, do desespero que a necessidade obriga etc. Esta violência pouco visível permanecerá existindo. Em geral ela não implica em morte. Quando isso acontece, aparecerá no espetáculo televisivo, mas ficará como fato isolado. A grande violência, aquela que resulta da luta entre facções, esta a intervenção resolverá facilmente com a delimitação dos territórios.
E com uma segunda mudança radical – mais difícil de conseguir – nas polícias viciadas com seu ganho extra na oferta de segurança aos traficantes que dominam cada região. Se a intervenção conseguir educar os agentes públicos das polícias, para que cada um receba dentro dos limites próprios dos espaços em que age, então teremos enfim a pacificação (das facções, obviamente). Tudo será uma questão de ‘diálogo’ bem encaminhado, com autoridade e com ameaças de repressão para quem sair dos limites próprios que serão impostos a partir do desenho numa mapa da cidade. Estratégia militar: comando e obediência.
Mas o verdadeiro laboratório não é bem esse!!! Penso que o objetivo da intervenção é outro: criar esta “pax militari”, elevar ao máximo o discurso sobre a segurança pública, demonstrar o sucesso da intervenção militar. E o general Braga Netto ou alguém que lhe seja superior hierarquicamente dentro dos quartéis surgirá como nome tão buscado pela direita para candidatura em 2018. Ingênuos são os que pensam ser Bolsonaro. Não será. O ungido ainda não surgiu. Ele resultará do “sucesso da empreitada no Rio de Janeiro”.
Um general candidato, brandindo o sucesso da intervenção, elevando o tom do discurso sobre a insegurança em que vivem os cidadãos de bem, terá apelo popular, sem a menor sombra de dúvidas. Tanto a classe média quanto o povão estão cansados da violência. Quem não está?
Como a esquerda de modo geral, e o PT de modo particular, incluindo Lula, não dispõe de uma política de segurança pública compreensível para a população, com a emergência de um candidato da caserna, com sucesso na segurança pública devidamente exaltada pela mídia, as eleições de 2018 poderão contar com Lula. E elas legitimarão o golpe de 2016, com a eleição do general candidato da segurança para o povo carente, que não percebe as causas da violência que sofre e que pratica dentro de suas próprias casas.
E então FHC poderá dormir sossegado: não precisará mais andar à cata de um candidato de Direita. Ele vai aparecer nos próximos meses no Laboratório do Rio de Janeiro. Restará a FHC e seus asseclas baterem continência, com o Picolé de Chuchu caindo fora do páreo; com Ciro Gomes de recolhendo a seus destemperos verbais; com Marina Silva de vozinha fina baixando a cabeça como de costume; com Bolsonaro livre para aumentar seu patrimônio, que ninguém é de ferro.
por João Wanderley Geraldi | mar 1, 2018 | Blog
Obviamente o processo relativo às 10 denúncias contra Paulo Preto, o arrecadador de José Serra e Aloisio Nunes foi cair nas mãos de Gilmar Mendes. É que o algoritmo do STF dá sempre o mesmo resultado: se é processo que envolve o PSDB, o algoritmo busca a sigla e entrega o processo, de forma prevista, ao ministro do PSDB.
Não adianta o governo suíço, em seu combate à corrupção, enviar documentação sobre os 113 milhões de francos suíços depositados por lá em nome de Paulo Preto: ficará tudo na caixa preta de Gilmar Mendes.
Não adiantou inúmeros executivos das construtoras denunciarem, em acordo de delação premiada, o esquema de arrecadação dos próceres do PSDB. Tudo não vem ao caso, como certo juiz gosta de dizer.
E como a investigação envolve um sujeito que não tem foro privilegiado, antes mesmo de que seja apurado o envolvimento dos santificados líderes do PSDB – que falta nos faz um João Paulo II para canonizá-los em vida – o processo corre para Gilmar Mendes… é assim que funciona a justiça cega brasileira.
Hoje a própria Folha de S. Paulo faz reportagem sobre Paulo Preto e o esquema do PSDB. Até a FSP, um jornal comprometido com o partido desde que o partido existe. Mas jamais um delegado requereu a um solícito juiz, qualquer que seja, federal ou não, um pedido de busca e apreensão! Ou seja, o processo é viciado desde a investigação policial, tão ciosa quando se trata de Lula, em cujos processos aparecem como “provas cabais” até a consulta a um veterinário porque a cachorrinha do ex-presidente havida sido picada por cobra justamente no sítio de Atibaia. Prova mais do que irrefutável. Tecnicamente, uma prova e tanto!!! Equivale a uma escritura com registrada no CRI. Afinal, é assim que funciona a PF brasileira partidarizada.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, diz o interventor, realiza-se a experiência cujo sucesso já está garantido antes de qualquer ação. E tendo sucesso, se esparramará pelo país adentro. E as forças armadas brasileiras assumirão como tarefa própria a segurança que antes cabia à polícia. Estariam preparando algo? Ou surgirá dos generais, elevados a salvadores da segurança pública, o candidato tão desejado pela direita? Bem que o FHC poderia perder pruridos e começar a buscar seu general.
por José Kuiava | fev 28, 2018 | Blog
Com a intervenção civil-militar no Rio de Janeiro, até o Cristo do alto do Corcovado está em sentido de continência, diante dos milhares de militares e policiais em estado de guerra contra moradores, trabalhadores, traficantes e criminosos dos morros e periferias pobres – os generais, oficiais, tenentes, sargentos e soldados somam mais de 20 mil. Com ironia fina e mordaz, o artista caricaturista hubert (Folha de S. Paulo de 21.02.2018) satiriza a presença e ação das forças militares no Rio. Com um talento genial, próprio dos artistas ousados e rebeldes, ele fez a montagem do Cristo do alto do Corcovado com o braço direito postado na testa em posição de sentido aos militares intervencionistas. Literalmente, Cristo em sentido de continência, igual a um soldado quando se depara com um superior na sua frente, ou quando recebe uma ordem e grita: “sim, senhor! Às suas ordens”. Sempre em posição de sentido – atitude de submissão e obediência disciplinar cegas. 
O cenário no Rio é trágico, uma paisagem metamorfoseada grotesca nas ruas, nas avenidas, nas encostas dos morros, com cenas e imagens prenhes de tragédias humanas – tiros pelos policiais e pelos criminosos, com mortes de inocentes, inclusive de crianças. Tanques de guerra do Exército assustadores, carros blindados da Polícia Militar, soldados e policiais vestidos com fardas antibala e com metralhadoras e fuzis enormes ultramodernos – um arsenal de guerra de dar medo até aos heróis da “pátria livre”. E o pior desta cena grotesca: este contingente de armas e policiais se locomove em volta das escolas e dos colégios públicos. Pior ainda: os soldados de metralhadoras e fuzis nas mãos revistando as mochilas e as roupas das crianças – “uma intervenção infantil”. Pode um policial civil, um soldado revistar um corpo infantil sob o pretexto de que este corpo esteja portando armas mortais? Eles – os policiais, soldados e sargentos – não sabem que as crianças quando vão para a escola levam em suas mochilas livros, cadernos, lápis, réguas, borrachas, pincéis, tintas, lanches? Ah! Dizem: “mas podem levar armas, drogas…”. Enquanto isso, ninguém revista malas cheias de dinheiro roubado, levadas por deputados pelos corredores do Palácio, do Congresso, das empresas, dos apartamentos e dos espaços públicos Brasil a fora – lugares e espaços onde deveria haver a intervenção justa para prender políticos e empresários ladrões.

Agora, se examinarmos mais profundamente estes atos – mascarados com competente humildade disfarçada pelos atores políticos de plantão nas planícies do Planalto – vamos perceber que eles pensam e acham que os livros, os cadernos, os lápis, as canetas, as réguas, as tintas nas mochilas das crianças pobres são as verdadeiras e reais armas na luta contra as desigualdades e injustiças sociais. Logo, é preciso deixar as crianças, os adolescentes e jovens pobres sem o ensino e sem uma educação de qualidade. Daí, não convém aos detentores do controle do mercado de drogas uma educação de qualidade para todas as crianças dos morros e das periferias pobres, como sonhavam e queriam Brizola, Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer com os mais de 500 CIEPs, implantados nas décadas de 1980-90, com uma educação e um ensino público de qualidade em período integral – atividades diversificadas e integradas, conhecimento formal, arte, esportes, ciência, literatura… um verdadeiro planejamento integrado e uma proposta pedagógica transformadora do modelo de sociedade vigente no Estado do Rio de Janeiro.
No auge deste espetáculo de barbáries diárias, temos a cena cabal fantástica, isto é, fantasmagorizada de ternura e amorosidade na voz do interventor chefe Temer: “a intervenção fortalece e enaltece o diálogo” (Jornal da BAND, 27-02-2018). Todo mundo sabe que o ato da intervenção é a negação absoluta do diálogo. Só ele que não sabe. Coitado.
Para finalizar as cenas deste espetáculo, uma notícia bombástica: os juízes- magistrados vão entrar em greve – paralisar as atividades, na linguagem nobre da magistratura, pois greve é uma palavra vulgar, própria da linguagem dos trabalhadores ignorantes e analfabetos. A categoria de Magistrados (Ajufe) – juízes, ministros, desembargadores federais e estaduais, com salários bases de início de carreira de R$40 mil e final de carreira, de até R$80 mil mensais, decidiu uma paralisação no próximo dia 15 de março, para garantir os pagamentos legais e constitucionais devidos a todos os magistrados brasileiros, mediante uma resolução definitiva da questão – auxílio moradia, auxílio escola e auxílio universidade para os filhos e outras mordomias. Realmente, os magistrados brasileiros têm salários muito pequenos, comparados aos salários mínimos dos trabalhadores e aos salários dos professores, estes não ganham salários se quer do tamanho das ajudas de moradias dos magistrados – R$4.500,00 mensais. Assim sendo, um dia desses, os magistrados vão fazer grave – paralisação – para exigir aumento de salários. Enquanto isso, os professores, os trabalhadores assalariados permanecem quietos, aquietados, sofrendo em silêncio para não perturbar a “Ordem e Progresso”.
José Kuiava escreve neste Blog às quartas-feiras.
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