por João Wanderley Geraldi | mar 20, 2018 | Blog
Minha primeira análise da Reforma do Ensino Médio foi na direção dos tais itinerários propostos pela nova lei. Cinco possibilidades, zero de infraestrutura para a oferta de qualquer delas, mesmo do itinerário das humanidades, com as inexistentes bibliotecas escolares. Para “as linguagens e suas tecnologias” seriam necessários laboratórios de informática e conexão com a rede, o que, quando há, é precário. Assim, restaria às escolas públicas os famosos acordos permitidos, de modo que a parte diversificada dos tais itinerários pudesse ser feita na forma de estágios nas empresas. Ponto. Estava garantida uma mão de obra barata para qualquer empresa que quisesse colocar estudantes dentro de seus “quadros”: todos sairiam com o itinerário de “formação técnica” e as empresas a cada ano receberiam uma leva de estudantes, garantida pois a reposição das peças do trabalho gratuito com o nome de “formação”.
Como este projeto pode parecer pouco, já noticiam que o programa Bolsa Família terá mudanças radicais: as mães deverão prestar serviço voluntário nas cidades e no campo. Nas cidades provavelmente assumirão a limpeza das ruas, a coleta do lixo, o cuidado dos jardins e praças etc. Nos distritos e no campo, como há poucas possibilidades, deveriam fazer trabalho voluntário nos clubes, nas escolas, nas associações por acaso existentes… na falta destas, servirá o trabalho voluntário de manutenção das estradas municipais à base da enxada e da pá. E as crianças, filhos e filhas das “voluntárias” deverão fazer estágios no contra turno escolar!!! Ou seja, como a portaria do trabalho escravo foi barrada no STF, o trabalho escravo volta noutra forma: para crianças, como estágio obrigatório para que a mãe receba a ajuda do Estado; para os jovens, como “formação técnica”.
Mas tudo isso estava sem a cereja do bolo. Agora ela veio, vermelha e apetitosa. 40% da carga didática de qualquer disciplina – mesmo aquelas que demandariam o uso de laboratórios, como a Química – podem ser ministradas à distância. Embora o número de navegadores na internet tenha aumentado vertiginosamente, há uma diferença enorme entre receber e mandar uma curta mensagem e assistir uma exposição, uma explicação de 40 ou 50 minutos! Quem fará isso num celular? E como não há computadores em todas as famílias, qual a solução para esta “educação à distância”?
Ora, já sabemos: o telecurso voltará com toda velocidade. Os canais de TV aberta açambarcarão um público cativo, e obviamente os recursos para oferecerem a carga didática prevista. Como 60% ainda continua presencial – por pouco tempo dado que as estatísticas mostrarão o sucesso do empreendimento à distância – provavelmente professores em sala de aula terão que recuperar as “aulas do faz de conta” não assistida pelos alunos! Isto que é política para a juventude!
Como os 60% ainda demandarão a existência de escolas, de professores, logo deveremos ter um aumento deste percentual. Aliás, é estranho que já não comece com 50%! Acho que o Henrique Meirelles não foi consultado! Porque se fosse 50% de carga didática à distância, uma mesma escola física atual poderia se tornar duas. 50% do tempo ocupado por uma escola; 50% do tempo ocupado por outra escola! De cada estrutura física de duas escolas, uma ficaria livre e disponível para a venda…
Quando o Henrique Meirelles e o mercado descobrirem esta mina de enriquecimento, com a venda de “ativos” dos estados e municípios, o percentual de carga didática à distância vai aumentar. O número de professores também pode reduzir pela metade!!! Já pensaram nisso? Esta seria uma saída para que a PEC do fim do mundo, com os 20 anos sem aumento nas “despesas com educação” se tornasse efetiva com facilidade.
Depois da experiência bem sucedida – como foi o telecurso 2º. Grau (sorriam, por favor) – o governo poderá ampliar tudo isso para o fundamental e, talvez, para a educação infantil. Nesta, seria legalizada e paga a babá eletrônica. Afinal, para o ensino fundamental, o governo já tentou a oferta do ensino à distância, mas depois de críticas, recuou.
Mas o sucesso da empreitada agora iniciada vai dar sustentabilidade científica à expansão. E não faltarão núcleos e centros de pesquisa universitários, regiamente premiados com verbas, para apresentar os sucessos do ensino à distância em todos os níveis.
O brabo será quando isso chegar ao curso de Medicina, dispensando os alunos de qualquer contato físico com hospitais e com pacientes… Mas este horror ficará para o futuro, afinal, saúde é um bem, e somente pode ter um bem quem pode pagar, como defende a direita norte-americana em seus chás das cinco.
por Cristina Batista de Araújo | mar 19, 2018 | Blog
A necessidade contínua de se fazer reformas educacionais cria um ciclo de constantes transformações, de modo que sempre que uma reforma for concluída haverá uma próxima a ser posta em curso. Muitas vezes, isso acontece antes mesmo de terminar a anterior, porque se trata de um processo lento que pretende alcançar todos os níveis escolares. E quando se fala em mudanças na educação, o objetivo recorrente é buscar um ensino de qualidade que contribua para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis.
No início do século 20, a Nova Escola já propunha uma série de princípios, dos quais muitos ainda são válidos para hoje. Entre eles, esperava-se que a escola preparasse para a vida, que estimulasse o fazer e não apenas o ler ou ouvir, e que seu cerne fosse a autonomia do aluno. Mas, em que medida as escolas atuais aplicam essa série de princípios?
Um dos problemas sérios que encontramos nas escolas é que muitos estudantes aprendem pouco sobre como ser autônomos e, talvez por isso, sejam prejudicados na capacidade de aplicar o conhecimento adquirido na escola em situações concretas, em situações práticas, na vida.
Exercer-se com autonomia envolveria a capacidade de pensar, decidir e agir sem ser esmagado pelo peso da autoridade ou da tradição. Todavia, ser autônomo não consiste em agir ou pensar de forma independente dos outros, mas sim fazê-lo levando em consideração as opiniões dos outros para que, depois de avaliá-las, aceitá-las ou rejeitá-las, possa ser protagonista de transformações. Deste ponto de vista, é possível visualizar um aspecto primordial da autonomia: a autonomia intelectual que possibilita pensar sobre as coisas, tanto no âmbito conceitual quanto no histórico-social.
Nesse caso, os conteúdos escolares precisam ter como objetivo principal a vida como um todo, sobretudo o que afeta os indivíduos. No entanto, na educação escolar em geral, tenta-se transmitir aos alunos o corpo teórico que se julga necessário para a solução de problemas, quando sequer se falou de situações concretas que demandam reflexão. Isso faz com que os alunos vejam o conhecimento como algo morto, inerte e nada prático, cuja utilidade e aplicações não são claras. A única coisa que parece fazer sentido nesse tipo de conhecimento é realizar as avaliações, passar de ano e gerar um bom índice, para que pais, professores e governos estejam felizes com esse desempenho.
Ao escolhermos encorajar a formação de indivíduos autônomos e responsáveis, devemos pensar em empreender reformas educacionais que incluam a mudança da organização social da escola e a modificação das relações dentro dela. E para isso seria essencial obter a participação dos estudantes em deliberações da escola e da sala de aula, a fim de não torná-los apenas assistentes passivos. Nesse caso, muitas das decisões poderiam ser justificadas e discutidas entre todos, e não impostas de cima. Evidentemente, o modo e a gradação disso seriam definidos a partir de critérios contextuais, assim como a idade/maturidade dos alunos.
O que parece claro é que é impossível preparar os alunos para a vida democrática e autônoma numa escola em que a autoridade esteja exclusivamente a cargo dos gestores e professores, e que se requeira dos alunos somente a obediência às regras.
Outro aspecto de grande importância para a formação de indivíduos autônomos e responsáveis é a atenção dispensada aos conflitos que ocorrem dentro da escola, bem como os encaminhamentos para sua resolução.
Mas o que acontece com os conflitos que ocorrem diariamente nas escolas? O aluno que irrita seus colegas de classe, aquele que se comporta de maneira violenta, aquele que arranha o carro ao professor, aquele que rouba? São conflitos como esses que ocorrem todos os dias e que mobilizam/paralisam a escola. E o que geralmente acontece?
A instituição escolar tem horror aos conflitos e o que se espera é que eles não se manifestam, nem que para isso seja preciso agir de maneira autoritária e escondê-los.
Se os conflitos fazem parte da vida social, não faz sentido comportar-se como se eles não existissem. Muitas vezes eles não se manifestam em um determinado momento, mas surgem no recreio, nos corredores, no recesso, ou seja, quando os sujeitos saem da escola ou não estão sob os olhos da autoridade escolar. E o que fazer?
Ainda que nos falte muito para compreendermos os contornos de uma (re)forma educacional, penso que seria necessário prestar mais atenção aos conflitos sem tentar escondê-los, tornando-os explícitos e transformando-os em objeto de reflexão; fazendo do cotidiano escolar não apenas uma preparação para a vida, e sim, a própria vida.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | mar 18, 2018 | Blog
Segundo a portuguesa Alexandra Lucas Coelho, em SAPO 24, 18.03.18, o poema para Marielle é assinado por Micheliny Verunschk, tornado público em 15 de março de 2018, a manhã seguinte à execução de Marielle Franco. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=zKjBPsZCenE e em https://24.sapo.pt/opiniao/artigos/esta-mulher-executada-no-rio-de-janeiro-ocupado-por-militares-ha-um-mes
Alexandra Lucas Coelho aposta neste país que ainda não existe. Uma aposta distante no tempo, quando o tempo urge… e pede que outras mulheres como Marielle desçam do morro e tomem os espaços públicos tão ocupados hoje pelo fascismo brasileiro.
Uma mulher descerá o morro
como se descesse de uma estrela
uma mulher seus olhos iluminados
suas mãos pulsando vida e luta
sob seus pés a velha serpente
[a baba as armas a covardia de sempre].
uma mulher descerá o morro
as inúmeras escadarias do morro
os muros arames que separam o morro
e pisará o chão desse país sem nome
desse país que ainda não existe
desse país que interminavelmente não há
uma mulher descerá o morro
tempestade é o vestido que ela veste
uma mulher descerá o morro
e ainda que seu sangue caia
ferida incessante no asfalto do Estácio
e ainda que anunciem sua morte
[e sim, ainda que a comemorem]
esta mulher ninguém poderá parar.
por João Wanderley Geraldi | mar 16, 2018 | Blog
Com frequência tenho afirmado aqui que o golpe de 2016 nos trouxe uma ditadura em que se irmanaram judiciário-mídia com seu braço armado nas polícias do país. O judiciário se tornou um partido graças à ação da República de Curitiba, bem orientada de fora e bem alimentada com informações da espionagem. Ou alguém acredita que um doleiro do Paraná, por mais trocas e serviços que tenha prestado a todos os envolvidos com as comissões de contratos, conhecesse todo o esquema que supostamente denunciou? Ele apenas serviu para assinar as denúncias cujo teor os serventuários brasileiros da economia norte-americana já tinham em mãos.
Com o circo armado em Curitiba, com a imprensa hegemônica comprometida com o projeto da direita brasileira de um “estado mínimo” e sem qualquer força para que ela se locupletasse à vontade como fez quando ainda éramos uma colônia – e que voltamos a ser graças a esta mesma elite – neste circo os horrores da destruição da economia nacional, em nome do combate à corrupção e em defesa do fim do estado substituído pelo mercado, surgiu a necessidade do braço armado da polícia.
Enquanto os militares são treinados para defender o país, a polícia brasileira é treinada para matar e para achincalhar a população pobre e a cobrar suas propinas do crime, desde o jogo do bicho até o tráfico de armas e drogas. Se no passado isso se chamava “mineirar”, agora nem precisa esconder sob expressões metafóricas o que a polícia faz e desfaz a seu gosto, garantida pelo judiciário.
O assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes apenas expõe este o terror e o destemor do crime. O país se tornou um “campo de batalha” contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra todos que não rezem pela cartilha do mercado ou se ajoelhem diante do judiciário corrupto (porque corrupção também significa apodrecimento interno, e o sistema judiciário com suas sinecuras está podre, com hierarquias invertidas, os tribunais superiores obedecendo aos desejos de Sérgio Moro). O braço armado somente imitou o braço judicial e midiático: Dilma, com 53 milhões de votos, foi politicamente assassinada; Marielle, com 46 mil votos, foi fisicamente eliminada. Os professores de São Paulo foram achincalhados e feridos e corridos pela Guarda Municipal comandada pelo fantoche do mercado, um tal de Dória que dizem ser o prefeito da cidade.
O Brasil policial mostra sua cara. A rede Globo merece mais do que um clique no controle remoto, removendo-a do televisor. Está na hora deste grupo não só pagar os impostos que sonega descaradamente fazendo desaparecerem processos de forma escandalosa e filmada! Está na hora da população rebentar seu poderio. Empregando a força física, antes que a força ideológica deste conglomerado acabe com todos através da força policial que sustenta sob a paz dos cemitérios da conivência do sistema judiciário.
E enquanto tudo isso vai acontecendo, os senhores juízes entram em estado de greve em defesa do auxílio moradia!!! Quem, afinal, se locupleta com o dinheiro público? Os que cobraram comissões em contratos – coisa que sendo feita por privados, tem o nome de lobby e é legal – ou os juízes, procuradores e promotores com seus penduricalhos isentos de impostos? Auxílio creche??? Quem tem isso no mundo???
Que os corpos e os túmulos de Marielle Franco e Anderson Gomes sirvam de bandeira vermelha de sangue, já que as bandeiras partidárias desapareceram no vergonhoso silêncio e na inação de seus burocratas incapazes de liderar qualquer movimento em defesa da justiça e da nossa economia. Mais fácil um político petista assumir um ministério de Michel Temer do que o partido convocar a população para as ruas.
por Mara Emília Gomes Gonçalves | mar 15, 2018 | Blog
Este é o terceiro começo.
E o terceiro foi aquele que a Teresa deu a mão, lembram? Não vou dizer de sensações: barriga fria, mãos suadas, dedos errando teclas, ideias secas. Medo de não corresponder.
Essa sensação de escrever a pedido não é nova, mas nunca antes na história desta mulher negra houve tanta admiração. Entendam que escrever sobre educação para um educador do tamanho do Paulo Freire para as Letras, ou para o ensino de língua portuguesa é bem difícil. Tão difícil que usei essa expressão, e não: – é foda! (Cadê o respeito, menina?)
E é por aqui que vou iniciar minha primeira reflexão. Engana-se quem pensa que a eficiência em falar/escrever de forma erudita será a tônica do texto, essa manipulação da língua, subordinando-a as minhas escolhas, necessidades e objetivos é assunto para parâmetros escolares das aulas de língua portuguesa. Eu gosto mesmo é de emoção.
Meu objetivo aqui é bem outro. E não poderia ser diferente, corro os olhos pelas telas do celular, os jornais e notícias da internet dão conta de uma ação violenta da polícia contra os professores do município de São Paulo que estariam na Assembleia Legislativa reivindicando o direito de se aposentar, as imagens, fotos e vídeos, de professores feridos, tem o poder de me deixar perplexa.
…
Durante essa semana tive acesso a um vídeo clipe muito interessante sobre a intervenção militar no Rio, a letra da música é de Caioco Zulu e representa um encontro de um morador da favela e um militar, detalhe realístico: os dois negros, e uma frase faz a legenda do vídeo: Enquanto os poderosos decidem do alto de seus gabinetes, quem tá na linha de frente se vê refletido no outro. Que caminhos levaram até ali? (Quem quiser conferir o clipe está em: https://www.youtube.com/watch?v=nqd_AiHDM28.)
Um fenômeno interessante esse de ver trabalhadores sendo algozes de seus iguais, mas acreditem os excessos são bem mais comuns do que os casos que são trazidos ao nosso conhecimento vez ou outra.
Temos casos de funcionários maltratando seus inferiores na hierarquia empresarial, ou trabalhadores que exploram terceirizados, assédio moral contra mulheres ou homossexuais por colegas de trabalho, exclusão de portadores de necessidades especiais ou deficientes, nem vou falar de violência doméstica e maus tratos as crianças, porque aí teríamos assunto para meses a fio.
É violência ao gosto do freguês, à moda brasileira. Tudo bem escondidinho, bem guardadinho por políticas públicas de repressão e de manutenção da ordem (?) que agrada as elites e ao mercado econômico. Sempre tem relação.
É lamentável ver imagens de crianças uniformizadas tendo suas mochilas revistadas ao ir para a escola durante o período de intervenção. Não nos acostumemos com essas violências. Ao praticar tal ação, o Estado impõe sobre aquelas crianças em formação um estigma, que todos sabemos qual é, embora ainda coberto pela capa da invisibilidade. (Dúvidas? inbox por favor!)
A própria invisibilidade é uma violência simbólica. Quando, você e eu, fingimos não ver o que se passa com crianças e jovens, sobretudo os pobres e negros, e ignoramos os reflexos disso na vida deles, e, em especial, na escola e na sua aprendizagem, estamos sendo coniventes com a violência e com o que isso representa para o gatilho para a criminalidade.
Ao assumir uma postura de dar aula, ou organizar o meu currículo escolar de forma burocrática e meramente legal, sem incluir dados como os do relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens, de 2016 que aponta que todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. (Ver em http://www.bbc.com/portuguese/ro-36461295), ou ainda as estatísticas constantes do Índice de vulnerabilidade juvenil à violência 2017: desigualdade racial, da Unesco que entre outros apresenta um taxa de mortalidade de jovens negras chegando a 13,8 a mais que jovens brancas por 100 mil no meu estado de origem que é o estado de Goiás, negamos aos nossos alunos o direito de conhecer os caminhos tortuosos por onde eles terão que passar, ou mesmo de suas trajetórias e histórias. Quando negamos a esses alunos, diante desses dados dramáticos, o direito a representação seja na música, na dança, na literatura, no cinema, nas artes, nas ciências e nos sonhos negamos a eles a possibilidade de ter o que esperar de seu futuro. E o sonho, que posso chamar de esperança, é o que junto com amor e afeto é o que mais nos humaniza.
Não estou, e nem pretendo assumir para minha classe profissional a responsabilidade coletiva ou individual do caos na segurança pública, tampouco no genocídio da população negra, mas é bom lembrar aos professores que eles têm acesso e podem facilitar a entrada de várias crianças e jovens ao conhecimento, libertando-os de suas amarras e tragédias pessoais e torna-os capazes de se verem refletidos nos outros. É claro que para isso estes profissionais, assim como os policiais, deveriam ter melhores condições de trabalho e uma concepção de respeito à vida humana na sua integralidade. Permitam-me trazer um trecho de um hino:
“Quatro minutos se passaram e ninguém viu
O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil
Talvez o mano que trampa de baixo de um carro sujo de óleo
Que enquadra o carro forte na febre com sangue nos olhos
O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol
Ou o que vende chocolate de farol em farol
Talvez o cara que defende o pobre no tribunal
Ou que procura vida nova na condicional
Alguém num quarto de madeira lendo à luz de vela
Ouvindo um rádio velho no fundo de uma cela
Ou da família real de negro como eu sou
Um príncipe guerreiro que defende o gol”
Racionais Mc’s, Capítulo 4, Versículo 3.
Esse trecho escolhido por si só já é foda! Ops, digo: é muito bem elaborado e trás uma reflexão urgente e necessária. Ontem, quis o destino que escrevesse sobre violência, comecei o texto fazendo uma analogia à cantiga de roda de Teresinha de Jesus, e agora, noite, ao terminar o texto soube do assassinato cruel da jovem vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ), negra, mãe, militante dos direitos humanos e do povo preto e pobre. E eu pergunto: – Quantos de nós precisaremos morrer ainda?
Termino usando a mesma cantiga, pedindo que alguém nos dê a mão: família, escola e estado. Quando a gente cair que alguém nos levante. Em homenagem a minha irmã preta, a mais bonita, Marielle Franco.
Da laranja, quero um gomo
Do limão, quero um pedaço
Da morena mais bonita
Quero um beijo e um abraço.
Marielle Franco PRESENTE!
Mara Emília Gomes Gonçalves escreve neste Blog às quintas-feiras.
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por José Kuiava | mar 14, 2018 | Blog
Seria dramática se não fosse cômica a encenação grotesca da invenção, fabricação, modelagem e auto lançamento dos candidatos a presidente do Palácio do Planalto de 2018.
O jogo de cena no palco da política do Brasil de hoje é composto de atores e linguagens incomuns, invulgares, de personagens vestidos de colarinho branco, de capas e togas. Um teatro de cenas e atores espetacularizados em sessões contínuas diuturnamente pela mídia hegemônica. Na realidade é o teatro que se transforma em arena de gladiadores em confronto: no lado direito e superior postam-se políticos de colarinho branco, ministros e juízes do Supremo, rentistas, empresários do grande capital, intelectuais orgânicos das elites e a grande, poderosa e hegemônica mídia; no lado esquerdo da arena e abaixo postam-se em luta os gladiadores e lutadores perseverantes das massas populares, com baixo e fraco poder bélico na correlação de forças com os gladiadores da direita.
Além da imagem, o jogo está também na linguagem: os “ficha limpa” e os “ficha suja”. A linguagem é intencionalmente ambígua e ambivalente. Não há exatidão com um único sentido e uma única, verdadeira e justa interpretação das leis e das palavras. Ela muda de sentido conforme do “que” e de “quem” se trata. Aí vem as dúvidas, talvez ingênuas e infantis. Ficha limpa seria o mesmo que vida limpa e ficha suja seria o mesmo que vida suja? Ou, vida suja seria o mesmo que ficha suja de alguns? Ou, ficha suja seria o mesmo que vida limpa de outros? Por acaso, há sujos de ficha limpa? E há limpos de ficha suja? Assim, não seria o mesmo que perguntar: há corruptos e ladrões dos bens de todos, judicialmente perdoados e absolvidos? Há acusados de crimes sem provas, condenados? Ou tudo isso não seria um ingênuo jogo de palavras? Uma brincadeira de quem não tem o que fazer de melhor na vida? Realmente, quem tem o poder, o hábito e a prática de limpar fichas de políticos sujos? Seriam os próprios políticos em conluio com ministros do Supremo, juízes, promotores, desembargadores e a mídia, os poderosos que limpam a ficha dos políticos de vida suja? O fato é que a vida material existencial, as atitudes, os atos dos políticos são muito mais reais, perversos do que as palavras em composição de linguagens.
Neste cenário, os políticos indecorosos proclamam e declamam em tom de poesia: fomos nós que inventamos e aprovamos a “lei da ficha limpa”, ela é a nossa criação para nos defender, proteger, esconder, limpar a nossa sujeira, enganar os incautos. Nós somos os inteligentes, sabemos nos proteger, bobos são os que acreditam em nós, bem feito para todos, continuem votando em nós, assim nós vamos continuar a nos proteger, cada vez mais sujos de ficha limpa, vamos continuar absolvendo e livrando os sujos de colarinho branco e vamos continuar condenando os limpos de roupa mal lavada.
Afinal, como reconhecer uns e outros? Ou seja, como reconhecer os de vida suja com ficha limpa e os de vida limpa com ficha suja? Nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nos sindicatos, no trabalho, nos botequins da esquina, nas empresas, nos partidos políticos, nas festas populares, nos estádios de futebol, poderíamos dizer e gritar: “olha lá o ficha limpa”! “Olha lá o ficha suja”! Assim seria simples e fácil distinguir e separar uns dos outros. Seria também fácil de votar. O “desalento” mais penoso é encarar Temer “ficha limpa”, Maia “ficha limpa”, Meirelles “ficha limpa”, Alckmin “ficha limpa”, Aécio “ficha limpa” e tantos outros sujos sem fim, todos “ficha limpa”. Lula “ficha suja”.
José Kuiava escreve neste Blog às quartas-feiras
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