E o doutor chorou, chorou, chorou

E o doutor chorou, chorou, chorou

Passarinho na gaiola

Fez um buraquinho

E o nome dele

Vou… vou… vou…

E o doutor

Que não gostava dele

Chorou…chorou… chorou

Ele fugiu

do trapaceiro

Foi morar

nos brasileiros

E o doutor

Chorou… chorou … chorou

Pranto pelo Dia de Hoje

Pranto pelo Dia de Hoje

Nunca choraremos bastante quando vemos 
O gesto criador ser impedido 
Nunca choraremos bastante quando vemos 
Que quem ousa lutar é destruído 
Por troças por insídias por venenos 
E por outras maneiras que sabemos 
Tão sábias tão subtis e tão peritas 
Que nem podem sequer ser bem descritas 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in ‘Livro Sexto’

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MORO NUM PAÍS PATROPI

MORO NUM PAÍS PATROPI

Diante dos acontecimentos deste país, com Lula, a maior liderança popular de sua história, sendo preso,

só me resta aderir com atraso à mais absoluta alienação:

Moro num país tropical

Abençoado por Deus

E gigante pela própria natureza

Mas que beleza!

[…]

Não tenho fusca nem violão

A todos, meus pêsames.

Poder, dever e querer. Em tempos de exceção, só há querer

Poder, dever e querer. Em tempos de exceção, só há querer

É com grande desconforto que comunico aos leitores o falecimento, no Brasil, da Justiça, assassinada pelo sistema judiciário brasileiro. Houve aqueles que tentaram salvá-la quando tudo ia por água abaixo, mas suas forças foram insuficientes. Contra posição de classe e contra a força desta posição, não há argumentos que persuadam muito menos que convençam. Mesmo aquela que sabe que quem não tem poder não pode delegar este poder a outrem, procurou uma tábua de salvação ou de domesticação. Mais ou menos como aquela velha história da ovelha: todas se jogavam pelo precipício e como todas iam, mesmo enxergando o precipício, lá se foi ela… como uma “maria vai com as outras”, em nome do colegiado das ovelhas, e um colegiado apertado. Votou contra o que pensa, votou pelo precipício.

Em poucas horas, em termos históricos, foi decidida a violação do dever em função do querer, por voto de minerva de quem, na posição que ocupa, deveria levar em conta princípios históricos da aplicação do direito – in dubio pro reo. Preferiu obedecer ao script que lhe passaram seus patrões. Votou contra o réu mesmo havendo dúvida razoável, afinal era metade contra metade! Não pasmem, é aquela mesma pessoa que para chegar até onde chegou, “pintou” o pensamento para ter as cores da época, num oportunismo descarado: liderou manifestos contra a privatização da Vale, berrou, aconteceu. Chegou ao lugar que queria e imediatamente descoloriu o pensamento, pintou-o novamente com as corres berrantes das excepcionalidades e do poder sem limites constitucionais.

O imbróglio jurídico que estamos vivendo tem a ver com modalizações, especificamente com as modalizações deônticas que remetem a questões de obrigatoriedade, poder, necessidade (numa tipologia mais ou menos comum, as modalizações se dividem em 1. Aléticas, tem a ver com a existência, 2. epistêmicas com o saber; 3. Deônticas (há ainda outra a considerar, as modalizações que envolvem o “querer” sempre colocadas no interior das deônticas, mas que tem um caráter bastante próprio, porque envolvem o desejo. Nem temos ‘fundido” um termo para isso; temos no português somente a expressão “abulia”, mas não “bulia”, de que poderia resultar “modalizações búlicas”. Mas isso é uma discussão acadêmica a ser realizada).

Voltemos a nosso imbróglio. Ele começou a ser construído quando um juiz tomou como prova de propriedade – e de propriedade recebida indevidamente por propinas advindas de ações inespecíficas em tempos indeterminados – a afirmação de um delator de que “o apartamento estava destinado ao presidente Lula”. “Destinação” passou a ser “é propriedade”; e do “é propriedade” passou para indevida; e “indevida” foi explicada por ações ilegais, não especificadas, cometidas em tempos indeterminados. Eis a sentença hoje irrecorrível. E por que se tornou irrecorrível? Tem a ver com um “dever” que tinham o juiz e desembargadores de condenar, obrigação que lhes impôs quem? Ou tem a ver com um “querer” condenar, ditado por um desejo inocultável?

Se tudo isso não bastasse, o imbróglio se tornou maior ainda quando o STF permitiu (isto é, na modalidade do “pode” que é diferente do “deve”) que houvesse prisão antes do trânsito em julgado, em situações não previstas pela Constituição Federal. Aqui a coisa se complicou mais ainda: o STF tem o dever de fazer cumprir a constituição. Ora o objeto deste dever é um discurso sujeito à interpretação. Como interpretar a cláusula pétrea – isto é, só modificável por outra Assembleia Constituinte – que não permite esta prisão? Ora, tinha o STF o “poder” de transmitir um poder que não tinha? Donde adviria este “poder”? Da pressão popular? (consideram pressão popular a opinião publicada, não a opinião pública, porque se levassem em conta esta, teriam que levar em conta as pesquisas eleitorais…) Isso seria ilegal. E inconstitucional. Então foi necessário investir (no sentido de dar vestes jurídicas) a um querer (modalidade da bulia): nós (maioria simples do STF) QUEREMOS que seja assim. Ora, a distância entre um “querer” e um “poder” é quilométrica, mensurável em termos de anos-luz!

No entanto, em regimes de exceção – lembremos, o TRF-4 criou jurisprudência julgando que um juiz de primeira instância pode usar de excepcionalidades à lei, isto é, não cumprir a lei – o QUERER se tornou PODER.

E bem mandados, os ministros Alexandre Morais, Luís Roberto Barroso, Luís Fux (aquele do auxílio moradia que valeu uma vaga de desembargadora para sua filha), Rosa Weber, Edson Fachin e Carmen Lúcia QUERIAM a imediata prisão de um líder popular, o mesmo que indicou quase todos eles para o STF. Assim, o QUERER, tornado PODER, transformou em DEVER, um dever de que precisam prestar contas. A quem?

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Sobre saber: entre Dorival e a rosa

Sobre saber: entre Dorival e a rosa

Não há nada de novo, então falemos de amenidades.

Só farei antes um recorte rápido e sucinto do julgamento do Sr. Silva, que como todos nós sabemos, nem devia pela ordem natural das coisas ter ido parar no Supremo, e não sou eu que digo, foi mesmo o excelentíssimo Ministro Barroso que disse que aos pobres esse tribunal sempre é negado. Não é por mérito, mas questão de classe. Acrescentarei ainda outro recorte, questão de ordem, como a presidente que outrora franzia a testa para flexibilizações do português, não aceitando a flexão de gênero ao título que lhe cabe, agora, flexibiliza a ordem, sabe aquela regrinha aritmética que aprendemos lá no fundamental: a ordem dos fatores não altera o produto?  Ops… a tia brava franziu a testa, altera a ordem e mostrou quem é que manda. E mudou o resultado, ou produto como queira.

Essa coisa de quem é que manda, é mesmo uma incógnita. Só quem sabe é Dorival. Conhece Dorival? Mas como desejo que você leitor me acompanhe até o final, manterei o suspense.

Depois do recorte volto à superfície. O conforto nosso de cada dia. Uma rosa, flores, todo um jardim, self, um coentro na sopa, um exercício sem impacto, um papel reciclado. Sobre o preço da gasolina não falemos. É muito complicado: lastro, moeda, petróleo, divisas, economia mundial, pré-sal; quando como foram explicar em outro tempo a subida dólar, usando a importação do trigo e o preço do pão. O que não se dá a entender. Não há compreensão.

Os dias ficam mais longos quando não há tempo para a alegria, a rosa não é para todos, já sabemos! Então se tiram os sonhos, restará eternidade, aquela prometida. Não passa. Não passará.

Certo dia conversava com uma amiga, gente de mais alta patente nas questões de “sabidoria”, olhava nos meus olhos e me dizia assim: “Tudo tem remédio, até a morte”. Não entendia, mas fingia entender, que era pra ouvir sempre suas histórias, ninguém quer falar ou escrever para que não entendam. O entendimento vai se dando depois, e quando não nos damos conta, já tornamo-nos repetidores do saber. Volto à sentença: Tudo tem remédio, até a morte.  Seria o até uma preposição ou uma palavra denotativa de inclusão? Quem sabe? Quem manda?

Não disse antes para que alguns não deixassem de ler, minha amiga é preta, assim como eu. Temos uma compreensão diferente do mundo, a alma é marcada demais, e não conseguimos sequer dizer de forma banal que resistimos. Pedindo vênia aos amigos e leitores brancos, quero dizer que isso de resistir dos brancos é uma bobagem. Resiliência então! E não se avexem, porque reivindico essa propriedade e não é porque seja boa. Acreditem.

Continuarei sobre amenidades, assuntos leves que podemos ter enquanto tomamos um café, um chá ou um vinho nas noites frescas. Para contemplar alguns vou ter que verificar a grafia de champanhe, porque muitos gostam das borbulhas no céu da boca, e com esses também falarei amenidades se assim quiserem. Comprem-me rosas, não vermelhas. Não por hora.

Em um esforço que dedico aos que me querem

bem, serei poliglota emocional.  Inclusive para aqueles que reconhecem o sofrimento dos negros e negras que constituem esse povo: que morre assassinado, que é preso, julgado sem juiz ou justiça, que não tem acesso as oportunidades reais, tampouco direito a beleza, ao afeto, direito a representação, que não podem errar, mas podem dormir, talvez amanhã sonhar, melhor não. Quem sabe? Quem manda?

 A felicidade é uma arma quente diz o convite de uma roda de samba. Surto de gripe pode estar matando pessoas, quando lemos uma noticia assim ‘pode estar matando’ sabemos bem que alguém já tem certeza, mas quem? Quem manda?

Ontem foi aniversário de morte de Martin Luther King Jr., que lembrança fúnebre e contrarrevolucionária, não acha? Será que hoje chove? Talvez eu devesse apagar as contas de redes sociais, parece que é perigoso. Quem manda?

Bobagem! Amenidades e imagens agradam muito, estabelecem vínculo inclusive. Adoro vídeos de receitas de dieta low carb, amo foto de animais, gatos e cachorros, fazendo fofices, vídeos engraçados, seriados, novelas, um futebolzinho mesclado com a vida social dos jogadores, outra coisa que amo: rosas.

Não é justo que eu não diga quem é Dorival, especialmente aos que me leram até aqui, mas tenho coisas estranhas, de noite lembrei-me de um curta metragem que vi há alguns anos atrás, chamado “O dia em que Dorival encarou a guarda” de Jorge Furtado, esse que para mim dispensa comentários. Revi, quatorze minutos, pareceu-me melhor do antes.  Já avisei que não sou crítica literária, mas como apreciadora da boa arte, dou meus pitacos, quem não?

Dorival é um negro que oferece uma resposta, um caminho.  E em breve volto a falar dele, usando a estratégia que aprendi ontem, dar e negar, ir e vir, dizer e não dizer. Então, antes do negro Dorival, e de representação simbólica, falemos sobre outras possibilidades, a possibilidade de usar Rosa, não Guimarães Rosa, hoje não! A rosa hoje é outr

a.

O texto está cheio de repetição, mas atenham-se e sejam complacentes, porque foi o critico renomado Gilberto Mendonça Teles, meu conterrâneo, e espero atleticano como eu e seu irmão José Mendonça, que atribuiu importância à estilística da repetição, bem verdade que em Drummond, mas deixem-me evocá-lo em minha defesa. Repete-se o que se quer evidenciar: a rosa é quem manda.

A escolha da rosa é o princípio, que em efeito circular nos levará ao fim. Falemos da rosa que decidiu sobre vidas.  Aquela usada como recurso final, porque esgota as possibilidades, matando sonho, já ouviram Rosa de Hiroshima? Talvez seja uma trilha sonora boa para hoje: “Pensem nas crianças/Mudas telepáticas/Pensem nas meninas/Cegas inexatas/Pensem nas mulheres/Rotas alteradas/Pensem nas feridas/Como rosas cálidas/Mas, oh, não se esqueçam/Da rosa da rosa/Da rosa de Hiroshima.” E tem quem diz que a poesia não dá conta das nossas dores.

Tudo bem, conto agora quem é Dorival.  Ele é negro, assim como eu e minha amiga. Dorival está preso, deve até aparecer nas estatísticas de prisões por mixaria, 100 gramas de maconha, talvez. Ele tem um desejo, talvez simbolicamente possamos dizer que é mesmo um sonho: tomar um banho. A impossibilidade de ter atendido seu pleito, se dá por uma ordem que ninguém sabe quem deu, mas cumprem. Após dez dias, eis que Dorival resolve encarar a guarda, toda ela com uma pergunta: Quem manda? E os responsáveis por cumprir a ordem não sabem, mas a pergunta é retórica, porque no fim ele sabe quem manda para a surpresa de seus algozes. Vale muito a pena conhecer Dorival. Depois ficam as perguntas: E se todo mundo resolve encarar a guarda? E se não fo

r possível mais sufocar nossos desejos? Quem manda?

Uma Carta

Uma Carta

Meritíssimas Juízas, Ministras, Desembargadoras…

Meritíssimos Juízes, Ministros, Desembargadores…

 

Com licença. Decidi escrever para vossas excelências por força da necessidade trágica e extrema de alento, por conta do sofrimento dos infindáveis aborrecimentos causados pelas tragédias, que estão tomando conta das vidas dos brasileiros. Com modéstia, confesso e declaro à vossas excelências que a minha sinceridade é verdadeira, por que honesta, ao escrever para os nobres magistrados do Poder Judiciário brasileiro. Confesso, ainda, que as notícias diárias da política do Planalto e as notícias dos tribunais da justiça, de modo algum são tranquilizadoras. Pelo contrário, são muito desalentadoras, para mim e para a grande maioria dos brasileiros – honestos e trabalhadores. O fato real, material, que mais me indigna e aborrece neste teatro de cenas patéticas e tragicômicas é a constatação, cada vez mais verídica, da politização da justiça brasileira. Está ficando cada vez mais claro e visível – por gentileza, me perdoem se eu estiver enganado – que os valores e os compromissos ideológicos pessoais e singulares de vossas excelências estão acima dos fatos reais, das leis vigentes e dos princípios éticos, e que prevalecem e são determinantes na análise, nos relatórios e, acima de tudo,no julgamento dos processos criminais – absolvição de alguns criminosos e condenação de alguns inocentes, ainda que duvidosos, quando o certo e verdadeiro deveria ser a condenação de todos os criminosos e absolvição de todos os acusados sem provas reais dos crimes.

Vossas excelências são detentores por excelência da sabedoria jurídica – entendem tim-tim por tim-tim as leis e a história das leis – expertos em teorias de ética e de imparcialidade. Uma pergunta me perturba e atormenta a mente sem parar: qual a garantia de verdade dos fatos na versão dos depoimentos premiados – delações e acordos de leniência nos tribunais da justiça? Há coerência e veracidade numa única interpretação da intenção dos delatores, da intenção das delações e da intenção dos juízes? Vossas excelências sabem que os delatores, via de regra, são políticos corruptos e corruptores, são empresários criminosos, não seria generosidade ingênua acreditar nas delações premiadas? Conforme quem é o acusado, e sua classe de origem, as delações passam ser provas verdadeiras e determinantes para a condenação do acusado; já, em outros casos, as delações não vem ao caso. O ato mais justo e legítimo, não seria por acaso, vossas excelências examinar o contraditório dos autos processuais sem filiação e vinculação partidária e sem alienação ideológica política e social? Aí, sim, teríamos a unidade da teoria e prática – justiça e legitimidade.

A Dilma foi destituída da presidência por crime de “pedaladas” – uma analogia de extrema ambiguidade, sem consistência legal e sem exatidão dos fatos e dos sentidos. Os atos que ela praticou e pelos quais foi destituída – as pedaladas em seu signo analógico – sempre foram praticados, antes e continuam depois, até agora. Vossas excelências sabem que a ordem do impeachment  foi dada no anúncio do resultado das eleições, quando Dilma foi reeleita democraticamente. Na semana seguinte, o candidato do PSDB, perdedor nas eleições, proclamou em plena sessão do Senado: a Dilma não pode governar o Brasil. Precisamos impedir já. Na sequência, Eduardo Cunha, com inúmeros processos de crimes de corrupção, passa a articular, coordenar e presidir as sessões do impeachment na Câmara dos Deputados. Em seguida, e somente depois do golpe efetivado, foi julgado, condenado e preso por mais de cem anos de cadeia. Fico pensando nas aulas de história, de ética, de democracia, de política, de direito… quando um aluno pergunta: “professor, pode, é legal e legítimo, um político corrupto e criminoso presidir a condenação de uma presidenta eleita democraticamente, sem provas de crimes reais? Talvez vossas excelências teriam as respostas, sem transgredir e camuflar os princípios da ciência, da ética e das leis. Lembro, aqui, a vossas excelências de um princípio romano muito praticado nos tribunais, ainda justo: in dubio, pro reo.

E o que dizer da condenação do Lula? Este fato histórico no Brasil de hoje me faz lembrar de um fato, ocorrido em 1928 na Itália. No Tribunal da Itália, na sessão de julgamento do então jovem intelectual político Antônio Gramsci, o promotor proclamou: “é preciso impedir que este cérebro funcione durante vinte anos”. Lá, Gramsci foi condenado por 20 anos de prisão por ordem do fascista Mussolini. Aqui, no Brasil de hoje, Lula está sendo condenado, preso (hoje a decisão) e inelegível por mais de 12 anos, por ordem de quem? Primeiro, os políticos do poder dominante decidem impedir que Lula seja candidato e eleito presidente, pois, segundo as pesquisas de intenção de votos, não há concorrente. Depois, nos tribunais vossas excelências, com muito empenho e esmero, buscam e camuflam provas dos crimes para justificar legalmente a condenação.

Por gentileza, meritíssimas e meritíssimos, parem de centrar os exames, os atos, os relatórios e as sentenças de condenação de acusados, apenas ancorados em acordos de leniência e em delações premiadas de empresários e políticos profissionais corruptos e corruptores.

Agradeço emocionado a gentileza de vossas excelências. Professor universitário por 42 anos.

José Kuiava escreve neste blog às quartas-feiras.

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