São alarmantes as notícias. Hoje começou o bombardeio a Damasco (Síria) pelas forças armadas norte-americanas, francesas e inglesas! Ontem, fazendo o que repetidamente vem fazendo, Donald Trump atacou a Rússia. Segundo o Sul21:
O republicano também criticou a Rússia e o Irã, fiadores de Assad no poder, e afirmou que as nações devem ser julgadas “pelos amigos que elas mantêm”. Em seguida, Trump elogiou países “amigos”, como os Emirados Árabes e a Arábia Saudita, que financia rebeldes na Síria, incluindo o grupo radical Jaysh al Islam, e patrocina a guerra no Iêmen.
Ao tomar os amigos da Síria como não “bons amigos”, como amizades que depõem contra uma nação, Trump volta a se defrontar com a Rússia, num bate-boca pela internet, dispensando qualquer diplomacia, como é comum em Trump.
O comentarista português José Goulão (Notícia, Lisboa) recupera os planos de uma guerra – que certamente será rápida dado o tipo de armamento hoje disponível, e ao estilo do bombardeio contínuo feito no Iraque – desde a suposta tentativa de homicídio atribuída à Rússia pelo governo britânico, do agente duplo Skripal e filha e de um suposto ataque com armas químicas na Síria, atribuído imediatamente às forças governamentais sírias.
Ora, segundo a quantidade de veneno que teriam ingerido Skripal e filha, eles não teriam sobrevivido. Nem a Scotland Yard confirmou tal quantidade, e embora o “Trump britânico”, o ministro das Relações Exteriores, Boris Johnson ter declarado que o veneno era de fabricação russa, o laboratório que analisou a substância disse que era impossível provar que o produto tóxico usado contra o espião reformado fosse de origem russa. Aliás, Skripel e filha estão bem, obrigado.
Quanto ao ataque a Dhoma, com armas químicas, sequer houve investigação… é uma denúncia dos rebeldes! Mas isso é suficiente, como foi suficiente a Bush a alegação de armas nucleares no Iraque, para o bombardeio sobre Damasco que está ocorrendo neste momento. E os serviços secretos russos e sírios informaram que as forças do governo haviam destruído um laboratório de armas químicas dos «rebeldes moderados», isto é, a Al-Qaida.
Tudo está mostrando que mais uma vez se fabricam “fatos” para garantir a elevação da tensão internacional aos limites máximos. Se Rússia e Irã responderem ao ataque, a região conflagrada deixará de ser somente o Oriente Médio! E as tentativas seguidas para esparrar o conflito vem se sucedendo, desde os episódios envolvendo a Ucrânia em que os Estados Unidos empossaram um ditador contra a Rússia, nas barbas da Rússia.
Nossos grandes perigos sempre foram os fanatismos, venham eles de onde vierem. Ao fanatismo islâmico o Ocidente tem respondido com um fanatismo pelo lucro a qualquer preço com o neoliberalismo, cuja capacidade estrondosa de produzir miseráveis está levando ao fanatismo nazi-fascista que pensávamos enterrado. E este fanatismo espalha-se: está inclusive no Brasil de forma assustadora. .
Trump é, talvez, o maior símbolo do fanatismo: depois que o modelo da globalização tornou os norte-americanos pobres, o fanatismo nacionalista de Trump não esconde seu caráter fascista.
Uma 3a. Guerra Mundial? Penso que, deixadas de lado as encenações teatrais, continuaremos a ter as guerras localizadas, porque todos os lados sabem que há armas nucleares de um lado e de outro, e não há vontade suicida de qualquer lado. Então continuarão a matar os que eles consideram “descartáveis”: por enquanto no Oriente Médio e na África. Quando por lá tiverem feito a “limpeza” se voltarão para a América Latina. Somente daqui a uns 100 anos se voltarão para a Europa então já islâmica.
Há um romance belíssimo de Susan George – O relatório Lugano – que é paradigmático em relação a estas guerras localizadas!!! Ela é jornalista, mas cria um mundo ficcional interessante: reuniram-se em Lugano (Suíça) os 100 maiores cientistas do mundo para responder a uma só pergunta: “como resolver a finitude dos recursos planetários com uma população acima do sustentável, mantido pelos próximos cem anos o mesmo regime capitalista de produção?” Tratava-se de manter o regime capitalista, de que os financiadores do encontro não abriam mão, mas tratava-se também de reduzir a população a limites toleráveis de exploração da finitude de recursos. Resposta final dos cientistas: deve haver uma redução de no mínimo 2 bilhões de habitantes da Terra, e isto deve ser feito por guerras localizadas…
Como a vida imita a arte, ou esta é o real de um reflexo daquela, estouraram as guerras do Iraque, Afeganistão, etc… depois vieram as “primaveras árabes” orquestradas nos escaninhos da CIA e FBI… e os muitos mortos em função do interesse no petróleo da região!
E assim segue a humanidade: hoje bombardeia a Síria em nome do quê? Da manutenção do mesmo regime que empobrece assustadoramente os homens e enriquece organizações por trás das quais se escondem seres inumanos.
Normalmente, quando linguagem e ação são correlacionadas, as primeiras ideias relativas a esta aproximação dizem respeito às ações que os sujeitos praticam pelo uso da linguagem. A longa tradição dos estudos retóricos vem desde sempre apontando para os objetivos persuasivos do orador: obter pelas palavras a adesão do auditório às teses que defende implica uma ação que se pratica com a linguagem. Como noticia Manacorda (1989), as civilizações antigas já haviam aprendido a importância deste trabalho que se faz com a linguagem. Os fundamentos rudimentares da “institutio oratória” de Quintiliano podem ser encontrados no Ensinamento de Prahhotep, visir do rei Isesi, da 4ª. dinastia (2450 a. C.) onde se lê que são aqueles que falam no conselho que aplacam as multidões e que sem eles não se consegue riqueza nenhuma.
O retorno contemporâneo aos estudos deste trabalho linguístico sobre o outro, quer aqueles realizados no interior da retórica moderna (1), quer aqueles de cunho mais estritamente linguístico, mas sem exclusão das motivações persuasivas do uso da linguagem, não deixam de salientar que as ações praticadas com a linguagem, a cada passo, são ditadas pelos objetivos pretendidos. Respondendo a diferentes interesses de pesquisa, a atenção ora se volta para as formas discursivas, através das quais os sujeitos, argumentando, tornam o possível necessário; o permitido, obrigatório; o inaceitável, aceitável (2), ora se voltam para o estudo de estruturas linguísticas que marcariam, já no interior da língua (3), a presença da argumentatividade.
Num quadro teórico diferente, a mesma correlação entre linguagem e ação é estudada de forma mais radical, de tal modo que o linguístico é subsumido por uma teoria da ação, a atividade de linguagem definindo-se como uma forma de ação governada por regras. Este é o ponto fundamental da teoria dos atos de fala, em que não se ignoram os objetivos buscados com a ação linguística sobre o outro – os efeitos perlocucionários – mas a atenção vem-se concentrando na descrição das condições da prática de diferentes atos de fala, das regras que lhe são associadas e das formas de sua expressão, relacionando ao mesmo tempo intenção e convenção como vértices da construção do sentido (4). Ainda aqui, é possível reencontrar, nas diferentes regras, a atenção para as alterações das relações entre sujeitos face ao uso da linguagem.
Concebendo a linguagem como trabalho constitutivo do próprio sistema simbólico de expressões e dos sistemas de referências dentro dos quais as expressões fazem sentido e dos sujeitos cujas consciências se formam precisamente pelo conjunto de categorias que se vão encorpando nos processos interlocutivos de que participam, num processo de (re)elaboração e transformação internas do que é externo e social, pretendo retomar a questão da correlação entre linguagem e ação a partir de duas outras perspectivas que têm merecido já atenção da pesquisa, mas que têm tido menor divulgação entre não-especialistas. Trata-se de pensar a atividade linguística não só a partir das ações que se fazem com a linguagem, mas de pensá-la também a partir das ações que se fazem sobre a linguagem e das ações da linguagem.
Elegendo as noções de trabalho e de constituição, pretende-se de início afastar dois mitos: aquele da univocidade absoluta, identificável com o sonho da transparência, e aquele da indeterminação absoluta em que não seria possível atribuir qualquer significação a uma expressão fora de seu contexto. Entre os dois extremos, está o trabalho dos sujeitos.
De outro lado, elegendo-se o trabalho dos sujeitos como fio condutor da reflexão, pretende-se afastar também qualquer interpretação que tome o sujeito como fonte dos sentidos. Entre o tudo (produtor e fonte única dos sentidos) e o nada (assujeitamento completo a uma estrutura sem frinchas), há uma prática cotidiana, concreta, em que os sujeitos não podem ser concebidos como “autômatos sintáticos”, “monstros da gramática” e nem podem ser concebidos como meros porta-vozes da hegemonia discursiva de seu tempo. Se as práticas linguísticas se dão no interior das formações sociais e, no interior destas, dentro de formações ideológicas e formações discursivas, resultantes do trabalho passado, não se pode recusar ao trabalho de aqui e agora seu caráter produtor, na tensão entre o que se repete e o que se transforma.
Confessado o quadro de referências e afastadas algumas das interpretações possíveis, vamos nos deter, a partir de agora, nos dois tipos de ação para os quais pretendo chamar a atenção do leitor.
1. As ações que se fazem sobre a linguagem
Diferentemente das ações que se fazem com a linguagem, centradas sobre o outro e definidas em função do jogo interlocutivo que se processa, as ações sobre a linguagem têm como seu foco os próprios recursos expressivos utilizados. Diferentes interesses podem mover este tipo de ações, inclusive os objetivos da ação com a linguagem. Mas são sempre os recursos expressivos o lugar desta ação, e é neles que ela materialmente se concretiza.
Alguns fenômenos linguísticos podem justificar a utilidade da distinção pretendida.
O uso de certo recurso expressivo pode implicar o agenciamento pelo interlocutor de certas contrapalavras usualmente invocadas no processo de compreensão e construção do sentido: a ação sobre este recurso expressivo pode tanto enfatizar uma ou outra destas contrapalavras mais frequentes no uso cotidiano, quanto pode afastá-las em benefício de outras contrapalavras raramente invocadas. Assim, muitas das paráfrases, das retomadas, das determinações – restritivas ou explicativas – poderiam ser compreendidas como formas de agir sobre os próprios recursos expressivos utilizados pelos interlocutores, como formas de fazê-los significar mais do que usualmente significam ou de restringi-los a sentidos bem precisos e válidos no estágio em curso da interlocução.
A necessidade de deslocamentos no sistema de referências, pela construção de novas formas de representação do mundo e pela construção de sentidos novos para recursos já gramaticalizados, atribuindo-lhes sentidos que, embora externos à gramática, são fundamentais enquanto “efeitos de sentido” no discurso. Exemplos do primeiro tipo são as metáforas, os raciocínios analógicos, as comparações – de que a linguagem da propaganda está sempre a nos fornecer exemplares. Exemplo do segundo tipo pode ser observado pelos diferentes efeitos de sentido produzidos na ordem dos elementos de um sintagma, como em: Eu e você somos os responsáveis pelo insucesso do trabalho/Você e eu somos os responsáveis pelo sucesso do trabalho.
O uso de diferentes marcas gráficas – negritos, aspas, caixa alta, itálicos, etc – respondem à necessidade de criar novos valores para os recursos expressivos disponíveis face a um mundo sem cessar em movimento. As aspas, por exemplo, podem alterar parcialmente o sentido das expressões, podem fazer a expressão significar tudo, menos o sentido usual da expressão, podem acumular sentidos etc., como se pode observar nos exemplos: a) Como “sede social” os mendigos escolheram uma garagem; b) As “diplomáticas” explicações do general não convenceram; e c) O “desinteresse” dos empresários nas mudanças econômicas…
A utilização de diferentes registros e modalidades linguísticas no interior de um mesmo texto podem fazer os recursos expressivos significar mais do que significam, ou mostrar pelas palavras, se poderia dizer, o que se quer construir como sentido novo. Um comentarista de TV tem marcado o início das suas crônicas humorísticas pelo uso da expressão “Bom dia, flor do dia!”, em que não há apenas um trabalho de “rima” e “repetição”, mas também a prática de uma ação com a linguagem (uma saudação) em texto escrito, modalidade que usualmente dispensa a saudação como início de uma conversação.
Um último campo de exemplos pode ser encontrado no trabalho estético com a linguagem. Tomo apenas um exemplo que me acompanha desde a leitura de A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa – trata-se do sintagma ‘trans águas quilas’, produzido a partir de águas tranquilas. Há aqui um trabalho de recorte que se dá num lugar específico de um recurso – a separação silábica de tran-qui-las, que permite ao trabalhador G. Rosa obter a sílaba tran, que por semelhança fonética remete ao morfema trans o que faz ‘trans águas quilas’ significar diferentemente e coisa diferente de ‘águas tranquilas’.
A língua está sem cessar em movimento, e este movimento se dá justamente pelo trabalho linguístico que se materializa sobre os recursos expressivos, sendo os que são, são também os que se estão criando: chamar a atenção para este tipo de ação é tomar a vocação estrutural para a mudança como inspiração não só de estudos mas também de processos de compreensão de falas de sujeitos, especialmente aqueles que por um ou outro motivo se viram privados do uso normal da linguagem, como é o caso de vários tipos de afásicos.
2. As ações da linguagem
O exemplo de trabalho estético propositadamente deixado para o final da seção anterior, aponta já para o fato de que o trabalho que se faz sobre a linguagem tem constrições impostas pela própria materialidade dos recursos expressivos sobre e com que se trabalha: não era em qualquer lugar que poderia se dar o recorte feito por Guimarães Rosa – a própria estrutura silábica do recurso expressivo definiu também as possibilidades de transformação, face à experiência estética possível. O exemplo nos introduz neste segundo tipo de ação, que tem merecido uma reflexão primorosa na área da psicologia e mesmo da filosofia e da sociologia da linguagem, especificamente nas formas de constituição das funções psicológicas superiores (5), na constituição de sistemas de referência historicamente elaborados, dentro dos quais o sistema linguístico se torna significativo e, incorporados pelo falante, constituem, na expressão de Bakhtin, o material concreto da consciência dos sujeitos.
São em menor número os trabalhos estritamente linguísticos (6) que têm considerado, a partir de tais perspectivas, as ações dos recursos expressivos enquanto formas socialmente construídas que constringem as possibilidades do trabalho material com e sobre a linguagem.
Novamente, retomo alguns fenômenos linguísticos que me parecem justificar a utilidade da distinção eu venho propondo.
As análises morfológicas que se revelam na construção de novos itens lexicais, que obedecem a formas estabilizadas no “sistema” da língua, de que são exemplos típicos expressões como imexível, trancredar, bionicidade, e na fala infantil, regularizações de paradigmas como atestam as ocorrências de fazi, di, cabeu, etc.
No processo de aquisição da linguagem podem ser encontrados diferentes cruzamentos entre estruturas sintáticas diversas. Um exemplo colhido por Rosa Attié é analisado por Whitaker-Franchi (1989) mostrando usos de itens verbais ergativos como causativos e de itens verbais causativos como ergativos, como em: ‘Quem saiu este esmalte do dedo?’; e ‘Olha, tirou o meu imalte’.
Enquanto verbos causativos têm como argumentos temáticos um causador e o evento causado, os verbos ergativos têm apenas um argumento, o objeto direto. A criança, no entanto, produz os enunciados acima, e eles não podem ser atribuídos a uma aquisição de tais estruturas (nesta forma) na interação com os adultos, mas resultam de uma análise que faz a criança das próprias estruturas sintáticas dos enunciados que ouve e que produz nos processos interativos de que participa. Trata-se de análise que impõe ao raciocínio desenvolvido as próprias possibilidades estruturais da língua e a emergência dos “desvios” resultam das restrições que as diferentes estruturas impõem.
Pesquisas recentes (Batista, 1990; Smolka, 1991), atentas às interações concretas em sala de aula, vêm trazendo à tona uma enorme quantidade de exemplos que mostram não só a ocorrência de negociação de sentidos, dialogia, lugares sociais dos interlocutores, mas também constrições tipicamente linguísticas interferindo nas possibilidades de ações com e sobre a linguagem, incluindo até mesmo a presença de expressões metalinguísticas incorporadas no processo escolar como formas de restrições do sistema de língua às formas de raciocínio linguístico expressas pelos sujeitos.
Obviamente, estes três tipos de ações se entrecruzam e se concretizam nos recursos expressivos que, materialmente, as revelam. Considero que a linguagem permite tais ações em função de uma de suas características essenciais: a reflexividade, isto é, o poder de remeter a si mesma. Com a linguagem não só representamos o real e produzimos sentidos, mas representamos a própria linguagem, o que permite compreender que não se domina uma língua pela incorporação de um conjunto de itens lexicais, pela aprendizagem de um conjunto de máximas ou princípios conversacionais, pela apreensão dos diferentes lugares sociais dos falantes, etc.
A aprendizagem da linguagem é já um ato de reflexão sobre a linguagem e as ações que praticamos nos processos interlocutivos em que nos envolvemos demanda esta reflexão, pois compreender a fala dos outros e se fazer compreender pelo outro tem a forma do diálogo. Quando compreendemos o outro, fazemos corresponder à sua fala uma série de palavras nossas; quando nos fazemos compreender pelos outros, sabemos que às nossas palavras eles fazem corresponder uma série de palavras suas, como ensina Bakhtin.
Notas
* Nota introdutória. Em julho de 1990 ocorreu o 4º. Encontro de Psicopedagogia, na USP. Fui convidado para expor possíveis contribuições da Linguística à psicopedagogia. Eu recém havia defendido a tese de doutorado e retirei dela as ideias que repito neste texto, introduzindo outras observações já que não estava mais escrevendo para uma “banca examinadora”, que se queira ou não, é parte das constrições da produção de trabalhos acadêmicos – é tão forte que muitos deles se tornam insípidos, porque escrito sempre para especialistas… De qualquer forma, este texto mantém um pouco este tom acadêmico inevitável. Minha presença no Encontro, de certa forma, me chamou atenção para a psicopedagogia em si! Nos anos seguintes, junto a Cecília Collares e Maria Aparecida Moysés, acabei participando de vários cursos de especialização, na área, mas que se propunham como “anti-psicopedagogia” já que esta estava se tornando uma espécie de lugar de “cura” para doenças inexistentes, chamadas de transtornos de aprendizagem, hiperatividade, etc.
Como o leitor notará, ao tratar das ações da linguagem, restringi à questão somente à materialidade linguística interferindo nos processos possíveis de ações com e sobre a linguagem. A atividade constitutiva da linguagem, que nos torna sujeitos e que constrói os próprios sistemas simbólicos em que nos movemos, é tomada aqui como ponto de partida, como quadro teórico em que se move a análise, como explicitado já na introdução do texto.
Este texto foi publicado em 1991, no livro organizado por Beatriz J. L. Scoz, Leda Maria C. Barone, Maria Célia M. Campos e Mónica H. Mendes (Psicopedagogia. Contextualização, Formação e Atuação Profissional, Artes Médicas), com os textos das mesas-redondas, conferências e comunicação do Encontro.
1. Refiro-me aqui aos trabalhos inspirados em Perelman e àqueles desenvolvidos nos estudos contemporâneos de análise de diferentes formas de persuasão em diferentes formas de expressão, de que os estudos da propaganda são um exemplo.
2. Exemplo deste tipo de análise pode ser lido em Fiorin (1988).
3. Os estudos de semântica argumentativa (Ducrot, 1973, 1984; Guimarães, 1987) são o melhor exemplo.
4. A partir de Austin, desenvolveu-se na filosofia da linguagem e na linguística grande número de trabalhos no interior deste quadro teórico. Searle (1969) é uma referência obrigatória.
5. Cf. Smolka (1991).
6.Cf. Batista (1990).
Referências
Albano, Eleonora Cavalcante. Da fala à linguagem tocando de ouvido. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
Bakhtin, Mikhail (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo, Hucitec, 1981.
Batista, Antônio Augusto G. Aula de português: discurso, conhecimento e escola. Dissertação de mestrado, FAE/UFMG, 1990.
Brandão, Helena H. N. Dialogismo e polifonia enunciativa. Análise do discurso da propaganda. Tese de doutorado, PUC/SP, 1988.
Ducrot, Oswald. La preuve et le dire. Paris, Mame, 1973.
_____________ O dizer e o dito. Tradução de Eduardo Guimarães et al. Campinas, Pontes, 1987 (original de 1984).
Fiorin, José Luiz. O regime de 1964 – Discurso e ideologia. São Paulo, Atual Editora, 1988.
Geraldi, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
Guimarães, Eduardo. Texto e argumentação. Campinas, Pontes, 1988.
Manacorda, Mário A. História da educação – da Antiguidade aos nossos dias. Tadução de Gaetano Lo Monaco. São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1989.
Searle, John R. Apeech Acts – An essay in the philosophy of language. Cambridge, Cambridge University Press, 1969.
Smolka, Ana Luiza B. “A prática discrusiva na sala de aula: uma perspectiva teórica e um esboço de análise” in. Pensamento e linguagem – Estudos na perspectiva da psicologia soviética. Cadernos CEDES 24, Campinas, Papirus/CEDES, 1991, p. 51-65.
Whitaker-Franchi, Regina C. M. “Correlação entre estruturas causativas e estruturas ergativas – Estudo de caso no processo de aquisição”. Cadernos de Estudos Linguísticos, 17, p. 163-185. Campinas, IEL/UNICAMP, 1989.
Sou um esquerdopata, um defensor de ladrões, um petista idiota, mesmo sem jamais ter sido petista. Em minha doença e em minha idiotia, entretanto, assim como Mickin, o príncipe de Dostoievsck, encontro lucidez para me reconhecer frente aos outros e me posicionar frente às forças, sempre obscuras, que regem os movimentos da história.
Sou um idiota, reconheço. Trata-se de uma insanidade que me acompanha e se constrói desde a infância. Muito cedo tive que aprender que a comida era pouca, o rebenque pesado, o sono curto e o fardo pesado. Ver a mãe dizendo que não estava com fome na hora da janta porque sabia que a comida era pouca; frequentar escola em que a professora nos espancava e tentava provar, em cada lição, que não sabíamos falar, que éramos feios e que o conhecimento não era para nós; começar a trabalhar ainda na infância, acordar bem antes do sol nascer, ir dormir de madrugada com o corpo jovem estraçalhado, ganhar um salário miserável que mal pagava o ônibus, o lanche e a mensalidade do supletivo de colégio de qualidade duvidosa; enfrentar filas infindáveis em busca de empregos que não existiam; apanhar da polícia na rua de casa apenas por ser menor, pobre e estar andando na rua de casa… entre tantas dores e apertos, o corpo vai enfraquecendo, a mente se debilitando, a alma se apequenando. Dessa forma, há que se convir, é impossível deixar de se tornar um idiota.
Confesso que queria ser um empreendedor altivo, desses que confiam na força da mente e da individualidade, desses que creem, sem nenhuma sobra de dúvidas, que tudo é questão de entrar em sintonia com as energias cósmicas superiores. Lamentavelmente, as pessoas que encontrei pelo caminho, e comigo ainda andam, não me ensinaram os passos da santificação.
Sou um pobre diabo, vivi e vivo entre más companhias. Ainda no início da caminhada, fui vítima do falastrão Gregório de Mattos, com quem aprendi que no império da fé reina a hipocrisia. Também fui vítima do ateu Antônio Vieira, para quem a igreja era um dos sustentáculos da opressão e da desumanização através da subversão das palavras de Cristo. Influenciaram-me Castro Alves e Joaquim Nabuco, esses liberais lunáticos que achavam possível acabar com a escravidão e com a obra da escravidão, imaginem em que mundo viviam. Acompanhei as páginas de Machado de Assis e de Aloísio Azevedo, vi e ouvi em suas narrativas as relações de exploração, de exclusão e de violência na construção dos cortiços nas cidades maravilhosas. Com Lima Barreto comecei a fazer perguntas embaraçosas para nobres ouvidos delicados, quis saber como é possível, afinal, um país com tantas riquezas naturais e possiblidades, ser tão contraditório, constituído por uma enorme parcela de gente que rasteja à beira da miséria e da indigência intelectual. Euclides da Cunha, aquele jornalista inocente e lunático, mostrou-me os sertões, a paisagem mais precisa de uma terra, de um homem e de uma luta. E ai, com os pés fincados no chão de nossa terra, conheci o místico José Lins do Rego, o atormentado Graciliano Ramos e o fanfarrão Jorge Amado. Entre eles, e acima de todos, dei ouvidos aos versos impertinentes e desarrazoados de Oswald de Andrade, esse pária que foi capaz de macular a última flor do lácio ao insinuar que havia beleza no jeito grosseiro do povaréu falar, cantar e contar suas histórias.
Assim desse jeito, como um entre tantos vadios, caminhando e cantando, seguindo rebeldes indecentes, Chicos, Elises, Belchiores e Seixas, petulantemente, vejam só, quis que o pai afastasse de mim esse cale-se. Aos trancos, barrancos e versos, Drummond, o menino indisciplinado expulso do colégio por desacatar o nobre professor de português, ensinou-me que eu vivia em um tempo em que não adiantava morrer, a vida era uma ordem, a vida apenas, sem mistificações. E foi o alcoólatra Vinícius que me apresentou a mim mesmo como um operário em Construção. Clarice, Lispector e louca, abriu as portas para os perigos da introspecção, adornada com a musicalidade da depressiva Cecília Meireles e do suicida Fernando Pessoa. Este levou-me definitivamente a perdição. Aprendi com ele que não sou nada e que jamais serei alguma coisa, mas, a parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. E com todo o direito a tê-los. Ouviu, com todo direito a tê-los!
É claro que me encontrei com muitos outros deploráveis profanadores do sagrado, indesejáveis e abjetos intelectuais que fizeram da Filosofia, da Sociologia, da História, das Ciências e das Artes exercícios de fé e de militância. Em sua perversidade descomedida, muitos deles ousaram e ousam questionar a verdade inalienável do mundo aparente, tentando-nos convencer de que existem mais coisas entre o céu e a terra do que as nossas perfeitas e santas telas das tevês possam demonstrar. Essa gente é culpada. É gente pretenciosa, que provoca a confusão e promove o mal. Shakespeare, Vitor Hugo, Gogol, Dostoievski, Máximo Gorki, Brecht, Neruda, Orwel, Freire, Steimbeck, Geraldi, e esses quixotes todos, com suas palavras e pensamentos sem controle, acabam alargando as fronteiras da percepção e, perigosamente, nos fazem delirar, pensar nossas condições existenciais e sonhar com mundos impossíveis.
Confesso que eu não gostaria de ser um petista idiota. Gostaria muito de não ter sido vítima das más companhias. Se eu tivesse sido convertido por um pastor da universal do reino de deus ou por um padre carismático, se eu me tornasse um fiel pagador de dízimos e tivesse a certeza inabalável de que seria um dos escolhidos para entrar pelas portas do reino dos céus como recompensa pela minha mansidão e resignação, provavelmente eu não seria um esquerdopata. Se eu tivesse sido convertido por alguém que detém os segredos do mistério da vida, certamente eu seria um homem de bem, assistiria a Globo, leria a Veja, iria a missa ou ao culto, oraria pacífico em meu canto, idolatraria o magnânimo Deltan Dallagnol, louvaria o santíssimo Sérgio Moro e também odiaria esse povo do mal, essa gente que quer viver às custas do estado, que não gosta de trabalhar, que anda de vermelho e defende ladrão.
Mas eu não fui convertido. Meus mestres eram do mal. Tornei-me um doente, um petista idiota, um esquerdopata. E agora, com a prisão do maior líder popular que esse país já teve, mais do que nunca defendo o meu direito de ser um doente e de viver minha doença. Mais do que nunca defendo Lula, vítima de um processo político kafkiano. Mais do que nunca tenho a certeza de que as forças de esquerda estão se fortalecendo e que em breve retomaremos o caminho da reconstrução do estado democrático de direito. Mais do que nunca tenho a certeza da necessidade da luta radical em defesa da escola e da universidade públicas e gratuitas, em defesa da saúde de qualidade, de políticas de moradia, de geração de empregos e de valorização do trabalho. Mais do que nunca tenho a certeza de que iremos construir o caminho para o controle popular dos meios de comunicação, para o fortalecimento das relações democráticas, para o avanço tecnológico, para a industrialização, para o cuidado ambiental, para a distribuição de riquezas e para soberania nacional. Em minha idiotia, sonho, e vou ajudar a construir incansavelmente, uma sociedade em que se vive e se deixa viver, cada um em suas singularidades e diferenças.
Sou um petista doente e continuarei sendo, queiram ou não os sadios, os inteligentões, aqueles que caminham com Bonners, com Leitões, com Sardembergs, com Boecharts, com Dórias, com Ronaldinhos Gaúchos, com Pastores, Franscischinis e Bolsonaros…
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(Comentário de Wanderley Geraldi) Cheguei a este texto do amigo Sebastião, um dos muitos meus queridos ex-alunos, professor de escola pública de Campo Largo-PR e um líder sindical, através do blog de outro amigo, este muito mais meu professor, o Pedro Elói (http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/04/petista-doente-sebastiao-donizete.html). Imediatamente escrevi um comentário que saiu publicado como escrito por um “desconhecido”: é que não consegui preencher dados exigidos para ser identificado no blog do Pedro Elói. Mas também escrevi imediatamente ao Sebastião pedindo autorização para republicar seu texto no meu blog. E ele autorizou. Junto com a publicação aqui, vão dois agradecimentos: pela autorização para publicar e pela referência que faz a mim, numa lista que muito me honra.
Neste momento, Lula, expresso e dedico os meus cumprimentos profundos e meus sentimentos de solidariedade compartida das dores e dos sofrimentos de que você é vitima, impostos pela sua condenação e prisão políticas injustas, determinadas pelas elites fascistas do neoliberalismo golpista e antidemocrático, imposto aos brasileiros pela leniência das forças dos poderes executivo, legislativo e judiciário, protegidos pelas forças militares.
O exemplo mais marcante e altivo de sua vida pessoal e social, Lula, é a identidade e a marca de engajamento e de luta persistente, virtudes verdadeiras e legítimas de um intelectual orgânico combatente das classes trabalhadoras, sem temor e tremor de cabeça sempre erguida, encarando de frente os nada santos inquisidores.A herança característica mais elevada e enérgica que você produziu e deixa ao povo brasileiro é o sentimento da justiça e uma ânsia de transformações sociais e de vida melhor para as classes sociais mais pobres do Brasil e do mundo – uma verdadeira e legítima revolução mental, uma consciência social.
Você, Lula, mesmo sem curso superior universitário, chegou, pelo processo democrático, ao cargo de presidente do Brasil por dois mandatos e criou e instalou a maior quantidade de universidades e campus universitários públicos da história do Brasil. Assim, você abriu as portas das universidades públicas gratuitas para milhões de jovens das classes trabalhadoras mais baixas e excluídas até então das universidades, possibilitando o estudo e a educação aos indígenas, aos afro-brasileiros, aos trabalhadores rurais, às empregadas domésticas e a milhões de jovens das camadas sociais mais pobres, até então impedidas de acessar ao ensino superior. É claro, além dos inúmeros e vitais programas sociais, qualificando e melhorando em muito a vida de milhões de brasileiros.
Para compreender em profundidade os elementos essenciais e as forças que determinaram a sua condenação política jurisdicional, Lula, é preciso fazer um exame arquitetônico da nossa sociedade neoliberal – a estrutura econômica da ditadura do capital rentista, a superestrutura ideológica, política, cultural, institucional – pelo método dialético da análise de conjuntura. Trata-se de correlação de forças de luta de classes sociais em que as contradições precisam ser examinadas com rigor metodológico dos atores e suas relações no todo social e não apenas dos personagens individuais. É preciso examinar e analisar a totalidade dos fatos e dos acontecimentos na rede das relações e correlações de forças dos múltiplos grupos em luta pela hegemonia – direção política consentida.
Você, Lula, encarou, enfrentou e combateu com coragem e persistência na condição de operário metalúrgico, líder e intelectual sindicalista, político por três vezes candidato antes de ser eleito e reeleito presidente do Brasil. Continua combatendo com mais força e coragem agora o golpe do impeachment de Dilma e do vergonhoso movimento do bloco no poder para impedir sua candidatura pelos próximos 12 anos. Primeiro, veio a condenação, depois buscaram e inventaram crimes sem conseguir as provas.
No campo de batalha você encarou e enfrentou exércitos de inimigos poderosíssimos de altos comandos estrangeiros e nacionais – capital estrangeiro aliado ao capital nacional, o império rentista – o bloco no poder, com destaque para o pirata Temer e os papagaios de pirata, os ministros temporâneos e os senadores e deputados aliados na conspiração do senado e da câmara, enfrentou com coragem e altivez os juízes, desembargadores e ministros da justiça politizada, e, com coragem ainda mais elevada, encarou a mídia – discursos arrasadores contra a Globo. Esta sua vontade, a continuidade e persistência de atos responsáveis energiza os movimentos sociais contra a hegemonia do neoliberalismo privatizador do PSDB e seus aliados. A sua vida de combatente é um valoroso incitamento aos protestos e à organização dos movimentos sociais e políticos das massas populares do Brasil contemporâneo contra as elites do bloco no poder.
Assim, Lula, mesmo no cárcere a luta continua. Isso é alentador.
Antecipando os vídeos que virão, revisitamos o especial de “O mundo segundo Ana Roxo” com o Wanderley Geraldi. Não só porque o canal é sensacional, mas também porque é boa hora para trazer a energia do encontro.
Então, com a licença de Ana (e da Tati), compartilhamos seu mundo com os leitores do Blog.
E, claro, vale muito a pena visitar o canal do programa. Confira em:
Nos prometeram o retorno dos investimentos, depois do impeachment: não vieram. Nos prometeram o mesmo, depois da Reforma Trabalhista: não vieram. Nos prometeram mais uma vez, o mesmo, depois da condenação de Lula: não vieram. Nos prometeram outra vez assim que Lula fosse preso: certamente, agora virão os descalabros, os desaforos, as imputações injustas, as conversinhas de controladores de voo, tudo sob as bênçãos do Judiciário e da Polícia. Mas os investimentos e a retomada do crescimento ficarão para depois… das eleições que não existirão.
O progresso não veio, mas veio a desordem, a destruição total das instituições, o desmanche das empresas públicas, a venda descarada do patrimônio nacional. Terreno preparado para uma explicitação da noite tenebrosa que nos caldeirões da bruxaria estão cozinhando com pressa.
O desemprego cresceu, mas a Rede Globo bombardeia: a indústria cresceu como nunca! Moro (no sentido de habito, não do juiz) numa cidade razoavelmente grande para os padrões brasileiros. Suponho que os novos empreendedores das esquinas e ruas que tudo vendem, estão esperando os empregos prometidos pelo condutor do austerocídio brasileiro. Aquele que disse que ser Presidente da República é seu destino: o fantasma vetusto e ultrapassado Henrique Meirelles!
Sabem que dirão agora? Que nada veio porque não se fez a Reforma da Previdência!!! O golpe veio porque havia desequilíbrio fiscal… e agora há o quê? Vão inventar alguma forma de expressão para o rombo atual, ao estilo do governador Geraldo Alckmin, de um partido que governa São Paulo há quase trinta anos sem fazer qualquer investimento em captação de água. Quando faltou, não houve racionamento – embora nas torneiras da periferia ela só aparecesse uma vez por semana. O que havia, segundo o Picolé de Chuchu era uma “crise hídrica”. O rombo atual se chamará como? Eis uma sugestão: “a arrecadação não reagiu como esperado”. Assim, ao mesmo tempo que desaparece esta coisa de chamar de rombo, de desequilíbrio fiscal, a gente usa uma expressão que faz lembrar os tempos de urubólogo de Sardenberg na Rede Globo, que previa a catástrofe para amanhã, e no dia seguinte dizia: “o mercado não reagiu como esperado” porque tinha vergonha de dizer “como desejado por nós!” Hoje ele não é mais urubólogo, está cheio de encômios para tentar cobrir o sol com peneira.
E enquanto eles fazem tudo isso, levando de roldão a todos, a esperança renasce e tem endereço na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba. Para desespero da ditadura jurídico-midiática armada pela polícia, a prisão abriu as porteiras para a liberdade de sonhar apesar da tenebrosa noite que nos impõem e continuarão a nos impor por um bom tempo, infelizmente, porque novos Lulas nascem diariamente neste país.
ps. Impossível não compartilhar este texto do historiador e professor da Universidade Federal da Bahia, Rodrigo Perez Oliveira. Fica a sugestão:
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