por Cristina Batista de Araújo | abr 23, 2018 | Blog
A reforma do ensino médio tem sido uma verdadeira queda de braço entre órgãos governamentais e grupos da sociedade. Trata-se de uma mudança na estrutura do sistema atual do ensino médio que propõe a flexibilização da grade curricular para, segundo texto do documento, “aproximar o ensino médio e a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”, sobretudo para permitir que cada um siga “o caminho de suas vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho”.
No contexto do processo de industrialização, o fato de as crianças serem encaminhadas às escolas a fim de receberem formação profissional para depois serem integradas ao trabalho significou, à época, uma estratégia para a redução da pobreza. E tal processo fora apreciado por Toffler (1970, p. 393) que, ao abordar a passagem que as crianças fariam das escolas às fábricas, afirmou se tratar de um problema extremamente complexo e questionou “como preadaptar crianças a um mundo novo de trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio”. Para aquela situação, a solução vislumbrada estava em um sistema educacional que, “na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo”. Por isso, a ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica), foi uma demonstração da lógica pensante industrial.
O que Toffler (1970) explicitou foi que o sistema educacional serviria, no contexto de industrialização, para alavancar o processo de desenvolvimento pelo qual a sociedade passava. Mas, ainda hoje, essa é uma questão muito controversa. A maneira como a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Reforma do Ensino Médio ainda em curso tratam a relação entre a educação e o mundo do trabalho é alvo de muitas críticas e uma delas se deve à concepção de que o ensino médio seja a etapa final da educação básica, cuja terminalidade culmina em termos de profissões técnicas. O saber pensar pode não ser profissão, mas se não for considerado no contexto da renovação permanente, não haverá profissão moderna que subsista.
Há, nas estratégias governamentais, a estratégia de afirmar que um país só pode desenvolver-se por meio da educação e, mais especificamente, em razão do professor. O fato é que, por mais que não seja totalmente aceitável, há uma associação da educação ao processo de desenvolvimento de um país, e tal posicionamento é totalmente explícito na produção de sentidos. Não se trata de questionar o porquê da escolha desta construção discursiva, mas, sabe-se que o desenvolvimento de um país não depende exclusivamente do desempenho de uma única área, tampouco da atuação de um único profissional.
Outra coisa é que desenvolvimento nem sempre é o signo que dialoga com os ideais da educação, provavelmente pela relação histórica que se faz entre desenvolvimento e sistema social capitalista, muitas vezes considerada como perniciosa e avessa aos valores humanos. Na prática, o educador é convocado a fazer de sua função um instrumento para a construção de relações humanas cuja força não seja proveniente apenas dos feixes de dominação e obediência.
TOFFLER, A. Choque do futuro. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1970.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por Mara Emília Gomes Gonçalves | abr 19, 2018 | Blog
Para atrair mais leitores vou começar dizendo que não vou falar do Lula, assim os desafetos poderão ler, mas talvez essa seja apenas uma estratégia para falar sem dizer, ou não escrever, mas não deixar de sentir. Nem tudo que escrevo tem verdade, e tem, porque sinto.
Sigamos, porque o argumento deste texto é dos melhores, talvez eu que não esteja à altura dele, mas atrevida que fenotipicamente sou, escrevo!
Dona Ivone Lara nos deixou no mesmo dia em que Paul Singer. Uma data já entristecida pela situação, pelas certezas e incertezas de que o amanhã pode ser maior. Dois grandes, dois enormes. Duas biografias irretocáveis, de contornos suaves, dados pela generosidade: de uma gente que se dá tanto.
Ivone morreu e me reativa a necessidade de escritura. Explico. A figura já lendária que conhecemos é a da compositora que enfrentou uma sociedade entremeada de racismo e machismo para fazer com excelência seu samba…
“Alguém me avisou
Pra pisar nesse chão devagarinho
Alguém me avisou
Pra pisar nesse chão devagarinho”
(Alguém me Avisou, Ivone Lara)
E assim cantando, a música vai se parecendo com a proposta de Singer, de um socialismo que se aprende no dia a dia, que se arrisca no capitalismo traiçoeiro, por meio de uma economia solidária, de arranjos colaborativos, de uma redistribuição de renda, pisando devagarzinho em terreno perigoso.
A dama do samba também pisou devagar, por entre rodas de compositores de samba, e assim passinhos certos no compasso, eternizou em suas canções o sentimento, a história, a resistência, as dores e, de forma mais que especial, a alegria de um povo negro que insiste em sambar, em fazer poesia, em ter direito a sonhar.
Essa história linda, que transforma dor e preconceito em luta num período recente de pós escravidão – vamos entender que Dona Ivone nasceu 33 anos após abolição da escravatura – não é uma história que temos acesso todos os dias. Muita ousadia, ou como diriam os ex-donos de negros e negras: insolência! Tornar-se enfermeira e assistente social, trabalhar em um dos setores mais elitistas e discriminatórios até hoje que é a área médica, sobretudo a de atendimento ambulatorial é não entender, entendendo seu lugar no mundo. Arrepiante!
E aí saber que sua prática próxima, ou melhor, mergulhada na realidade material, é de uma humanidade sem igual. A partir dessa história, que me foi dada a conhecer apenas agora, por ocasião de sua morte, eu só vou exemplificar o poder transformador e revolucionário do saber com essas ações da nossa Dama Negra: buscar incansavelmente as famílias dos negros e negras que eram recolhidas nas ruas e que seriam de forma compulsória enviados para os hospícios com a finalidade de higienização social.
Muita gente não entende, talvez por que não queira, a necessidade de criar oportunidades. Ivone e Paul Singer entendiam, e eles não servem de exemplo para os que podem supor que fizeram suas oportunidades sozinhos, o que é em partes verdade. A questão é que o ponto de contato com a dor e a desumanização das pessoas constituiu nesses dois fenômenos uma força reversa.
Ofereceram a Paul Singer o que de pior a humanidade poderia produzir: o holocausto. Ele respondeu com inclusão e amor, alimentar os que têm fome, dividir e diminuir para somar e multiplicar. Criar laços que não perpassassem por etnia, cor e poder.
Para Ivone Lara a negação de nossa ancestralidade, o apagamento de nossas histórias, a brutalidade, a violência, o assassinato ou posterior descarte “ao próprio azar” depois de sistêmicos crimes foram combatidos com samba, resgates, muita poesia e narrativas.
É um texto triste esse de hoje, mas ao mesmo tempo é um texto que fala de esperança, e essa não pode ser dada assim facilmente, então é preciso mesmo que a gente se permita tocar, conhecer e pisar nesse chão devagarinho. As histórias destes dois ícones revelam que a esperança não dorme em berço esplêndido, e talvez a esperança exija de nós outras lutas, força e sensibilidade como diz a canção:
“Força da imaginação, vai lá
Além dos pés e do chão, chega lá,
O que a mão ainda não toca
Coração um dia alcança
Força da imaginação, vai lá”
(Força da Imaginação, Ivone Lara)
Mara Emília Gomes Gonçalves escreve neste blog às quintas-feiras.
por José Kuiava | abr 18, 2018 | Blog
“Missão cumprida”. Assim proclamou descaradamente Trump, perfidamente orgulhoso da ordem militar cumprida com pleno sucesso, após a brutal, bárbara e covarde destruição da Síria, com mísseis nucleares poderosos devastadores, jamais usados numa guerra até então. Uma ordem covarde sem limites. Trump não ordenou bombardear o seu poderoso inimigo na casa do rival – a Rússia – mas destruiu a frágil e conflituosa casa de terceiros – a Síria – para botar medo no Putin. Com certeza, se bombardeasse a Rússia, o revide poderia vir em dobro, desastroso para a vida dos humanos e a vida do planeta. Ou, o mais provável é que Putin teria implodido ou derrubado os mísseis de Trump antes deles chegarem em terra russa. Trata-se de duas potências atômicas rivais históricas em disputa. Trump, com este ato de violência e covardia, está provando para o mundo, cada vez mais caótico, que não aprendeu e que não quer aprender as lições da história. O suposto ataque químico atribuído à autoria de Bashar al-Assad foi a razão do bombardeio e da destruição de uma área sob controle dos rebeldes da Síria. Há indícios reais que o ataque químico foi uma simulação intencionalmente inventada para Trump ordenar e justificar o ataque perante o mundo.
As terríveis e trágicas experiências bélicas da história – as invasões, as conquistas e as guerras devastadoras mundiais – não foram suficientes e hoje são impotentes de botar medo e impedir as potências militares que dominam o mundo de ordenar ataques, invasões, bombardeios, destruindo países e nações, matando e mutilando milhares – senão milhões – de crianças, jovens, mulheres,trabalhadores e cidadãos inocentes, totalmente indefesos.
As velhas barbáries que macularam a história parece que estão cada vez mais vivas e poderosas, alimentando e energizando novas barbáries – tragédias humanas e bioecológicas jamais vividas. E pior, comandam a guerra por força do velho e fatídico provérbio latino dos tempos do império de Publius Flavius, que continua poderoso e em pleno uso real: “si vis pacem, para bellum”. Para aqueles que não têm muita afinidade com o latim, fica a tradução literal: “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Por conta e força deste dístico, impérios, países, nações, estados, governos e sociedades civis, nos últimos milênios, inventaram e construíram armas com potencial destrutivo sem limites.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a estratégia do “si vis pacem, para bellum” mudou: veio o período histórico da guerra fria, denominada também de “Paz Armada”. O que é que estava em jogo após a morte de milhões de pessoas e dos destroços pelos bombardeios atômicos? Estava em jogo a disputa da hegemonia política, econômica e militar entre os Estados Unidos e a União Soviética – antes e agora, Rússia. Em fim, estava em jogo a disputa entre o capitalismo e o socialismo. Este, o socialismo muito assustador porque em plena ascensão – um estado constituído por um regime de governo comunista e um sistema de produção socialista. Os dois países estavam armados de mísseis nucleares com potencial atômico. Não convinha deflagrar guerra militar. Não haveria nação vitoriosa, mas duas potências mundiais arrasadas. Aí, então, deflagrou-se a chamada “guerra fria”. Santa ingenuidade!
Mas nem por isso, as duas potências bélicas deixaram de inventar, construir e produzir armas poderosas. As armas viraram mercadoria altamente produtiva e lucrativa. Para garantir a paz, era necessário produzir armas. Houve investimento altíssimo na pesquisa científica e tecnológica na invenção e produção de armas. Para vender mais e com sucesso, precisava inventar terroristas com seus terrorismos – o presidente Saddam Hussein, Bin Laden… – lutas ideológicas de aliados ou de inimigos de cada uma das potências. A melhor propaganda é inventar e simular terrorismos e possíveis guerras. Assim, eram e continuam sendo vendidas muitas armas. Todos os países, todas as nações passaram a se preparar para a guerra. É claro, com o desenvolvimento da ciência e da pesquisa para o armamento, muitas coisas boas foram inventadas e produzidos para a humanidade: avanços tecnológicos na indústria, na medicina, na agricultura, conquistas espaciais – ida espacial do homem em volta da terra, ida do homem pra lua, satélites para outros planetas, a tecnologia virtual planetária, da qual a humanidade de hoje virou escrava.
Se tivéssemos que responder a pergunta: quanto produz a “paz armada”, hoje, nos países do sistema capitalista neoliberal, o que responderíamos?
E o Brasil, quanto investe e quanto dinheiro gasta de todos para “estar preparado para a guerra”? Quanto custam os quartéis e as bases militares dos quartéis do exército, da marinha e da aeronáutica, o salário das dezenas de coronéis e marechais; dos milhares de majores, oficiais, sargentos e cabos; dos milhões de soldados, todos treinando dia e noite combates e guerras com inimigos fictícios e imaginários, com armas de todo tipo, revólveres, fuzis, metralhadoras, canhões, tanques, aviões, navios, submarinos…?
Tudo por conta do “si vis pacem, para bellum”.
José Kuiava escreve neste blog às quartas-feiras
por João Wanderley Geraldi | abr 17, 2018 | Blog
Como os tempos Trump/Marcon/May não estão para peixe, fui ao meu manual AQUI JAZ – O LIVRO DOS EPITÁFIOS (Aran & Castelo, Editora Ática, 1996) procurando como deixar algo nas lajes dos cemitérios. Como sabem, não acredito que teremos uma 3ª. Guerra Mundial – apesar de a TV Russa ter transmitido aos cidadãos para que se preparem para tal – mas que continuaremos a ter guerras localizadas.
Como os mísseis estão sobrando nos armazéns norte-americanos e como é preciso manter a produção de novos mísseis, e como o Oriente Médio deixará de existir em pouco tempo, quando restarão na região apenas as empresas de extração de petróleo e seus empregados, ajudados por alguns pastores de cabras sobreviventes nas montanhas e nos desertos, haverá necessidade de encontrar outra “região conflagrada”. E as candidatas óbvias serão a África e a América Latina.
Como a África não tem mais o que oferecer além do que já é norte-americano – minas de diamantes e poços de petróleo – e como a população por lá está sendo deixada a morrer de fome, sobrará a América Latina.
A questão é que os trumps atuais e os futuros não poderão dizer que por aqui haja armas nucleares – como se sabe, foi encontrado um arsenal de armas nucleares no Iraque, tanta arma quanto o tamanho do nariz de Pinóquio do Bush – eles terão que justificar de outra forma a destruição. Bom, há por aqui “energia nuclear”, embora eles já tenham tomado providências a este respeito ao mandarem prender o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, mas sempre restará uma mentirinha qualquer para gastar mísseis por aí!
Na região, talvez ainda escapemos porque a elite brasileira já está entregando tudo de mão beijada, se cagando de medo que os seus patrões fiquem insatisfeitos. Como o monstro – tal um Minotauro moderno – é insaciável, estamos sujeitos a tudo e mais um pouco. Antes dos bombardeios por cá, farão uma retirada estratégica de alguns serventuários ainda úteis, mas aqueles que já se tornaram inúteis, já prestaram o serviço, ficarão aqui, como FHC, Dallagnol, Moro e outros muitos.
Diante disso, vamos a epitáfios possíveis:
Para Aécio Neves, o Mineirinho das cadernetas:
Estou morto.
Embora, como respeito todas as correntes religiosas, tenho de aceitar a reencarnação como um fato. Assim sendo, diria que estou temporariamente morto. Como a lógica diz que ninguém pode estar temporariamente morto, posso afirmar categoricamente que estou vivo. Portanto, não posso estar morto. Por outro lado, não tenho maneiras de contestar o estado em que me encontro. Logo, estou morto. Mas como acredito na existência da vida eterna após a morte, afirmo que estou, na verdade, vivo.
Ou seja: morto.
Mas há alternativa mais curta à lógica com que o Mineirinho vem se defendendo das delações, um epitáfio curto e grosso:
Dos pós ao pó.
Para José Serra
Arra! Aposto que vocês estão falando mal de mim!
Para Henrique Meirelles
Já fui fantasma em vida.
Para Geraldo Alckmin
Enfim, derretido
Para Marina Silva
Aqui jaz Marina da Silva que tinha um gênio difícil, foi religiosa e acabou escabrosa.
Para o Dr. Angélico Sérgio Moro
Enfim, justiça!
Para Deltan Dallagnol
Deus, este lugar é pequeno para nós dois.
Para Gilmar Mentes
O céu está cheio de anjos reincidentes
Para a cegonhóloga Eliane Cantanhêde
Esta massa é cheirosa
Para William Bonner
Esse verme não é uma gracinha?
Para Fernando Henrique Cardoso
Morri, presumo
Para Alexandre Frota
Pornô, agora, só nos quintos dos infernos
Para Jair Bolsonaro
Se você é a favor da pena de morte, assine aqui
Etc. etc. etc…
por Cristina Batista de Araújo | abr 16, 2018 | Blog
Revirando alguns documentos de meus arquivos pessoais, encontrei o registro de uma campanha publicitária realizada pelo Ministério da Educação, no ano de 2009, que tinha como finalidade valorizar o papel do professor. Na primeira quinzena de outubro daquele ano, uma propaganda passou a ser veiculada com o objetivo de afirmar a importância do professor para o desenvolvimento do país. Transcrevo:
“A base de toda conquista é o professor
A fonte de sabedoria, um bom professor
Em cada descoberta, cada invenção,
Todo bom começo tem um bom professor.
No trilho de uma ferrovia,
No bisturi da cirurgia,
No tijolo da olaria,
No arranque do motor,
Tudo que se cria tem um bom professor.
No sonho que se realiza,
Cada nova ideia,
No que se aprende, o que se ensina,
Uma lição de vida, uma lição de amor,
Na nota de uma partitura,
No projeto de arquitetura,
Em toda a teoria,
Tudo que se inicia,
Todo bom começo tem um bom professor.”
Foi bem impactante retornar a esse material, em pleno ano 2018 e diante de todos os deslizamentos e terremotos já enfrentados. No cenário de reformas educacionais, o que geralmente acontece é que as leis são feitas, os regulamentos são elaborados, os livros didáticos são preparados, mas o que parece ser ignorado é o fato de que o professor é que tem que gerenciar tudo isso, e se ele continua desenvolvendo a mesma prática ao longo de sua vida, então dificilmente haverá mudanças que transformarão a fundo a tarefa educacional.
O professor é uma peça fundamental no funcionamento da escola, e se sua função não mudar, não será possível qualquer reforma educacional. Mas, a tendência é ocorrer uma adaptação de novas regras às mesmas práticas e, assim, as rotinas permanecem. Qual, então, seria o papel do professor nas instituições escolares?
Em uma orquestra, o maestro age como intermediário entre o compositor e os músicos, conduz a leitura objetiva e expressiva de uma partitura a ser executada. Para isso, espera-se dele total dedicação em torno do estudo de cada obra, para que então desenvolva seu papel de conselheiro artístico e técnico de uma apresentação musical. Além disso, o maestro precisa conhecer a função de cada instrumento e fazer sugestões de interpretação com linguagem apropriada; deve apropriar-se da partitura para poder olhar os músicos enquanto rege. Mas quem de fato executa uma peça musical, valendo-se de seus conhecimentos, são os músicos e seus instrumentos.
No cenário escolar, é o professor quem faz o papel de intermediário e, de antemão, é preciso ter em mente que ele não ensina, pois a fala com rigor é apenas uma ilusão de que se está ensinando. O maestro se ocupa de organizar a execução de um trabalho que, a rigor, será realizado por cada membro da orquestra. E o que fazemos, como professores, é estabelecer as condições para que os alunos aprendam através de sua própria atividade, uma vez que o conhecimento deve ser construído pelo próprio sujeito.
A grande questão é que esse papel do professor não é concebido na mesma medida em que se pensam reformas educacionais: ele se torna o gestor de livros, gerente de atividades e aplicador de provas. Na maior parte do tempo, não possui as condições e os meios necessários para modificar suas práticas.
Não se muda a educação alterando apenas os meios e as regras. Assim como, não se realiza um recital, por melhores que sejam os instrumentos musicais, se não houver músicos capazes de produzir as melhores melodias.
Mas, ao contrário do que se deveria, as reformas educacionais são postas abaixo e o professor parece ser o ponto menos relevante nas pretensas transformações. Exige-se que ele adote certas concepções, execute um modo de gerenciar suas classes, e que gradualmente se responsabilize por insucessos de um arranjo fracassado em sua concepção. Não há como negar, por exemplo, que a implantação da Base Nacional Comum Curricular esteja fortemente vinculada à política de avaliação em larga escala, e mais, que ela explicite uma disputa por noções de currículo defendidas por grupos acadêmicos com grandes interesses orçamentários.
Como já escreveu Alcântara e Stieg (2016), o que se pretende, em sucessivas políticas educacionais, é “conformar práticas, subjugar o trabalho dos professores em suas diferentes áreas a prescrições e as aprendizagens dos estudantes a uma perspectiva didático-pedagógica monológica/monofônica”.
ALCÂNTARA, R.G. e STIEG, V. “O que quer” a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Brasil: o componente curricular língua portuguesa em questão. Revista Brasileira de Alfabetização – ABAlf. Vitória, ES. V. 1, n. 3, p. 119-141, jan./jul. 2016.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | abr 15, 2018 | Blog
A canção da fome, Georg Weerth (Alemanha)
Prezado senhor rei,
Sabes a notícia grada?
Segunda comemos pouco,
Terça não comemos nada.
Quarta sofremos miséria,
E quinta passamos fomes;
Na sexta nos fomos –
Não se aguenta quem não come!
Por isso vê se no sábado
Mandas cozer o pãozinho,
Senão no domingo, ó rei,
Vamos comer-te inteirinho!
(Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o futuro. Porto : Assírio & Alvim, 2001)
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