“A culpa é da greve dos caminhoneiros”

“A culpa é da greve dos caminhoneiros”

– Senhor Temer, por que o povo brasileiro passou a temer tanto o astronômico custo de vida da crise do Brasil pós-greve dos caminheiros e passou sofrer tanto, apavorado dia e noite sem parar?

– Minhas preclaras e meus preclaros, eu já tenho dito em alto e bom tom, a culpa é da greve dos caminheiros. Esta é a grande, a única e a irretocável verdade. Creiam-me, sempre, acreditem na minha palavra, sem duvidar.

– É? E por que a gasolina, o óleo diesel e o gás de cozinha não baixaram de preço do jeito que foi acordado com os caminhoneiros e do jeito que foi prometido desavergonhadamente  por você a todos os brasileiros?

– Pois eu lhes digo e torno a dizer sempre, com muito orgulho, a culpa é da greve dos caminhoneiros.

– Ah, sim, é por isso que o dólar sobe tanto todos os dias, que já está nas alturas celestiais – no cume dos quatro reais – fazendo subir os preços de tudo que é necessário e vital para a sobrevivência dos brasileiros, causando medo e desespero incontroláveis? Sei! E como não consegui saber antes? Quanta ignorância, quanta burrice minha: o dólar virou a arma mais poderosa do mundo no Brasil contra os brasileiros. É a arma poderosa e indestrutível. Não há ciência, nem tecnologia, nem organização social que possam abater e destruir seu poder. O dólar virou dinamite: explode os preços, faz subir tudo com ele, só não faz subir os salários dos trabalhadores. Está certo, lá no alto as coisas ficam mais bonitas, mais puras e limpas. O mundo visto do alto é maravilhoso, só que para poucos, somente alguns selecionados conseguem chegar lá no alto por força de malas cheias de dólares. A grande maioria, quase a totalidade dos brasileiros, fica aqui em baixo rastejando, padecendo os efeitos dolorosos e terríveis dos poucos e escondidos doleiros – espoliadores e esbulhadores – que permanecem lá no alto do Planalto, vão e voltam de avião. Como o senhor, sempre temeroso,  pousando de mordomo da nobreza, explica este caos, esta tragédia brasileira?

– Antes e acima de tudo, “iluminado por Deus”, com toda minha modéstia e humildade, eu continuo acreditando na mais alta verdade e digo a todas e a todos: a culpa é da greve dos caminhoneiros.

– Então, por que você desistiu de ser candidato à presidente do Brasil?

– Por culpa da greve dos caminhoneiros, quando descobri que teria menos de 1% dos votos dos brasileiros. “Iluminado por Deus”, como sempre, percebi que deveria deixar de ser candidato. Renunciei em nome do meu grande e sempre amigo, o guapo e poderoso Meirelles.

– E por que será que o senhor e o Meirelles têm menos de 1% de eleitores?

– Ah! O grande culpado é a greve dos caminhoneiros. Uma pequena minoria fica falando tempo todo que o Brasil está indo à deriva. Ficam falando que eu, os meus ministros e os políticos que me apoiam somos incompetentes. Corruptos! Que horror!

– E por que o seu Parente saiu da Petrobras?

– Por culpa da greve dos caminheiros! Ele foi um cara exemplar, um exemplo de competência e capacidade. Só atendia os interesses dos acionistas da Petrobras e do petróleo globalizado.  Mais ninguém.

– Então, me diga Temer, quem inventou e é responsável por esse tamanho astronômico dos impostos sem fim, que nós, os trabalhadores e consumidores, pagamos e da dívida pública devoradora dos bens comuns e de todos?

– A greve dos caminhoneiros, já falei tanto!

– Temer, por que os policiais e os militares estão empurrando os seus veículos, os carros blindados, os tanques para ir ao trabalho? E os alunos, empurrando os ônibus escolares no clarear dos dias quando vão para a escola? E os doentes, os enfermeiros e os médicos empurrando as ambulâncias? Hem, Temer, porque?

– A greve dos caminhoneiros é culpada de tudo isso. Uma lição superfácil.

 

Bem, vamos deixar o mordomo Temer e passar para o cenário da mídia hegemônica e conferir o que ela escreve, fala e exibe diuturnamente.  Segundo ela, a mídia, milhões de frangos, de porcos, de bois, já morreram e vão continuar morrendo de fome por culpa da greve dos caminhoneiros. Os produtores terão prejuízos de bilhões de reais em poucos dias pelo Brasil a fora por culpa da greve dos caminhoneiros. O Brasil terá prejuízos de bilhões de reais porque não conseguiu exportar carne de frango, de porco, de gado; o Brasil deixou de fornecer soja, milho, açúcar e muitos outros produtos em matéria-prima… por culpa da greve dos caminhoneiros. Tudo o que está ruim, que está mal no Brasil pós-greve é da culpa dos caminhoneiros, segundo a mídia. Ainda outro dia um amigo meu me contou que  escutou a conversa no apartamento vizinho, muito íntima.

-Benzinho, já estamos mais de duas horas nos abraçando, beijando, totalmente nus na cama e nada ainda? O que é que está acontecendo? Fale, benzinho, sem mentir.

– Meu amor, a culpada é a greve dos caminhoneiros.

E agora Brasil, mais greve dos caminhoneiros?

E por que só dos caminhoneiros?

Os caminhoneiros mostraram o poder de guerra que possuem, quando unidos – parar o Brasil – contra as tragédias de acertos do Governo Temer com uma elite restrita, escondida nos bastidores e no subsolo do palco da história.

 

 

Lula: perseguição política escancarada pela desculpa teológica da PF

Lula: perseguição política escancarada pela desculpa teológica da PF

Nesta segunda-feira tivemos mais uma oportunidade para ficarmos envergonhados do Brasil de hoje, de seu injusto judiciário e da polícia federal da república de Curitiba. É de enrubescer e querer se esconder do mundo ao ouvir a entrevista de Juan Grabois, assessor do Papa Francisco, que agendou e veio a Curitiba para visitar e entregar a Lula o rosário que lhe mandou o Papa.

Os “teólogos” policiais federais que atenderam e impediram a visita de Juan Grabois alegaram a impossibilidade de corroborar que se tratava de uma visita “espirtual” porque Juan não é um padre…

Todos nós poderíamos ter ficado sem essa! Afinal, nossa polícia poderia ao menos ser um pouco mais inteligente ao alegar suas razões à perseguição que move, comandada pelo Judiciário, ao presidente Lula. Que dissessem qualquer coisa, como o que disseram de que havia “ordens superiores” para não permitir a visita. Que ficassem nisso!!! Não explicitassem desconhecimento completo da teologia católica. Porque aí nossa vergonha seria apenas aquela se sabermos publicamente e confessadamente que há um preso político no país e que há perseguição política no país, já que isso é de conhecimento internacional. Mas, acrescentar a isso tudo mais a vergonha pela burrice da desculpa é, no mínimo, constrangedor.

Mas não creiam que a República de Curitiba está sozinha na sua cruzada de combate à corrupção, comandada pelo DD, aquele mesmo que foi citado na negociação de 5 milhões para reduzir o valor da multa que pagaria Tecla Duran em sua delação premiada!!! NÃO!!!

O STF faz de tudo, e muito mais, até o impossível, para mostrar que as instituições estão funcionando a contento dos interesses dos golpistas… Assim, recusou a quebra do sigilo telefônico do chefe da quadrilha do Planalto, o Coisa, o Coisa Ruim, aquele que mais de 90% dos brasileiros recusam, o tal de Michel Temer.

Também mandou arquivar a investigação que apurava se Aloysio Nunes cometeu caixa 2 e lavagem de dinheiro, hoje  quase ao mesmo tempo em que Juan Grabois foi proibido de visitar Lula! Sabem todos, Aloysio Nunes é do PSDB, portanto, está devidamente garantida sua ilibada conduta, como está garantida a ilibada conduta dos tucanos todos… pré-inocentados, seja lá o processo que for.

Para garantir o funcionamento correto das instituições, o ministro Alexandre Morais baixou para a primeira instância processo em que se apurava suposto desvio de recursos praticados pelo ilibado Aécio Neves na construção da cidade administrativa em Belo Horizonte. Como se sabe, tomando o caso do Eduardo Azeredo, a justiça mineira é ágil, rápida. Daqui a uns 11 anos saberemos sua decisão sobre o caso.

Rosa Weber, aquela da colegialidade – note bem, não é que ela seja colegial, ela apenas subordina-se à colegialidade mesmo quando sua consciência não lhe permitiria tal subordinação – aceitou requerimento da PGR para arquivar investigações de caixa 2 do impoluto, imaculado José Serra.

Para não dizerem que a alta justiça brasileira faz distinções, os processos contra Geraldo Alckmin saíram da alçada das investigações da Lava Jato e foram transferidas pelo STJ para a Justiça Eleitoral e como o moço já não é governador, porque deixou o cargo para concorrer à presidência da república, eis que o Picolé de Chuchu será julgado pela primeira instância, ou seja, tudo vai para as calendas gregas…

Por engano, entregaram à defesa de Lula o material colhido na investigação, e esqueceram de apagar as mensagens enviadas por FHC a Marcelo Odebrecht pedindo descaradamente dinheiro para seus apaniguados nas eleições… e Marcelo, nas respostas, garantiu o socorro. E pedidos foram feitos também quando FHC era presidente. Mas isso não é pressão! Não, longe disso. Tudo legal, dentro da ordem! Obviamente, nestes casos dos pedidos de FHC, não cabe, sob hipótese alguma, aquela sequência primorosa de Sérgio Moro na sentença de condenação de Lula por ter recebido da OAS um tríplex que não recebeu, por “ações inespecíficas em tempos indeterminados” praticadas por Lula para beneficiar a OAS e para receber a “devida” propina que a República de Curitiba tem convicção que Lula recebeu.

Como podem perceber, as instituições estão funcionando como nunca. Ah, para mostrar que estão funcionando, mais um argumento: na semana passado o STF aceitou investigar Gleisi Hoffmann, por acaso presidente do PT.

E parece que houve até cochichos de que um ministro do STF ofereceu a Lula liberdade, com a condição de que ele desistisse da candidatura à presidência!!! Vejam só, a lei tem estes escapes para acordos dignos da República de Curitiba e do STF. Lula teria respondido que se lhe apresentassem uma prova de seus propalados crimes, desistiria da candidatura. Dizem que o Judiciário enfiou a viola no saco (ou noutro lugar mais digno), e tudo ficou como está: as instituições funcionando a contento. Mas isso é fake News, crível no entanto.

Como tudo vai a contento, por ordem superior, proíba-se a visita do assessor papal à Lula, por razões teológicas…

 

Oferta de dólares ao mercado: alguém pode explicar isso?

Oferta de dólares ao mercado: alguém pode explicar isso?

O “nervosismo” do mercado fez subir o dólar! Explicitemos: a insaciável vontade de lucrar na especulação diária sem riscos de perdas aumentou a especulação. E sempre com garantias porque o capitalismo financeiro é um capitalismo sem riscos e quando tem prejuízo, a casa da mãe joana, ou seja, nós, o populacho otário, paga como pagou em 2007/2008 o mundo inteiro menos nós brasileiros porque não tínhamos um presidente imbecil que rezasse pela cartilha do neoliberalismo.

A medida exata do otário em que estão transformando o país se mede por bilhões… de dólares. Henrique Meirelles, que tem a petulância de achar que o destino o levará à presidência da república, estabeleceu o caminho pavimentado para nos fazer otários. Pedro Parente, bom aluno e seguindo o comando, fez o possível para destruir a Petrobrás e colocar a conta no preço da gasolina que pagamos todos… E agora com o “nervosismo” elevando o câmbio, destruindo a moeda nacional, alegando receios e riscos políticos, mais uma vez vem o socorro ao mercado…

O BC colocará, até o final da semana, 20 bilhões de dólares no mercado para acarinhar o nervosismo, e já avisou: se necessário, utilizará as reservas cambiais existentes. Isto é, o fundo soberano que eles, por oito anos no governo não conseguiram dar existência, vai socorrer o nervosismo de alguma forma, isto é, na forma de saque das reservas cambiais… tudo para alegrar os especuladores que tocam a música da dança do sobe/desce segundo os polpudos lucros que vão obtendo.

E aí, para fazer caixa, o imbeciloide que nos governa e seus asseclas na ANP colocam à venda o patrimônio da nação: o pré-sal!!! É engraçado, a última venda, para fazer caixa, arrecadou 2,9 bilhões de dólares… Mas como o Tesouro gastará até o final desta semana 20 bilhões de dólares, se necessário, resta a pergunta: se há a disponibilidade de 20 bilhões de dólares na caixa do governo, por que cargas d’água estão vendendo o país? Se apenas numa semana o socorro ao mercado para conter seu “nervosismo” será de 20 bilhões, a venda à Noruega que arrecadou somente 2,9 bilhões de dólares é uma migalha… Precisaremos vender tudo para apaziguar o nervosismo do mercado… Sei que os 20 bilhões do socorro para ninar o mercado não significa jogar fora todo este dinheiro, como tem sido jogar fora o patrimônio nacional sem mais nem menos.

Mas a pergunta é outra: para que vender se há disponibilidade de caixa no BC para acalmar o mercado??? Não era a falta de dinheiro que estava levando à venda de tudo???

A eficiência tucana na administração é esta: muitos milhões para acalmar o mercado e deixá-lo lucrar à vontade; e venda de todo o patrimônio público para fazer caixa. E quando os tucanos não tiverem mais o que vender? Farão o quê?

Ah! Sim, a gente sabe: os menores vão para Miami porque são mesmo de mau gosto; os maiores vão para Paris usufruir dos apartamentos, da vida e das contas, alguns poucos vão para suas quintas em Portugal… Claro, há um tucano de longo bico tão ganancioso que não fez isso a tempo e agora já está fora da casinha, mas recolhidinho nos escuros dos corredores do Senado para quem ninguém lembre dele nestes tempos delatórios. Mas a filha Mônica Serra usufruirá… Fico com peninha, trabalhou tanto para ganhar tanto e não ter tempo de gozar é realmente infernal. Falando em infernal, se inferno existe, lá estes tucanos deveriam queimar todas suas penas, já que por enquanto quem tá sofrendo com as penas somos nós, o povo brasileiro.

Manifesto dos capixabas à sociedade brasileira contra a mercantilização da educação

Manifesto dos capixabas à sociedade brasileira contra a mercantilização da educação

Vimos por este Manifesto expressar nossa indignação quanto às políticas de cunho gerencialista e privatizantes implantadas no estado do Espírito Santo e denunciar ao povo brasileiro o significado da ida para o MEC do atual secretário de Educação, Haroldo Corrêa Rocha, convidado para assumir a Secretaria Geral daquela pasta. Durante todo o seu mandato como secretário da pasta no estado do Espírito Santo, a diretriz basilar foi a falta de diálogo e o silenciamento de educadores, movimentos sociais, associações científicas e do que vinha sendo produzido pela Universidade.

Desde 2015, a política educacional no Espírito Santo vem se constituindo a partir de gestão centralizadora, autoritária e de ações articuladas com a iniciativa privada, ampliando as parcerias público-privadas, contribuindo para a implementação da privatização do ensino público, para a precarização do trabalho docente e, principalmente, para a perda da autonomia dos professores. O modelo de gestão adotado no Espírito Santo tem imposto autoritarismo didático e de conteúdos às escolas por meio de programas como o Pacto de Aprendizagem do Espírito Santo (PAES), Escola Viva, Ensina Brasil, Jovens do Futuro, Ensino Híbrido, que desconsideram saberes e fazeres dos professores/as e trabalhadores/as da educação.

Houve redução dos investimentos na educação em 68%, fechamento de 41 escolas públicas e de 6.507 turmas, deixando mais de 60.000 crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola. Portanto, a ida do Secretário que comandava a pasta de Educação no ES para o MEC não surpreendeu os capixabas, porque demonstrou o coroamento de um projeto antidemocrático e privatista para a educação brasileira, uma vez que se evidencia o alinhamento do Governo do Estado do Espírito Santo com o Governo Temer, com a mercantilização do ensino público e com a negação do direito à educação. Não é por acaso que a pasta da educação estadual será assumida por outro economista, vinculado ao grupo Espírito Santo em Ação, que congrega grupos de empresários capixabas.

Com certeza, tudo isso continuará trazendo enormes retrocessos para a educação não apenas no Espírito Santo, mas para todo o Brasil. Sendo assim, diante de mais esta etapa do golpe em curso no interior do MEC, conclamamos a sociedade capixaba e a sociedade brasileira a expressarem a convicção firme que a educação é direito social e que não aceitamos os modelos obscuros de gerencialismo e de privatismo em educação defendidos pelo Senhor Haroldo Corrêa Rocha e por, agora, seus aliados no MEC.

Assinam:
ANFOPE-ES
AfirmAção-Rede de Cursinhos Populares
Círculo Palmarino
Comitê Capixaba da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Coletivo Feminista do Espírito Santo
Coletivo Mães Eficientes Somos Nós
CEDES-Centro de Estudos Educação e Sociedade
Conselho Municipal do Negro – CONEGRO
Fórum Capixaba de Lutas Sociais
Fórum Permanente de Educação Infantil do ES
Fórum Municipal de Educação de Vitória
Fórum de EJA ES
Fórum Nacional de Mulheres Negras
Grupo de Pesquisa Pedagogia Histórico-Crítica e Educação Escolar -PPGE-UFES
Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais- PPGE-UFES
NEPALES – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo
Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo-LAGEBES/UFES
Programa de Extensão e Pesquisa Redes de Políticas no Território- CCHN/UFES
União de Negros pela Igualdade – UNEGRO
Centro de Defesa dos Direitos Humanos-SERRA

Partituras escalonadas

Partituras escalonadas

PARTITURAS ESCALONADAS

Aqui estão os que, de mão na mão,

arriscaram tudo; tudo dão

tudo oferecem com generosas mãos;

aqui estão os que se sentem irmãos. (Nicolás Guillén)

PRIMEIRA PARTITURA

Das entranhas amorosas

às vielas delituosas

de La Habana Vieja,

era chegada a hora e a vez,

não de destemidos aventureiros,

mas de seus pátrios heróis

revelando para o mundo

ensandecido condutor

da vitória contra o impostor.

Ou quando debandavam do alto

das montanhas cruzando o planalto,

claro, promovendo escarcéu

aos olhos e ouvidos ao léu

até as margens do Malecón.

Entre rubras tumbas

encharcadas de sangue,

inquietante amuleto

da destra mais vermelha

dos possíveis insurreto.

Nessa exata tropelia

habitavam todas as vilanias.

Contudo, sabe-se,

a barbárie não finda,

preexistindo ainda

em cruel trilha,

sempre em vigília

no solo do Caribe.

Da barganha letal

à balela espanhola,

o ódio é consensual

quando delega e assola

o destino dos filhos

nativos, já de olhos vedados

através do terror camuflado

na libertinagem dos gatilhos.

Na ocasião, como se fossem aves

de rapina em seus rompantes

rápidos e traiçoeiros,

formam ativo instrumento

de horror, causando desalento

e dor, num fogo rasante

sobre o povo  das Antilhas.

SEGUNDA PARTITURA

Há espólios de livros.

Aquele, por excelência,

Testemunha inequívoca

De ascéticos manuscritos.

Quase absoluto, ainda,

o fascínio dos escribas

no mapa-múndi dos arquivos.

De igual modo,

não se limita

na euforia

tamanha altivez

de cada dia.

Resta, então, a chama

visionária  dessa trama.

Muitas vezes, há indícios

de um tempo ilícito

em sintonia recriada,

mediante tolerância alicerçada,

corrosiva, na ótica reverente

desse sestroso exsurgente.

A fúria do clamor,

apenas exorciza

litania precisa no estupor

desses indormidos

arrebatos e bramidos

em que foram forjados

sob o máximo e o mínimo

exercício da crueldade.

No auge das atrocidades,

lendárias maldades.

Na condição do homem

aquece o credo sibilante,

muito antes, intempestivo

no arremedo dos nativos.

O bravo profetizador

até então aglutinador,

o poeta José Martí

por esses anos afora,

ao reverenciar a pátria

no exercício da lida,

delega obstinada

esperança na vida

dos cubanos.

O desentoar das lutas

reponta em saga absoluta

por terra e por mar.

Em todas as milhas

na extensão da Ilha,

intumescidas rotas

de aferidos patriotas,

criando laços de convicção

se adensam no panteão,

como proféticos heróis

de uma suprema nação.

Do Caribe ao Atlântico,

a epopeia de um povo

que se aviva de novo

nesse ideário-cântico.

(Políbio Alves. La Habana Vieja: olhos de ver. João Pessoa : Mídia Gráfica e Editora Ltda, 2015)

Amor e Capital

Amor e Capital

Manuseando a correspondência trocada entre os membros da família Marx, os primeiros membros da Internacional Socialista e de muitos militantes do século XIX, Mary Gabriel recompõe uma história próxima ao cotidiano vivido pela família de Karl Marx, sem deixar de lado incursões pela produção teórica daquele que revolucionou a compreensão do mundo e das relações sociais no interior do capitalismo. Acompanhar uma família e as relações entre seus membros no período que vai de 1835 a 1910, passando pelos grandes movimentos sociais do século (entre eles a Comuna de Paris) é uma aventura intelectual marcante para qualquer leitor.

O mistério do financiamento generoso de Engels para que Marx viesse a fazer sua produção teórica, os aportes financeiros constantes e a tendência de Marx para voltar à situação de penúria financeira depois de regularizada a situação por Engels que volta e volta a financiar a produção de Marx.

Neste livro, há uma compreensão humana da vida num século marcado pelo desenvolvimento do capitalismo mas também pelo desenvolvimento de seu contraponto, ao menos teórico, com os movimentos sindicais e partidários dos socialistas. Começava então uma sociedade de produção que necessitava como seu corolário um consumo desenfreado. Na fórmula mais compreensível de Marx, a pergunta daqueles que podiam pagar, no país mais desenvolvido da época (Inglaterra), já não era “do que eu preciso?”, mas “o que eu quero?” e “o abismo entre os que faziam essa pergunta e o resto da população havia ficado perigosamente vasto” (p.119).

O ponto mais interessante desta nova “radiografia” da vida familiar de Karl Marx é sua visada feminina: são as cartas escritas pelas mulheres da família Marx que permitirão à autora reelaborar a vida privada e cotidiana. A esposa, Jenny von Westphalen, filha da aristocracia de Trier (Barão von Westpahlen), apesar de suas origens sociais, foi capaz de acompanhar e apostar nos estudos e trabalhos do criador do socialismo científico. Pagou um preço extremamente alto: perdeu filhos porque não lhes pode dar o necessário para a subsistência; amargurou a falta de comida e calor nos invernos do exílio em Londres (antes passando por Paris e Bruxelas); humilhou-se pedindo dinheiro e heranças antecipadas. E nada de os livros de Marx virem a público ou, quando publicados, tornarem-se fontes de rendas que ajudassem a sustentar a vida.

As filhas sobreviventes (Jennychen, Laura e Eleanor) parece terem sido escolhidas pelo destino para reviverem, a seu tempo e a seu modo, o mesmo percurso da mãe. Todas tiveram maridos socialistas, praticamente incapazes de gerar rendas. Todos eles (Longuet, Lafarge e Aveling, respectivamente) foram militantes do socialismo, foram jornalistas, fizeram política partidária. Certamente os leitores terão uma antipatia maior por Aveling, cuja vida privada desregrada e infiel fez o infortúnio de Tussy (apelido de Eleanor Marx), até leva-la ao suicídio em 1897. Certamente também se comoverá com Freddy, que viveu buscando sua identidade e a identidade de seu pai. Inicialmente e sorrateiramente pensava-se ser Engels o pai, mas este antes de morrer indica o verdadeiro pai: Karl Marx. Este filho fora do casamento foi mantido em segredo e resultou de uma relação do pai do socialismo com Lenchen, a empregada que sempre acompanhou a família Marx em todos os seus momentos, ajudando Jenny na criação dos filhos e comandando a casa da família. Não há como não se emocionar, ao final do livro, acompanhando o final da vida do casal Lafargue (Laura Marx e Paul Lafargue) que escolhem não envelhecer e preferem o suicídio: o mundo socialista inteiro traz suas condolências e acompanha o casal até o cemitério Père Lachaise no dia 3 de dezembro de 1911.

Ler o livro de Mary Gabriel é uma aventura intelectual, particularmente para aqueles que gostam de história, que queiram compreender o século XIX e que, sem preconceitos prévios, sejam capazes de entender a humanidade de um dos maiores pensadores que já tivemos na história, aquele que nas palavras de George Bernard Shaw “realizou a maior proeza literária que um homem pode almejar: Marx mudou a consciência do mundo”.

 

Referência. Mary Gabriel. Amor & Capital. A saga familiar de Karl Marx e a história de uma revolução. Rio de Janeiro : Zahar, 2013