por João Wanderley Geraldi | jun 30, 2018 | Blog
A peça do escritor uruguaio Mário Benedetti ganhou o palco de inúmeros teatros brasileiros, e com razão. Afinal, este enredo composto pelo diálogo de um torturador com um torturado revela muito também da nossa história.
O tema da tortura está presente ao longo dos quatro atos que compõem a obra, mas o foco é a figura do próprio torturador. Como diz o autor: “Eu definiria a peça como uma interrogação dramática da psicologia do torturador. Algo assim como a resposta a porquê, mediante que processo, um ser normal se torna um torturador”.
É precisamente o desvelar-se do torturador que vai aparecendo nos quatro episódios do interrogatório que faz o capitão tentando convencer Pedro (Rômulo) a delatar seus companheiros. No cenário, nada além de duas cadeiras, uma mesa, sobre a mesa um telefone, e numa das paredes um lavabo com uma pia, sabão, vaso, toalha… Ao longo de toda a peça o cenário será o mesmo; e apenas duas personagens o ocupam
No primeiro ato, Pedro é empurrado para a cela de interrogatório, visivelmente após uma sessão de tortura. Vem encapuçado e durante todo o episódio não diz mais do que a palavra Não. O torturador, no entanto, fala, fala, argumenta, ameaça com torturas cada vez maiores. Já de entrada, o torturador vai mostrando sua cara e apontando para o futuro deste interrogatório:
Parece que optaste pela resistência passiva. O fraco Gandhi sabia muito sobre isso. Mas uma coisa era os hindus contra os ingleses, e outra coisa é vocês contra nós. A resistência passiva, hoje, não resolve nada. É – como te direi? – anacrônica. Desde que os ianques – veja que digo ianques como vocês – impuseram seu estilo tão eficaz de repressão, a resistência passiva foi ao caralho.
Ameaça trazer a mulher e o filho para a prisão, afinal entre os “torturadores elétricos”, tirada do capitão para referir os manobradores dos choques elétricos, “há aqueles que são partidários da técnica brasileira de torturar as crianças diante de seus pais, sobretudo diante da mãe”.
Sempre se apresentando como o “bom”, o que não faz o serviço sujo mas ordena que o façam, o capitão vai oferecendo vantagens a Pedro se ele delatar. Mas somente ouve seus repetidos – NÃO!
No segundo ato, o capitão retira o capuz e então Pedro começa uma conversa que, à medida que segue, vai desvendando o próprio torturador. Pedro justifica que há um mínimo de dignidade que deve ser preservada e que na sessão anterior nada falava porque estava encapuçado. Sua fala é direta, nas palavras do torturador, “um jogo limpo”:
– Quero deixar claro que o fato de você não participar diretamente em minha tortura, não quer dizer que não o odeie, nem mesmo que o odeie menos.
A partir desta sessão, parece que o torturado acaba por tomar a dianteira e começa a mostrar que o torturador, como todo o inquisidor, no afã de obter informações vai revelando a si mesmo. Tanto que o capitão acaba por lhe perguntar como ele é!
Capitão: – Parece-me que te perguntei como sou.
Pedro: – Sim, já sei. Mas é absurdo. Mete-me em cana, faz com que me rebentem, e ainda exige que lhe sirva de analista. Isso não!
Capitão: – Afinal, me imagino como sou.
Pedro: – Então estou de acordo com esse autodiagnostico.
Capitão: – E se me sinto nobre e digno?
Pedro: – Sabe o que se passa? Você não pode vender a si mesmo essa mentira. Não pode imaginar-se nobre e digno.
Nesta sessão, em que o capitão oferece vida e liberdade a Pedro caso ele denuncie a quatro de seus companheiros, Pedro lhe dá uma resposta digna de nota:
– Não, simplesmente não. Você me oferece que viva como morto. E antes disso, prefiro morrer como vivo.
Em passo imediato, como Pedro lhe perguntara se tem família, mulher e filhos. Por defeito profissional, o capitão pergunta se está sendo ameaçado… A questão real era saber como ele se sentia quando chegava em casa depois de um dia ordenando torturas, ouvindo gemidos e gritos, interrogando e querendo delações. Como conseguia beijar sua mulher e o casal de filho que tinha? O capitão acaba por fazer sua primeira “confissão”: “É lógico que uma pessoa sofra ao ver outro sofrer”. Abre-se, a partir daí, a porteira do psiquismo do torturador.
No terceiro ato, e terceira sessão do interrogatório, Pedro chega mais rebentado ainda, e com sua chave de resistência: diz-se morto. E como está morto, ainda que reste um tempo para o corpo, está livre e pode voar… Aparecem então, na fala de Pedro, lembranças do começo de seus encontros com a mulher Aurora (Beatriz). Ao mesmo tempo, cada vez mais vai se mostrando o círculo vicioso em que está preso o capitão. Um pormenor que não pode passar desapercebido: nas sessões anteriores, o capitão tratava Pedro por “tu”, enquanto Pedro o tratava por você. Agora inverte-se a situação, é o capitão que passa a tratar Pedro de modo formal. No diálogo a seguir aparece o tema efetivo desta peça:
Pedro: – Já te disse que estou morto? Ah, sim, te disse quando tu ainda me tuteavas. Bem, antes de sair daqui deste “bairro”, gostaria de descobrir algo que para mim é um mistério.
Capitão: – E eu, o que tenho a ver com isso?
Pedro: – Tens que ver, como não! Quero descobrir o mistério de como um homem pode, sem ser louco, sem ser uma besta, converter-se num torturador. (Pausa). Imagina que estou morto, ou seja, que não vou contar a ninguém. É somente para mim, não mais.
Capitão: – Eu não sou um torturador.
Pedro: – Ah, não?
Na sequência desta sessão, o torturador relata sua formação como tal; seu treinamento; suas reações nas primeiras torturas que infligiu; chegando ao episódio em que ao torturar uma mulher provocando choques elétricos dentro da vagina, o torturador se descobre seu gozo com a tortura: tem uma ereção! Mais tarde, em casa, na cama com a mulher, não consegue ter ereção, e somente a obtém imaginando a mulher que torturara…
À medida em que vai se mostrando, o torturador tem que achar alguma justificativa para o que faz, e sua justificativa é a eficiência da tortura: com ela consegue informações.
Capitão: – É por isso que não posso retroceder, é por isso que não posso ceder. É por isso que tenho que fazer falar. Já andei muito longe por este caminho. Compreende agora? Compreende por que vai ter que falar?
No quarto e último ato, no mesmo cenário, Pedro é jogado semi-morto para o interrogatório. O capitão já está visivelmente desconfortável, arruinado e isto se revela inclusive em seu modo de vestir desleixado para um oficial. Nesta sessão, Pedro desmaia, mas se aguenta e fecha sobre o torturador seu torniquete: a mulher e filhos do capitão ainda o odiarão quando souberem qual é efetivamente seu trabalho. Na primeira briga na escola, jogarão na cara de seus filhos que o pai era um torturador. A mulher não mais vai querê-lo quando souber a verdade.
Em parte da sessão, cada um dos personagens fala consigo mesmo, numa espécie de devaneio. Quando o capitão “volta a si” e percebe que todo seu esforço, toda sua crença na eficácia da tortura, tudo está indo por água abaixo, porque Pedro está muito próximo da morte, cai de joelhos e pede-lhe que delate, ao menos um, aquele de que ele menos gosta. Que diga apenas um nome… tudo para salvar o capitão! E mais uma vez, a resposta é NÃO.
Nos tempos que vivemos no Brasil, quando mais se aprofunda o golpe de 2016, é fundamental revistar esta obra de Mário Benedetti. E começar a entender que mesmo um Sérgio Moro, acusador-juiz e encarcerador com prisões preventivas até conseguir, por esta tortura, a delações “premiadas”, também ele se revela o que é, como o capitão aqui se desvelou ao longo dos interrogatórios.
Referência: Mario Benedetti. Pedro y el Capitán. Madri : Alianza Editorial, 6ª. reimpressão, 2009. [as citações foram traduzidas por mim]. Há uma tradução de todo o texto disponível na internet: http://oira.ufsc.br/files/2018/01/Pedro-e-o-Capit%C3%A3o-tradu%C3%A7%C3%A3o.pdf
por João Wanderley Geraldi | jun 29, 2018 | Blog
Adriano S. Nogueira (AN) – A sua contribuição, Wanderley, tem uma característica especial. Quero comentá-la para, a partir dela, provocar as reflexões do linguista. Durante a década de 1980, por vários nãos, você este envolvido num trabalho bastante abrangente que envolvia professores da rede pública paranaense. Eram professores da área de Linguagem. Esse trabalho veio crescendo, a cada ano, envolvendo maior número de professoras.
Neste momento, em 1994, a sua contribuição para um trabalho transdisciplinar junto ao sindicato (a A.P.P.) traz esta bagagem. Como é que nós “enxertamos” esse passado de constituição de propostas no esforço atual?
João Wanderley Geraldi (JWG) – Trata-se de encontrarmos formas de recuperar este trabalho prévio. Penso que um dos problemas graves que pode prejudicar um Projeto Educacional é este Projeto desconhecer a história já existente. Uma Secretaria Estadual ou Municipal de Educação se engana, se ela supõe que a proposta de governo dela é um “puro começo”…
(NA) – Nesse sentido… pergunto-lhe: essa diretoria sindical, da A.P.P., ea conquistou votos e venceu eleição. No entanto, a vitória eleitoral se insere num passado. A própria leitura crítica que essa diretoria faz da situação educacional do Paraná é uma leitura que se construiu a partir de características existentes na rede. A elaboração de propostas desta gestão, quando pretende transformações, é uma pretensão que a insere numa realidade atual e anterior.
(JWG) – Sim, de tal sorte que a elaboração de uma nova proposta, seja de parte de governos, seja de parte de sindicatos, é sempre uma inserção num movimento histórico que vem de antes. Penso que a elaboração de uma nova proposta deve contar com uma anterioridade, deve contar com aquilo que Magda Soares denomina “uma ortodoxia escolar”. Além disso, a elaboração de propostas deve contar com Sujeitos históricos (as professoras, os alunos, administradores) que são aqueles que viveram situações desde um passado existente.
No caso do Paraná, houve um trabalho em relação a um componente curricular (Língua Portuguesa). Foi um trabalho independente deste sindicato, ele envolvia a Associação de Educação do Oeste do Paraná, depois envolveu a Secretaria Estadual de Educação, CETEPAR. Nós nos centrávamos fundamentalmente em cima da seguinte concepção: buscávamos o estudo da língua escrita através da prática de produção de textos em sala de aula. Essa prática produtiva era circundada pelas práticas de leitura e pela análise linguística. A análise era, quase, entendida como uma retomada do ensino gramatical anterior; depois vimos que essa perspectiva não bastava. Uma outra concepção fundamental era: formar grupos (ou núcleos) de professores em cada município, de tal ordem que um Plano Curricular que resulte deste processo seja a oficialização (posterior de práticas didáticas já existentes em sala de aula. Ou seja, não pretendíamos implantar uma nova prática, mas, antes, pretendíamos elaborar um Plano Curricular resultante de longo processo de investigação das características da relação docente-discente.
(NA) – … se estou entendendo, eram ações não apenas do presente orientadas para o presente. Mas, mais amplo do que isso, eram ações desde um passado que, assumido em discussões e estudos, fertiliza o presente e, processualmente, supõe a futura elaboração de um Plano Curricular de Língua Portuguesa…
(JWG) – Pois bem, isso se desenvolveu durante os anos 80, quase a década inteira. Pensávamos de “um dia chegar lá”. Ou seja, um dia chegaríamos a uma certa oficialização de um Plano no qual a situação da sala de aula estivesse considerada. Alcançamos elaborar uma primeira versão deste Plano. Houve um documento intitulado: “Língua vasto mundo” que chegou a merecer uma primeira discussão.
Ora, atualmente um sindicato pretende uma proposta transdisciplinar, você me pergunta: como considerar este passado? Penso em duas características de retomada:
PRIMEIRO efetivamente a História da existência. Uma historicidade dos Sujeitos (professoras) que estão na Educação é uma história que pode se constituir mantendo uma certa independência face ao poder político, do partido que detém o poder de Estado. Ou seja, não existe apenas atrelamento e não existe apenas proposta autorizada pela SEEd Através de outro poder (sindical) a categoria amplia seu espaço de liberdade face ao patrão público. Daí decorre uma reflexão interessante: quando uma categoria de funcionários públicos (professoras) decide efetivamente assumir a Educação Pública como sendo “seu” serviço e “sua” responsabilidade, esta categoria “decreta” que não é o patrão (o Governo) quem detém a responsabilidade pela qualidade da Educação Pública. Enfim, essa categoria “decreta” que é capaz e assume a competência de gerir, mesmo nos pormenores, a Educação Pública…
(NA) -… poderíamos afirmar, Wanderley, que (via Sindicato) esta categoria se afirma como coautores de uma nova ortodoxia escolar? Garantiriam, aí, maior espaço para definições político-pedagógicas…
(JWG) – e esta nova ortodoxia não se apresentaria, apenas, como “de oposição” ou como o outro lado da moeda. Ela seria NOVIDADE, ao propor sínteses de propostas diferentes. A partir da atual ortodoxia escolar, ela proporia outra coisa. E, nessa proposição, o que se afirmaria com clareza é a importância histórica das posturas de sala de aula, mesmo quando se buscasse mudança nas posturas.
(NA) – mostrar-se-ia não apenas como “esquerda que é do contra”. Discutiria não apenas o “outro lado” da ortodoxia oficial. Enfatizaria a natureza e a importância história da postura didática “embutida” nas relações docente-discentes-conteúdos. Enfim, essa busca de síntese deixa claro que se elabora uma outra coisa, que vai além daquilo que é ortodoxia (ou rotina). Deixaria claro que tal elaboração se faz a partir de diferentes proposições.
(JWG) – E quando a ação político-pedagógica do Sindicato reforça essa questão, atrás mencionada, de uma categoria de funcionários assumir “pra valer” a Educação Pública, note que ela (categoria) ganha peso, seu trabalho ganha peso. Combate-se qualquer tipo de atitude subserviente. É normal que cada governante tenha sua proposta político-partidária e esta proposta é uma das diferentes proposições que vão “entrar na discussão”. A partir desta discussão (que, no fundo, é formadora) é que se elaboram os rumos da Educação Pública. Na prática de sala de aula, na prática cotidiana de formação permanente dos Núcleos de Educação haverá um componente qualitativo: este componente se baseia na responsabilidade profissional e na competência político-pedagógica. Ora, esta qualificação não depende da figura partidária do Prefeito ou do Governador. Este poderá estimular uma ação colegiada ou, então, poderá tentar retardar a mesma ação, caso a postura político-partidária do Governante centralize orçamento, centralize decisões, tentando capitalizar as ações pedagógicas para a figura do Executivo ou para seu partido.
(NA) – Supondo situações em que isto aconteça, poderíamos dizer que o que ocorre é que um Plano Curricular oficialmente imposto é “engolido”. Na prática, ele é refeito pelas adaptações de sala de aula, pela criatividade (mesmo aquela criatividade ainda não devidamente teorizada, aquela que fica no plano oral, verbalizada apenas).
(JWG) Sim, e isso é tanto mais eficiente quanto mais a categoria assumir que Educação Pública é responsabilidade, da competência dela…
(AN) … o que é bonito é que essa responsabilidade existe não apenas para “ser contra o Governo”, nem existe penas para “agir influenciada pelas propostas do Sindicato”. A responsabilidade é explicitada no sentido de fazer uso TANTO do espaço sindical QUANTO do espaço da ação funcional pública para, JUSTAMENTE, qualificar o Ensino Público. E, simultaneamente, se expande o espaço público perante o qual cada proposta (do Governo, do Sindicato) tem contas a prestar. Quando a categoria explicita profissionalmente sua competência político-pedagógica, não se trata apenas daquela ideia de refugiar-se no âmbito da sala de aula, como quem dissesse assim: “da porta da sala pra dentro quem mando é minha atuação e a atuação de meus alunos”.
(JWG) – E mais, Adriano. Considerando que esta categoria é múltipla tanto do ponto de vista da formação, quanto do po0nto de vista da função, o que se faz necessário à demonstração de capacidade e à demonstração de responsabilidade é a atuação de forma multidisciplinar. Veja bem, não se está apenas seguindo a moda: está em moda falar em interdisciplinaridade. Esta forma de trabalho, a interdisciplinaridade (ou a transdisciplinaridade) surge como uma necessidade da competência da categoria que assumiu sua responsabilidade para com a Educação Pública. Face ao governo e face ao sindicato a categoria se impõe com cobranças de qualidade. Faz cobranças em nome de avanços (ou sínteses). Mesmo quando ocorrer de se eleger um governo (ou um sindicato) cujas propostas sejam um retrocesso, o que fica é essa marca de qualidade conquistada por uma categoria e explicitada como proposta para a ação na Educação Pública.
(NA) – Gostaria de “repassar” isso tudo, Wanderley. Penso que é muito importante deixar bem claro. Vejamos… o que é que “marca presença” a partir das ações de um Sindicato progressista? Estou sublinhando esse “marca presença” para dizer o seguinte: pode ser que ocorra, posteriormente, eleição de um governo (ou sindicato) personalista e populista (que, por isso mesmo, é descomprometido com o avanço da qualidade pública da educação). Mesmo neste caso, a categoria consegue manter certos padrões qualitativos de atuação político-pedagógica. Como é que ela consegue? Justamente porque “marcou presença”. Como seria isso? Você, Wanderley, dizia agorinha. PRIMEIRO: elaboram-se propostas sob responsabilidade e sob competência transdisciplinar de uma categoria. SEGUNDO: tais propostas emergem como sínteses entre diferentes enfoques. Não se trata de “linha única” imposta pelo Governo ou pelo Sindicato. TERCEIRO: a elaboração de propostas não é nunca imposição: ela é um “mergulho” no cotidiano da sala de aula. Ela é, por assim dizer, uma olhada crítica para o Senso Comum cotidiano da sala de aula. Ao propor sínteses, faz avançar o próprio Senso Comum. Um QUARTO momento: essa elaboração “marca” também a qualidade do espaço público, qualidade do Ensino Público. O que é público não pertence a nenhum partido no governo o9u fora dele.
Gostaria, Wanderley, de deixar bem clara a didática desses avanços. Aqui resumidos em “quatro passos”. Por quê? Porque esses avanços deixam transparentes algumas atitudes democráticas mediante as quais a categoria (professoras) se educa a si mesma fazendo uso de propostas e espaços sindicais e governamentais. Ganha-se um fôlego bastante bom para trabalhar. Este fôlego é resultante de ações e de propostas que agregam, às vezes conflitivamente: propostas de governo (estimulando ou inibindo o avanço de proposições), propostas de ação sindical (reunindo formação de competência à mobilização política) e as proposições rotineiras de sala de aula (que seriam como um fundo cultural comum à categoria). Essas três forças agem no sentido de delimitar um espaço no qual se “marcam” avanços em propostas pedagógicas.
(JWG) – Há um outro componente que é importante situar. Estou pensando na circulação de ideias ou teorias. Houve experiências em outros lugares, que não o Paraná. Sob a forma de livros, sob a forma de Congressos ou palestras as professoras entram em contato com outras experiências. Graças a certas leituras, de certos autores, tivemos melhor consciência de processos e de rumos em que seguíamos. Nos trabalhos com Língua Portuguesa, em sala de aula, púnhamos ênfase na interpretação de texto; algo mais completo, portanto, do que simplesmente decodificação do texto. Tínhamos outra ênfase: a atenção nas histórias contadas pelas crianças. Recuperar histórias contadas, através do trabalho em sala de aula, resultava na necessidade de compreender tais histórias. Supúnhamos, então, uma História contida nas histórias e, trazendo esta hipótese para o campo do trabalho linguístico, podíamos afirmar: conta-se histórias através do texto interpretado e não, simplesmente, conta-se histórias através da decodificação de vocábulos e frases do texto. Ora, compreender estas histórias como sendo históricas demandaria que fôssemos utilizar outros instrumentos, além da Língua. Utilizamos a História, a Filosofia, a Matemática, a Biologia e assim por diante. Nosso percurso nos levou à transdisciplinaridade. O trabalho com o texto, nesta perspectiva, nos levou à compreensão da realidade através de uma expressão desta realidade (que é o próprio texto). Interpretado, o texto é situação interdisciplinar (em sala de aula) calcado em situações reais, vivenciais.
Se não procedêssemos assim, nós teríamos feito análise linguística tal como na Linguística se construiu análise; você mata no texto o discursivo, você mata no texto o que ele tem de vivencial para transformá-lo apenas numa sintaxe. Daí por que a prática de análise linguística num projeto de língua portuguesa é o calcanhar de Aquiles do projeto. Por quê? Porque em lugar de o professor olhar para o texto como um espaço a partir do qual eu vou aumentando a minha compreensão do vivido… o que foi que no passado o professor tentou? Ele olhou para o texto como uma estrutura, como um conjunto de códigos. Assim concebido, o vivido (a experiência) deixa de conter as compreensões de si mesmo e, portanto, tais compreensões deixam de ser historicamente situadas. Olhando para o texto como se ele fosse uma estrutura linguística que é que resta para o professor? Resta-lhe apenas corrigir o texto, no sentido de higienizá-lo desde o ponto de vista das regras do código. Esse procedimento se despreocupa coma compreensão. Essa análise linguística não é análise discursiva. Esse professor não será nunca coautor juntamente com o aluno, de uma compreensão da realidade possibilitada pelo texto. Claro, nós já vimos, para ser um coautor (com seus alunos) esse professor precisa conhecer o currículo através de seus componentes, conhecer o currículo através de seus instrumentos e não apenas através de seus conteúdos. Ou seja, a ação pedagógica precisa ser transdisciplinar.
(AN) – É importante, Wanderley, remeter nosso(a) leitor(a) para o anexo posto ao final. Neste anexo está posto um texto feito por aluno. Além disso, está evidente um trabalho sobre este texto.
(JWG) – Sim, é o texto que comenta um dia na vida do aluno. Ressalto um aspecto: comentando seu dia, o menino não faz aparecer a variável Tempo. De fato, o tempo não está grafado, não está teorizado pelo texto. Por quê? Porque o tempo se vive. Refletir sobre o tempo, naquele texto, não foi necessário. Se você trabalhar também com o instrumento matemático, se você se valer também do instrumento da física então você constrói a partir dali a variável tempo.
Então, veja, temos três vertentes de influências sobre um campo de trabalhos e propostas em Educação Interdisciplinar. Primeiro seria a vertente “externa”: livros, apostilas, alguma experiência de outra região. Segundo seria a vertente “interna”: o próprio avanço do trabalho em Língua Portuguesa exigiu que fôssemos caminhando rumo a um tratamento transdisciplinar. Trabalhar sob certa perspectiva (em qualquer disciplina) exige, para avançarmos, o recurso de instrumentos de várias disciplinas. A interdisciplinaridade então é algo que é construído no processo. Ela não é dada previamente. Terceiro seria uma vertente “sindical”, no sentido de que a ação sindical confere ao trabalho um elemento a mais para evoluirmos na ortodoxia da instituição escolar. Naquela época, em nosso trabalho com Língua Portuguesa, não dispúnhamos de um grupo sindical; então, mesmo com certo apoio do CETEPAR (Secretaria Estadual de Educação), o avanço de propostas sofreu um certo estrangulamento. A vertente sindical tem, aqui, uma conotação fortemente pedagógica…
(NA) – … com maior comprometimento pedagógico com certas UTOPIAS em educação, penso eu. Não se trata, simplesmente, de que o Sindicato seja “de esquerda” ou, simplesmente, ele “faça oposição”, no sentido de tentar sempre mostrar que toda moeda tem um outro lado. A ação sindical é político-pedagógica com especificidade não-próprias à ortodoxia de uma Secretaria de Governo. Quando o sindicato se compromete com propostas pedagógicas ele tem condições de aprimorar Utopias, naquele sentido que Paulo Freire dá ao sonho possível. Vai por aí?
(JWG) – Vejamos. Qual seria a especificidade de um sindicato de professores que, tendo como patrão de sua categoria o Estado, trabalha no campo do serviço público? Além da luta por condições de trabalho, além da luta por salário digno, há algo que lhe é específico. Também o sindicato dos químicos e o dos metalúrgicos lutam por condições e salário. O específico é dado pelo campo de expressão, que é o campo da educação pública. As definições neste campo, de forma alguma, pertencem apenas ao governo (ou partido que ocupa o governo). A questão da qualidade daquilo que é público, a questão da qualidade da Educação é publicamente trabalhada; assim o específico do pensamento deste sindicato envolve o que é público! No caso brasileiro, esta qualificação de serviço público passa pela luta de “desapropriar” o Estado. “Desapropriar” quer dizer reformular a concepção vigente segundo a qual o que é público responde aos interesses do privado que se apropriou do Estado. A classe dominante considera que o serviço público é “caridade” que concede… Assim, sendo o Estado o patrão, cumpre à especificidade da ação sindical certo trabalho cívico pedagógico…
(NA) – … um militante de base talvez lhe dissesse, Wanderley, que esta especificidade própria à qualidade da ação político-pedagógica fosse marcada por uma certa forma de resistência … em nome de certas Utopias…
(JWG) – … a qualidade da resistência é fundamental. Talvez, por exemplo, a resistência não passe pela suspensão do serviço público, em caso de greve. Suspender o serviço em Educação não é a mesma coisa que, numa linha de produção, o operário suspender o trabalho, o fornecimento de sua força que interrompe o produto final. Esse operário que paralisa a produção de cimento, no exemplo da linha de produção industrial, está forçando o patrão a refletir. E refletir/negociar não apenas “dentro” das rotinas da exploração normal. Em educação é completamente diferente. Para de produzir em Educação no espaço público é uma interrupção que fomenta quais reflexões? A cada greve se reflete sobre isso… aí está o miolo, aí se está constituindo o específico da ação político-pedagógica. Os sindicatos de professores foram, no passado, associações beneméritas, filantrópicas. Em seguida se aproximaram de outros sindicatos, se converteram em associação de trabalhadores. E finalmente vão descobrindo seu específico: sendo trabalhadores são responsáveis e competentes pelo que fazem com a educação pública.
(AN) – Tentando, agora, puxar mais um fio de reflexão, colocaria uma complementaridade entre dois pensamentos. Um primeiro pensamento, elaborado a partir da fala de Paulo Freire, afirma que a realidade é, sempre, multidisciplinar. O Real é um todo, dando-se integralmente à compreensão problematizadora dos Humanos. Se nós, humanos, por facilidade didática, procedemos intelectualmente cindindo o particularizando aspectos do real é bom não esquecermos desta cisão, pois ela – após a análise – necessita retrototalizar-se. Num segundo pensamento, você, Wanderley, acaba de citar a construção da interdisciplinaridade durante o processo de pensar e interpretar. Ou seja, não basta nós tentarmos “tematizar” a realidade e estudar tais temas em todas as disciplinas: isto não garante conhecimentos transdisciplinares, isto não garante que tais temas sejam “temas geradores”. Somando estes dois pensamentos, teríamos que tanto a análise (que divide e parcela, tanto em vista didatizar o acercamento da realidade) quanto a elaboração multidisciplinar de conhecimentos são procedimentos importantes à cognição.
(JWG) – Veja você, é importante situar e, criticamente, uma certa concepção de interdisciplinaridade que toma Paulo Freire e afirma o seguinte: você toma determinados “temas” que são comuns e problemáticos a um certo bairro ou comunidade. Decididos quais “temas” se tomarão, então, as diversas disciplinas: elas irão estudar estes “temas” dentro das suas áreas de conhecimento. Penso que esta concepção não alcança construir conhecimento objetivo transdisciplinar. O que se alcança aí é percorrer (dentro de disciplinas sempre consideradas em si mesmas) alguns conceitos, algumas categorias de cada disciplina. Não se alcança um olhar transdisciplinar sobre um determinado “tema”. O que se consegue é que tais “temas” sejam motivo para que se trabalhem conteúdos previamente dados em cada disciplina. O que é grave é que permanecem intocados, como se fossem pacotes, os conteúdos disciplinares.
Meu questionamento vai pelo seguinte rumo: se o tema gerador é, na verdade, um processo pelo qual eu faço perguntas à realidade, então é deste processo problematizador que surgem as categorias (de várias disciplinas) com as quais eu busco respostas às perguntas. O processo de trabalho é que, servindo-se de temas geradores, requer conceitos e categorias das disciplinas. Se eu, antes do processo de trabalho pedagógico (em sala de aula) defino algumas (e não outras) categorias e conceitos, na verdade os temas não geram nada. No máximo eles motivam os alunos a trabalharem com os conceitos e categorias pré-definidos. Vale dizer, a organização de conteúdos é posterior a um tratamento multidisciplinar que olha para a realidade e problematiza; faz perguntas. No processo de lidar com perguntas e problematizações, docentes e discentes utilizam vários instrumentos disciplinares e, assim procedendo, vão constituindo conhecimento curricular. É possível, claro, um mínimo de projeção sobre o currículo, mas certamente é impossível traçá-lo e defini-lo previamente. Pior ainda é seriar previamente conceitos e categorias.
Vejo aí uma definitiva importância da vertente sindical na constituição do trabalho pedagógico. Ela traz uma certa responsabilidade livre, autônoma. A professora se compreende em sala de aula como uma profissional que constrói sua própria autonomia político-pedagógica. Nesse sentido, a professora não está submissa a nenhuma lista de conteúdos que tenham sido previamente definidos. O trabalho dela é que está comprometido, autonomamente, com a elaboração de conhecimento curricular disciplinar e interdisciplinar. Ao cabo de certos períodos, esta profissional construiu um determinado conhecimento curricular que é seu e de seus alunos. Não é trabalho com orientação transdisciplinar eu afirmar, por exemplo: o conceito de metáfora se deve trabalhar na série sexta, ou sétima… o conceito de metonímia se deve trabalhar na série tal. Ou, ainda, em outra área… a concepção de potência e fração se deve trabalhar na série sexta, ou sétima. Essa seriação acaba lidando apenas com conceber conceitos que, seriados previamente, dificilmente correspondem à problematização que a vivência requer.
(NA) – Mesmo quando bem sucedido pela versatilidade das dinâmicas do docente, este estudo perde em subjetividade para tentar ganhar em ilustração.
(JWG) – Ganha em ilustração, ganha em erudição, certo, mas isso não garante a construção de conhecimento sob um tratamento interdisciplinar. E aí, penso eu, entra aquela reflexão da Magda Soares acerca do “dado particular”…
(NA) -… pelo que entendi, lendo a Magda, coincide em parte com as reflexões de Paulo. Também ele considera relevante este olhar analítico sobre o cotidiano, sobre o particular. Através deste “olhar curioso” o Sujeito se desconfunde do cotidiano rotinizado. E assim se pode desrotinizar as ações Humanas…
(JWG) – O “dado particular” é importante para a teorização. Ele é indiciário. Ele é começo da construção da teoria. O dado particular aponta: “aqui tem um problema”. Em vez de eu pensar (e buscar) categorias ou temas prévios eu posso pensar: “quais categorias e quais concepções esse problema me exige?” A tematização do problema, vislumbrado através do “dado particular” requer quais conceitos, de quais disciplinas? Trabalhar a problematização exige que eu e meus alunos busquemos (nas disciplinas) os conceitos e os instrumentos que elas oferecem para encaminhamento de dúvidas quanto ao problema.
Com este sentido é que eu disse, e repito: a interdisciplinaridade não é um ponto de partida. Ela é um ponto de chegada. Há pouco você dizia, lembrando Paulo Freire: a realidade não é disciplinar, ela é multidisciplinária. E nós sabemos que há uma história da Humanidade que veio tecendo disciplinas. Veio produzindo as disciplinas para aproximar-se (e conhecer) a realidade. Logo, faz parte do meu real, hoje, a existência de várias disciplinas. Não dá para esquecer, hoje, que quando me aproximo de um fenômeno (objeto) eu me sirvo desta ou daquela disciplina.
(NA) – E no servimos, também, da disciplinarização de saberes e de instrumentos. Ou seja, não dá para ignorar as especificidades conceituais e instrumentais da física, da matemática, da história, etc… Se, em nome de uma suposta inter(trans)disciplinaridade eu tentar ignorar as especificidades, na verdade estarei diminuindo a contribuição de cada uma delas. Ou, como você dizia, eu não posso reduzir cada disciplina a alguns conceitos (ou categorias), eu não posso fazer uma seriação com apenas alguns conceitos escolhidos previamente para serem estudados através de “temas geradores”. Por que é que eu não posso fazer isso? Porque os conceitos (ou instrumentos) das disciplinas são uma exigência da problematização vivenciada. Ou seja, na medida em que a interação professor-alunos se volta para os “dados particulares”, na medida em que esta interação se debruça sobre a problematização que a realidade traz, então, sim, professor e aluno utilizam conceitos e instrumentos das disciplinas. Para quê? Para buscar satisfação, para buscar encaminhamentos às questões levantadas pela curiosidade e pela problematização.
(JWG) – E, desde um ponto de vista mais teórico, como compreender este movimento? Para compreender a realidade eu tento juntar estas duas dimensões: a utilidade disciplinar de saberes e instrumentos deve ser juntada, através da experiência de aprender, a aprender, à experiência de problematizar a realidade multidisciplinar dos fenômenos, dos objetos. Essa experiência de aprender a aprender é que constitui um modo interdisciplinar de buscar nas disciplinas algumas facilidades para conhecimento da realidade.
(NA) – Como diz Paulo Freire “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
(JWG) – Há uma outra concepção que já escutei por aí. Gostaria de comentá-la criticamente. Ouvi pessoas que me disseram mais ou menos o seguinte: “Agora é interdisciplinar, quer dizer, agora tudo é linguagem. Como a linguagem perpassa todas as disciplinas, então tudo virou Linguística, tudo virou interação discursiva.”
Penso que esta afirmação é reducionista. Reduz a Educação à Linguística. Reduz a Cultura à Linguística. Não se respeita a especificidade conceitual e instrumental das disciplinas. E não se recupera o potencial de contribuição de cada disciplina. Por quê? Porque na medida em que cada área disciplinar se constitui, essa construção foi um avanço (conceitual e instrumental) no conhecimento da realidade e no autoconhecimento dos Humanos. Quem afirma que “na interdisciplinarização tudo será linguagem” está desrespeitando nosso ponto de partida ocidental. Está desrespeitando em que sentido? Ao longo dos séculos a inteligência humana veio se aproximando da realidade através de particularizar o saber (co0nceitual e instrumental). E, penso eu, a Humanidade não é burra. Ela tentou, ela testou caminhos e fez alguns avanços epistemológicos…
(NA) – No caso, estamos falando dele, da experiência analítica que é um destes avanços. A análise, primeiro, divide em partes, depois analisa cada parte e, por fim, reúne as análises numa concepção de totalidade. A modernidade ocidental fez conquistas imensas a partir do modelo analítico. O Professor Arguello faz comentários muito interessantes sobre isso: o método analítico e a superação dele, sem eliminá-lo, por uma abordagem sistêmica. Coisa dos físicos… contribuindo com o pensamento científico.
Tentando você, Wanderley, e partido desta abordagem sistêmica, eu diria o seguinte: “meu caro professor Wanderley, eu posso afirmar que tudo é Filosófico no conhecimento (na medida em que uma de suas preocupações é com o Sujeito Humano, se fazendo cidadão através de interações de aprendizado). Em seguida, eu poderia afirmar que sim, tudo é Linguística (na medida em que eu tenho como um dos parâmetros de observação do real a constituição de interações linguísticas). Mais ainda, eu também poderia afirmar que tudo é Matemática (na medida em que nós nos servimos muito da formalização lógico-conceitual para lidar com a construção de conhecimentos). Eu também poderia afirmar-lhe que tudo é física e química (na medida em que corporalmente aprendemos e a corporalidade é um conjunto de processos físico-químicos). E vai por aí afora. Todas as disciplinas estão em todos os passos de aprender a aprender.
(JWG) – Neste sentido, eu concordaria. E repito o que já disse: durante muitos séculos a experiência da Humanidade veio conhecendo a realidade através de áreas de saber. Penso que isso não foi burrice. Mas se tornará uma burrice e um atraso se eu reduzir o Real a cada modelito construído “dentro” de cada uma das disciplinas. A escola, em geral, faz esta burrice. Por exemplo: naquela redação do garoto do Paraná, ele não vislumbrou a variável tempo dentro de seu texto. Por quê? Porque não se fala nunca e não se considera nunca que a física “cabe” dentro do raciocínio com a Linguagem. Também não se considera que o raciocínio matemático “cabe” dentro de procedimentos linguísticos. E por aí afora. Portanto, por causa deste tipo de desconsiderações multidisciplinares, não se pode enxergar a variável “tempo” (por exemplo) dentro de um texto-redação. Logo, não se vê e não se aprende com as diferentes ações que um menino faz, muito embora estas ações estejam contadas através de um texto-redação. Só o que se vê são ações de língua… a partir, repito, daquele tratamento unidisciplinar. Numa outra disciplina só o que se vê são as ações de formalização lógico-operacionais… a partir de um estudo matemático unidisciplinar. Numa outra disciplina só o que se vê são ações de temporalidade sequencial, de tipo causa-consequência… a partir de um estudo histórico unidisciplinar e assim por diante.
O que é inadequado aí? Em nome da seriação e em nome da listagem prévia próprias do trabalho unidisciplinar eu tento o seguinte: tento estabelecer passos no crescimento da interação professor-aluno, tento fazer “caber” dentro destes passos o conjunto das ações humanas (de professores e alunos). Em vez de buscar no vivido a matéria prima para que o Ser Humano – reconhecendo-se – construa conhecimento, eu faço o inverso. E o inverso é listar conceitos… é seriar instrumentos e categorias e, em seguida, buscar na vivência exemplos (ou temas) que “contenham” os conceitos listados e que possam ser instrumentalizados de acordo com a sequência estabelecida.
(NA) – Estou me lembrando de um exemplo: já ouvi professores desconcertados, porque descobriram que seus aluninhos de primeira a quarta série sabem e podem raciocinar conforme ângulos e frações… muito embora ângulos e frações seja uma lição seriada para sexta ou sétima série. Esses professores não se assustariam tanto, se invertessem a relação entre a vivência e a criação de conhecimento conforme categorias (e instrumentos) disciplinares. É a vivência que exige categorias, conceitos e instrumentos. É a vivência que permite ao Ser Humano exercer intelectualmente o ato de conhecer. Não é o contrário: não é a lista curricular que permite ao Ser Humano pensar e “curiosar” a realidade.
(JWG) – Agora, é bom dizer: o meu preparo vai crescer, a minha humildade vai aumentar. Meu preparo, enquanto professor, vai crescer muito pois eu deverei estudar de várias outras formas vivenciais aqueles temas e aqueles conhecimentos que já aprendi antes. A minha humildade vai aumentar pois eu saberei dizer que “não sei isto”. E vou tomar esse “não sei isto” como ponto de partida para criar conhecimento. Essa humildade conduz à humildade na Ciência. Pois a Ciência não tem respostas para tudo. Nem ela, ciência, é o caminho único de construção de conhecimentos sobre a vida. Ou seja, estas concepções nos levam a precisar de uma escola que não seja escolarizada, seriada. Talvez fosse o caso de escola mais vivencial… no sentido de experiência problematizada.
Nota
Este texto, publicado como o capítulo II do livro Contribuições da interdisciplinaridade para a ciência, para a educação e para o trabalho sindical, de Adriano Nogueira (coedição da APP (sindicato dos professores do Paraná) e a Editora Vozes em 1995), é parte de um trabalho realizado com professores sob os auspícios do sindicato de professores do Paraná. Na época, o fato de a Secretaria Municipal de São Paulo ter adotado o caminho da interdisciplinaridade, na gestão de Paulo Freire, a questão entrou para a agenda da educação. Por isso, deste trabalho em Curitiba, além do próprio Adriano Nogueira, participaram Carlos Arguello (físico), Eduardo Sebastiani (matemático), Paulo Freire (educação) e eu. Alguns dos capítulos do livro são transcrições de longas conversas com o Prof. Adriano Nogueira (como é o caso do texto assinado por Paulo Freire (cap. I) e os dois textos assinados por mim, Cap. II e III). O primeiro deles é uma entrevista posterior ao curso ministrado (cap. II) e o seguinte é transcrição de uma aula. Assim, estes textos foram feitos a várias mãos porque ele não existiria se não fossem as perguntas do organizador do volume. Obviamente, como um todo, os textos refletem sobre os temas que foram abordados no trabalho de formação continuada dos professores, realizado pelo seu sindicato e de que resultou este livro. E como transcrição de uma conversa, é muito repetitivo, às vezes com falhas de informação porque compartilhada por ambos.
por Mara Emília Gomes Gonçalves | jun 28, 2018 | Blog
É preciso falar sobre a Copa do mundo de Futebol, tem mulher assistindo e torcendo, mas antes devo falar de algo que para além da política reflete a maldade de um grupo com a classe trabalhadora e os pobres, não é sobre o vexame: misógino e fascista da entrevista da presidenciável comunista Manuela, sobre isso e como a sociedade brasileira tem sido humilhada por representações de setores retrógrados, prometo falar em breve. E como pobre paga dívida: esperem!
Confesso antecipadamente que no jogo do Brasil contra o time da Sérvia, já pairava certa tranquilidade pelo resultado desfavorável alcançado pela Alemanha e sua precoce volta para casa, naquele clássico sentimento, estúpido, de que o Brasil não precisa ganhar a copa, basta apenas que a seleção da Alemanha, nosso algoz no 7X1, perca. Lógica futebolística limitada a minha.
Eu estava feliz com os dois gols, seguindo em busca do título, e pensando em mais um dia de ponto facultativo no trabalho, quem é trabalhador sabe bem que isso é maravilhoso. E durante o jogo, pensava como deve ser difícil para o Lula assistir ao jogo da sua cela, e mais que isso é agravado pelo fato de ser uma prisão política.
Mesmo que Lula ouça as manifestações da vigília, as comemorações dos gols, não são possíveis ouvir e sentir as frustrações frente aos nossos chutes perdidos, aos perigos dos adversários grandalhões na nossa pequena área. Sei que tem uma TV na sua cela, mas não falo de ver as imagens, mas de sentir coletivamente e com as pessoas com as quais gozamos de certa intimidade para entre arroubos de alegria e frustrações soltar um ou outro palavrão ou grito mais animado.
Sem censura.
“O meio campo é lugar dos craques /Que vão levando o time todo pro ataque / O centroavante, o mais importante /Que emocionante, é uma partida de futebol!”(É uma partida de futebol. Skank)
Tem uma classe social no Brasil que detesta essas manifestações, esse exagero de sentimentos: esse sangue, suor e lágrimas que se organizam em torno de pequenas vitórias. – Que pelo menos se gourmetize as comemorações! – E assim sambam em salões, odorizados com essência herbal, (porque a palavra erva remete a outra coisa) usam roupas e acessórios originais de torcedores mais torcedores do que aqueles que vestem camisetas compradas em varais nas ruas das cidades, e não gritam, no máximo um: – oh! Que legal!
Então essa gente, não é povão. É gente, e com gente é diferente.
Penso que muitos trabalhadores, sem opção negociada com o patrão, ouvem e veem o jogo em seus postos de trabalho, mas poucos devem fazê-lo sozinho, sem a cumplicidade que o futebol oferece nesses eventos, a situação de Lula é diferente: vigiado pelo poder sensor do conservadorismo burguês e supervisionado pelo sentimento policialesco e hipócrita da mídia e justiça tupiniquim.
Os fogos e rojões Lula deve ouvir, mas sem ter o abraço garantido nas mudanças de placar que nos beneficie, tornam-se meros barulhos que assustam os cachorros.
Sofrer é com o povo, mas com gente é diferente.
Em outro jogo, sem tumulto ou multidões, sem torcida e vitória, acontece um xeque–mate no colegiado da segunda turma, encena-se e aspiram aos elegantes jogos enxadrísticos, usa a jogada chamada Jucá, esconde tucanos, desconsidera as regras, e segue em ritmo de golpe, movimenta-se pelos corredores para derrubar o rei.
Sem monarquia, Lula comenta o jogo popular, apresenta suas necessidades e fragilidades, mas quem fala não diz só do que fala. Eu sinto de cá que é chegada a hora e confirmo nos comentários de Lula, que leio pelo intermédio do Trajano.
Cada copa é uma copa. Liberdade para Dirceu e absolvição de Gleisi não libertam Lula. Cada jogo é um jogo. E a estratégia do tabuleiro já foi anunciada no áudio de Jucá, mas os dribles que saem da marcação são próprios do povão, de uma partida de futebol.
A melhor defesa é o ataque, não temos que esperar pelo Neymar, todo time precisa se colocar em campo, mesmo sem o craque para levar o time todo para o ataque como diz a canção… aliás, nenhum dos melhores jogadores até agora apareceram.
Temos muito jogo e futebol para jogar.
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