O horror das tragédias – naturais e humanas

O horror das tragédias – naturais e humanas

Destruir uma nação – e a história de uma nação – não é só botar fogo e queimar museus, bibliotecas, livros, matas e florestas, nem só poluir rios, mares e cidades. Destruir uma nação é entregar, ou vender a preços de banana, as riquezas naturais – petróleo, minérios, madeira – para poucas e poderosas empresas multinacionais, livres e isentas de impostos. E mais, e de maneira mais trágica, destruir o presente e o futuro de uma nação – a vida do seu povo trabalhador – é impedir injustamente, pela justiça suprema, que um cidadão chegue legitimamente à Presidência da nação,  via democrática.

A sentença da grandeza suprema do império eleitoral brasileiro, proclamada na sessão litúrgica, iniciada já no avançar da noite do dia 31 de agosto e encerrada no amanhecer do dia 1º de setembro, faz lembrar a sessão da corte nacional da Itália de 2 de junho de 1926. Lá, na Itália, o ministério público proclamou aos juízes da sessão: “Por 20 anos devemos impedir que este cérebro funcione”. O cérebro, a que se referiu o procurador magistrado, era o cérebro de Antônio Gramsci, então deputado e intelectual orgânico das classes trabalhadoras da Itália. Por ordem do fascista Mussolini, Gramsci foi condenado pelos juízes a mais de 20 anos de prisão. Só que nem o cérebro de Gramsci parou de funcionar e nem Gramsci parou de lutar pelas classes trabalhadoras da Itália. No cárcere, por mais de 10 anos, escreveu uma das mais ricas, belas, consistentes e importantes obras de ciência política, filosofia, sociologia e literatura do século XX. Foi um preso político, condenado pela Suprema Corte da Itália como subversivo político, perigoso à ordem da nação. No cárcere, Gramsci alfabetizou presos e ensinou filosofia – princípios de ética, direitos sociais, justiça, igualdade social – aos seus colegas de cárcere. No cárcere deleitava-se com a luz do sol durante uma hora por dia, tempo em que os raios solares penetravam pela janela, estreita e no alto da parede. Assim, nas prisões fascistas, Gramsci fez coincidir sua vida com a história do movimento operário italiano lá fora, na vida real. Não é intenção, nem pretensão, comparar Lula com Gramsci. Mas, será apenas uma mera coincidência de fatos históricos? Ou a história se repete, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”?

Aqui, no Brasil de hoje, quem teve força estomacal incorrompível, resistência intestinal heroica e coragem cerebral elevada, conseguiu assistir a sessão do TSE, iniciada no dia 31 de agosto. Teve uma oportunidade única de conhecer – em “profundidade na penetração” – a magistratura judiciosa ordinária, seu pressuposto essencial por natureza, metamorfoseada em magistratura política extraordinária, prenhe de fidelidade e sempre à mando e à serviço do bloco no poder de uma conjuntura política corrupta e corruptora, jamais vista no Brasil.

O cenário, tanto no palco do STF, como no TSE, é o mesmo: juízas e juízes vestidos impecavelmente com ternos, gravatas, vestidos da mais elevada moda, com as togas impecáveis nos ombros e uma fala em linguagem jurisdicional intencionalmente inexata e imprecisa. Para ninguém saber os argumentos e as razões dos seus votos declarados, falam difícil.

Assim, o resultado final de 6 votos contra o Lula e 1 voto (Edson Fachin) a favor do Lula, não foi surpresa para ninguém. Todos já sabíamos da sentença.

Essa é a tragédia política.  Na “guerra de posição”, o TSE é uma trincheira, uma fortaleza superior contra o PT – Partido dos Trabalhadores – consequentemente, contra o Lula, este com mais de 40% de votos, se candidato à Presidência do Brasil.

Fica a pergunta final: o que é mais justo e correto: a sentença política imposta pelo supremo ou a legitimidade verdadeira do cidadão Lula? Temos um fato histórico claro de legalidade sem legitimidade. Uma impostura do legal contra o direito legítimo.

Da tragédia do Museu Nacional não tenho força para falar e escrever. Tenho vontade de chorar.

Lula, sem papas na língua…

Lula, sem papas na língua…

Com a licença do Wanderley e dos colaboradores deste Blog, reproduzo aqui o compartilhamento feito por Maria Alice Armelin em nosso grupo de whatsApp. É preciso. Trata-se de longa entrevista de Lula, em sua versão integral e resumida, publicadas pelo site AntiCast352, que nos chegou por outro, o Tijolaço.  (Os links estão nas imagens)

Trechos

Completa

O Museu Nacional e os presidenciáveis

O Museu Nacional e os presidenciáveis

A tragédia que nos acometeu foi construída muito antes do suposto balão que caiu sobre o mais importante acervo do Brasil. O fogo foi ateado há mais tempo, quando o golpe aprovou a PEC DO FIM DO MUNDO, com o congelamento de gastos na área social.

Como tudo já foi dito sobre o que perdemos, aqui vou imaginar uma entrevista com os presidenciáveis que a mídia tradicional não vai questionar e sequer imaginaria coloca-los no banco dos réus (exceto o Haddad porque na verdade a culpa do incêndio que queimou o passado para destruir o futuro (um passado não revisitado e não ressignificado  apenas fabricará o presente como futuro).

Pois vamos à entrevista e o que diriam os presidenciáveis a propósito da tragédia:

O Fascista: “Tenho raiva quando falam em cultura… Sempre que dizem cultura, saco o revólver. Vou matar todos estes petistas!”

Paulo Guedes, seu assessor econômico: “É como digo, se tivessem vendido tudo e entregue para os colecionadores, isto não teria acontecido. Por isso, o que sobrou em outros museus será leiloado para pagarmos os juros da dívida”!

Picolé de Chuchu: Ahn?? Ahn?? Aconteceu alguma coisa com o Museu Nacional? Veja bem, nosso programa econômico continuará o que vem sendo feito de bom como a responsabilidade fiscal, o teto de gastos, estas coisas que são necessárias para o país crescer. Vou convocar o Skaf para fazer o pato da FIESP fazer o Brasil crescer.

Tudo explicado, nem precisa chamar a assessoria econômica.

Merdeilles: “Hum, hum, hum… ahn? Quando tem problema me chamam, aí eu elaboro a PEC do teto dos gastos. Isso é bom. Gastamos menos, e agora parece que queimou o acervo do Museu, é isso? Bom, não precisaremos mais gastar nada com o Museu Nacional. Isso não é bom? Uma boa notícia. Eu só produzo boas notícias.

Alvorecer do Passado: “Como? Foi o filho do Lula que botou fogo? Eu sabia que tinha a mão do Lula aí. Mas daremos todo o apoio para o que quer que seja, porque meu ministro da Justiça será Sérgio Moro, e aí tudo isso estará resolvido. Com o Moro de ministro, nada acontecerá de bom, quer dizer, de ruim.”

O Cabo da Vassoura: “Ah! Não sabia que existia um museu… Que pena, né? Mas vamos para frente, sempre.”

Lula: desculpem, Lula não pode falar, meu boi Barroso não quer. Na verdade o boi Barroso gostaria mesmo que a palavra, o nome Lula fosse retirado da história, com sua imagem e com tudo, com “o supremo e tudo”.

Haddad, o vice de Lula e seu porta-voz: “Esta conta vai para a PEC do Teto, para o descaso do golpe. Somente uma reação popular poderá nos reconduzir para a construção de uma nação. Eles deixarão, assim no voto?”

Boulos: “Agora o teto se foi… com o que estava dentro. Reagiremos.”

Ciro: “Vou fazer e acontecer para recuperar o Museu Nacional.”

Os demais candidatos não foram encontrados…

 

 

Boa noite, Presidente

Boa noite, Presidente

A convite do grupo da APP-Norte e do Núcleo da APP de Londrina, sindicato dos professores do estado do Paraná, estive em Curitiba nos dias 30 e 31 de agosto. Na primeira noite, uma aula no curso livre sobre o golpe de 2016 na Universidade Federal do Paraná; no dia seguinte, pela manhã, uma palestra na abertura do Ciclo de Leituras de Paulo Freire, um programa conjunto deste grupo da APP, do Núcleo de Estudos Filosóficos da UFPR. Obviamente que falar de Paulo Freire, quando se comemoram os 50 anos de Pedagogia do Oprimido é sempre um desafio e sempre um momento em que razão e sensibilidade ficam ambas na pele exposta de cada um de nós.

E então aproveitei que estava por lá e realizei um dos meus desejos: participar de uma das saudações ao Presidente Lula, injustamente preso numa cela de isolamento na PF de Curitiba, a mando de um juiz parcial e que se reconhece como tal e à mercê de uma juíza de execuções penais que tudo faz para ganhar holofotes ao proibir visitas e aplicar multas estratosféricas. Uma Carolina qualquer que esteve sempre na sombra mas que quer se aproveitar do brilho que a imprensa golpista dá ao juiz Sérgio Moro.

E fui até lá: nas noites de sextas-feiras todos usam velas acesas. Os lâmpadas e holofotes são apagados, para que a luz bruxuleante das velas ilumine na escuridão. Uma analogia perfeita: os focos de luz persistentes, insistentes, apontando para outro foco de luz, uma cela que condensa uma esperança de tornar este território numa nação composta por cidadãos e não por uma elite obtusa, racista, machista, lgbtfóbica, e um povo sem outro futuro que não a repetição da miséria do passado no futuro de seus filhos.

A prisão de Lula, comandada por esta elite de que um candidato claramente fascista é sua imagem, seu espelho, tem suas raízes no que ele tentou e estávamos, pela primeira vez na história, conseguindo: um povo feliz e uma nação independente.

Participei, pois, de um BOA NOITE, PRESIDENTE LULA. E fiquei feliz por estar lá. Então também compreendi um pouco a geografia física do entorno. O espaço ocupado pelos militantes e vigilantes para as saudações diárias a Lula, em horários marcados por insistência da PF, é um terreno alugado, numa esquina, do outro lado da rua onde fica a carceragem da PF. Trata-se, pois, de um espaço de “propriedade privada”: o terreno foi alugado e, portanto, aqueles que lá estão não podem ser simplesmente expulsos, porque afinal tudo o que eles defendem é a propriedade privada (mesmo que o policial que empunha o cassetete nada tenha de seu além da vida). Há outros espaços alugados nas redondezas: casas onde pernoitam vigilantes, onde é preparada sua comida, e tudo aquilo necessário à existência.

A mais ou menos um quilômetro dali, fica o acampamento organizado e mantido pelos movimentos sociais. Três vezes por dia, os acampados percorrem este um quilômetro com suas bandeiras para engrossarem as saudações a seu Presidente, aquele que simboliza uma esperança. Saúda-se muito mais a esperança do que a um indivíduo.

Assim que terminou a saudação, o companheiro Prof. Rui, que reside no bairro e nele trabalha, me diz: “vamos logo, que todo mundo, terminada a saudação, tem que sair, porque os coxinhas estão por aí com seus revólveres”. Ponho-me em seu carro e lá fomos nós ao acampamento. Chegamos antes de seus habitantes. Mas fomos recebidos por um de seus líderes: um professor de Antropologia, com mestrado e doutorado, que exercia seu cargo na Universidade Federal do Vale do Cariri (Ceará) com recursos da Capes (como se sabe, estes recursos acabaram como tudo acaba quando eles põem a mão). Está lá e lá ficará até que Lula seja solto. Com ele fizemos nosso tour pelo acampamento. E uma coisa me impressionou já na entrada: há uma espécie de barricada com sacos de areia, que servem como proteção aos tiros que sempre vem da rua: acontece que o terreno – também alugado – fica no alto, não fica no nível da rua, de modo que qualquer tiro disparado de dentro de um carro terá que apontar para cima, e a barricada evitará que atinja o acampamento em si.

Este é o povo que nos representa, que heroicamente resiste, que fisicamente está lá acompanhando por milhares de outros que para lá dirigem seu pensamento. Foi bom estar lá, foi bom renovar esperanças precisamente numa noite em que o golpe continuado impugnou no TSE a candidatura de Lula. Impugnação esperada, indesejada. Mas todos sabemos a quem servem ministros, juízes, procuradores e delegados… E eles estão morrendo de medo!!!

Para quem quer ver imagens, eis um link: http://www.pt.org.br/plantao-lula-livre-30-de-agosto-2/

 

 

Povo sábio e identificado com Lula, por Débora Suassuna

Povo sábio e identificado com Lula, por Débora Suassuna

Me ocorreu há uns dias a ideia de que precisa ser escrito um texto sobre a identificação do povo com Lula. É que eu andava meio desencantada com a falta de mobilização popular. De 2016 para cá, fui a muitas passeatas na cidade, mas elas foram minguando, minguando… A última de que participei foi a do dia 1º de maio, já bastante fraca. Isso me deixava muito angustiada.

Há alguns dias, entretanto, passei a dar outra interpretação à resistência popular aos descalabros nacionais. O povo é de tal forma sábio e identificado com Lula que, sentindo-se prisioneiro, solidariamente passou a fazer o que Lula está fazendo: submeteu-se calmamente à fatalidade de uma justiça partidária e legalmente manifesta seu voto insubordinado.

Vendo que não tem como lutar na Justiça ou em qualquer outra instância oficial, deixou de gritar e optou pela maior de todas as rebeldias: a declaração de voto no preso, numa demonstração de inteligência política reconhecida como correta no Brasil e no mundo inteiro.

Coisa mais linda…

CAUTELA, de Carlos Drummond de Andrade

CAUTELA, de Carlos Drummond de Andrade

Hora de abrir a sessão da Câmara.

O presidente não aparece.

O presidente está impedido.

O presidente está preso

em casa. Monta guarda

junto ao quarto repleto de ouro em pó.

 

Pode a campainha tilintar,

o sino do Rosário bater e rebater,

o Senado da Câmara implorar

protestar

destituir o faltoso.

 

O presidente tesoureiro do ouro em pó

tributo do povo à regência trina

vê lá se vai abrir sessão.

Presida quem quiser,

Que esse ouro aqui ladrão nenhum virá roubar.

(in. Boitempo & A falta que ama. Rio Janeiro : Sabiá, 1973, p. 11)