É PRECISO LEVAR PARA AS AULAS O FILME A ONDA

É PRECISO LEVAR PARA AS AULAS O FILME A ONDA

Não importa de que disciplina você dá aulas, não importa o nível de ensino em que você atua. É PRECISO VER COM OS ALUNOS O FILME “A ONDA”.

Este é um apelo de professor aposentado!!! Já não tenho turmas, já não dou aulas. Mas participei da formação de muitos professores e é a eles que peço: levem urgentemente este filme para a sala de aula (de preferência a versão alemã, Die Welle, dirigido por Dennis Gansel; não encontrando, a versão norte-americana, The Wave, dirigido por Alex Grasshoff).

Estamos vivendo já há um bom tempo, mas agora recrudesce, a emergência de uma SS brasileira, que segue o mesmo modelo do surgimento da SS hitlerista. Inicialmente, ações de militantes simpáticos a Hitler. Foram num crescendo até a “a noite dos cristais”. Sempre trabalho voluntário e militante, sem um comando específico e sem hierarquia. Eles também tinham apenas um líder que pregava a violência e que apontava o inimigo (no caso alemão, os judeus, os comunistas, os homossexuais; no caso brasileiro, qualquer adversário político ou que não comungue os mesmos lemas – que eles não professam ideias, repetem lemas –  e a comunidade LGBTQ).

Os fatos alarmantes que chegam ao conhecimento de todos deveriam envergonhar até os conservadores de direita, como FHC ou Roberto Freire. Não envergonham. Eles estão agindo precisamente como agiram os conservadores alemães! Na Alemanha, deu no que deu.

Alguém imagina que estes jovens que esfaqueiam, que desenha a canivete suásticas no corpo de adversário, que agridem com garrafas quebradas, que agem em bando (nunca estão sozinhos, porque sozinhos são covardes), publicados os resultados das eleições, simplesmente voltarão para suas casas, com calma, tranquilos, simplesmente felizes com a sua possível vitória? Jamais! Então, vitoriosos, se sentirão mais do que nunca autorizados…

E estão sendo autorizados pelo nosso sistema policial, pelo nosso judiciário! Depois serão também autorizados oficialmente pelo Executivo. Cerrarão fileiras na SS-Brasil, na forma de uma organização social financiada pelo governo, como foi a SS de Hitler.

Pra evitar isso, meu apelo: qualquer que seja a versão, vejam o filme A ONDA em sua escola. Organizem-se em grupo de professores para fazer isso e não serem perseguidos. O momento é de coragem. Se não a tivermos agora, também não a teremos daqui a alguns meses quando entraremos todos em atividades clandestinas para sermos fieis a nossos princípios e a nossos ideais.

E VIVA A DEMOCRACIA! QUE DEMOCRACIA?

E VIVA A DEMOCRACIA! QUE DEMOCRACIA?

É uma manhã cinzenta sem sol. Domingo, dia 7 de outubro do ano 2018. Estou farto, com cérebro latejando e doendo muito, de ouvir mentiras, promessas e ameaças deslavadas de políticos, feitos candidatos desavergonhados. Rindo nas nossas caras em troca dos nossos votos. O mais triste e assustador é o fato de candidatos querendo tomar o poder da presidência do Brasil pelo voto para aplicar um autogolpe e implantar uma ditadura legitimada pelo voto popular. Essa esperteza maldosa só tem vez e valor por força das montanhas de ignorância viva. Assistimos o jogo de disputar a hegemonia consentida pelo voto popular, onde os candidatos, valendo-se de propaganda subliminar na mídia televisiva, eletrônica, visual… tudo fazem para ganhar os votos. Induzir e seduzir os eleitores por esses meios é crime, é imoral.

São exatamente 8 horas da manhã. Neste instante estão sendo ligadas e ativadas as urnas eletrônicas em todo vasto e devastado território do Brasil. É dada a largada para a corrida da democracia. É dado o início da votação. Começa a bendita democracia. Mulheres, homens, jovens, velhos, ricos, pobres, patrões, operários, alfabetizados e analfabetos, caminham pelas ruas, avenidas, praças, uns chegando de carro, outros de ônibus, andam calmos, calados e tristes, acabrunhados, abatidos e descrentes, como se estivessem com o rabo entre as pernas, dirigem-se em direção às respectivas zonas (eleitorais!) e seções à procura das urnas eletrônicas.

Já no local da votação, perfilados em longas filas, com o título eleitoral nas mãos e um papel dobrado, com os números escondidos dos candidatos, aos quais doarão o seu voto, digitando no teclado da urna eletrônica. Que chique! Aqui é permitida a cola no papel, não no celular. É para acertar e validar o voto. Embora, nem todos validarão o voto. O que é ruim para a democracia

Há um conforto, um alento para os pobres: o voto é igual para todos. A igualdade aqui é real. Não é só teórica constitucional, como é para as demais situações por força das classes sociais. O voto de todo mundo vale 1. Não tem voto que vale mais, nem voto que vale menos. Voto livre, secreto e sigiloso.

O silêncio é assustador nos corredores, nas salas de votação, nos portões, nas ruas… Poucos se cumprimentam, quase ninguém fala. Aí é de se perguntar: o dia de eleições não deveria ser um dia festivo, de alegria, de muita conversa, de troca de sugestões, em diálogo livre, de nomes, de candidatos, de partidos políticos, de propostas de governo…?  Não seria o dia alegre de celebração da democracia? Apesar da crise política, social, econômica, ecológica… sem limites e sem soluções que vivemos? Enfim, não seria o dia e momento para discutir a democracia que temos e a democracia que queremos, com elevada intensidade e consciência política?

De repente, vejo uma pequena roda de homens e mulheres, já longe do portão de entrada do prédio, conversando, discutindo, gesticulando… Vou me aproximando sem arrogância. E escuto:

– daí, cumpriu o dever de votar? -perguntou um homem com maldade mal disfarçada no tom de voz.

– Cumpri a obrigação. Votei com raiva e ódio. Se não fosse obrigado votar por lei, jamais votaria nesses políticos ladrões, corruptos e mentirosos. – Assim respondeu o senhor, em tom amargo.

– Eu não votei em ninguém. Nenhum político merece meu voto – respondeu o primeiro.

– Nossa! Assim vocês não ajudam a melhorar o Brasil – falou uma senhora, bem vestida e com elevada elegância.

– Eu também acho que precisamos votar, e votar nos bons candidatos. Quer dizer, nos melhores políticos de partidos comprometidos com programas sociais, econômicos, educacionais, bioecológicos… – falou um jovem, elevando o tom da conversa.

– Cuidado! Olhem lá, – alertou a moça, gesticulando com a cabeça e o olhar para o portão de entrada da escola.

Todos olharam para lá imediatamente ao mesmo tempo. Lá estava o policial bem fardado, com arma na cintura, de boné com distintivo das forças armadas na cabeça, encarando severamente as conversas da roda.

A jovem, em elevado tom pedagógico, falou: “vamos embora. Aqui é a escola e na escola não pode falar de política. É proibido falar e discutir partidos políticos e candidatos no dia das eleições”. Assim, a roda se desfez.

Às 5 horas da tarde foram desligadas as urnas eletrônicas. Encerrou-se a votação. Terminou a democracia com o lacre das urnas. Eu não esperei o resultado da democracia. Mas continuo acreditando na democracia viva, participativa, “substantiva”. Precisamos construí-la coletivamente, conscientemente, com participação de todos, durante todos dias, durante o ano todo, em todos os lugares e espaços.

Os de sempre mostram o que sempre foram: de direita

Os de sempre mostram o que sempre foram: de direita

Terminadas as apurações ontem, já veio a público do Doria em São Paulo gritar que apoia Bolsonaro. Fez isso com rapidez espantosa, porque na verdade não tem qualquer compromisso partidário. Ele é daqueles homens do mercado, que se criam a si mesmos, que se apresentam e representam como “autênticos” porque dizem o que lhes vem à telha sem qualquer conversa com parceiros outros de seu partido. Eles não são homens de partido, são homens neoliberais.

E nosso estadista de Higienópolis veio a público negar: não deu apoio a Haddad. As redes sociais estão “mentindo”. Eis o que escreveu:

Fernando Henrique Cardoso

✔@FHC

As redes divulgam que apoiarei Haddad. Mentira: nem o PT nem Bolsonaro explicitaram compromisso com o que creio. Por que haveria de me pronunciar sobre candidaturas que ou são contra ou não se definem sobre temas que prezo para o país e o povo?

5:38 PM – Oct 8, 2018

Nem é preciso sublinhar a arrogância do que vendeu o que pode do país, acabou com o pires na mão pedindo empréstimos ao FMI, com o Brasil devedor e recebendo aquelas velhas “embaixadas” de técnicos do BM, do FMI, a ditar metas para a economia, a dizer o que deveríamos. Pois não quer ele que qualquer dos dois candidatos preguem o que ele quer para o país? Ninguém, seu babaca, vai assumir o que você quer para o povo, que perde votos… Tome tento e vergonha: você somente será ultrapassado na rejeição pela marionete que você ajudou colocar no Planalto no golpe que você mesmo articulou.

Já a ex-candidata à vice na chapa do PSDB, a senadora do relho, a senadora que confunde Al-Jazira com Al-Qaeda, a senhora Ana Amélia tuitou:

“Nas grandes decisões, os gaúchos não admitem neutralidade! Fui uma das maiores defensoras do impeachment de Dilma Rousseff e uma das vozes mais fortes no Senado contra o desgoverno do PT no Brasil. Não quero que o país corra o risco da volta do PT ao poder”

Dá, como esperado, seu apoio ao Inominável, ao Coisa Ruim, ao fascismo… seu partido, o PP, decidiu apoiar aquele que pensa como o PP: ambos são fascistas. Que o digam os elogios desta senadora aos tiros criminosos desferidos contra a caravana do Lula no Sul, e seu elogio desbragado ao homem do relho… Ela tem que apoiar este candidato mesmo, seu apoio não deveria interessar nem ao pragmatismo político do PT!!! Há votos que temos a obrigação moral de recusar!!! Um deles é o desta senadora que ainda acha que questões sociais e opiniões se resolvem a relhaço!!! Ela que use o chicote a seu gosto em sua vida privada, mas não o torne o instrumento de convencimento político. Vai para a sua turma e descanse por lá, quando não estiver ocupada com o chicote…

E o paranaense desmoralizado pelos seus próprios juízes, Beto Richa, já abriu o voto: vai de fascismo mesmo… Como o Anastasia e o Aécio Neves já traíram Geraldo Alckmin no primeiro turno, apoiando o candidato de sua laia, não se diga que o PSDB é um partido que fica em cima do muro!!! Não, o PSDB já pulou o muro, foi correndo se encontrar com os seus… eles sempre foram casa-grande, pintavam de gente do Centro, mas nunca passaram de uma direita escolarizada.

FHC, João Dória, Ana Amélia, Beto Richa, Anastasia, Aécio Neves… todos estes parceiros com suas fichas-corridas na política brasileira estão apoiando o fascismo. Como as pessoas não percebem isso? O tal “novo na política” (com 28 anos de mandato de deputado ele é “novo na política”!) está bem acompanhado. Dá urticária…

É o que o povo quer?

É o que o povo quer?

Olhando o mapa da votação, não dá para esconder o sol com a peneira. É o que o povo quer, sim. O povo alemão também quis. O povo alemão fez de conta que não sabia de nada. O povo alemão tem vergonha de sua história. O povo alemão somente voltou a olhar para sua bandeira na Copa do Mundo. O povo alemão perdeu a vida, e somente a recuperou porque o capitalismo tinha que ter uma boa vitrine diante da vitória da Rússia, que esmagou Hitler.

Daqui a alguns anos, terão nossos netos um “plano Marshall”? Somente se houver nova guerra fria, agora entre o agonizante EEUU e a emergente China. Nossa geração não verá.

Podem me dizer: “Haverá segundo turno! A luta continua!” E daí? Os dados foram lançados no primeiro turno: destilar ódio é mais produtivo eleitoralmente quando a miséria bate à porta! Como Hitler, somente foi necessário construir um inimigo. Naquele tempo eram os judeus, os comunistas e os homossexuais. Aqui, nos trópicos, o braço longo do Departamento de Estado, em resposta aos interesses econômicos das petrolíferas e das empreiteiras norte-americanas armou um juiz do interior que submeteu todo o judiciário a seu bel prazer, criou através da mídia tradicional uma cavalgada (porque não se trata de cruzada, se trata de cavalgada) moralista contra a corrupções e o resto ficou por conta dos falsários de sempre, agora autores de Fake News e as academias forneceram os corpos bem torneados de nossos jovens da SS. E para não esquecer: como a fonte das Fake News é a elite escolarizada, a universidade com seu cientificismo e neutralidade colocou a pá de cal necessária ao fascismo nacional.

Seria melhor termos um governo fascista eleito sem qualquer dúvida, direto, assim, pela vontade das urnas, manipuladas ou não? Foi tanto ministro dizendo que confiava nas urnas eletrônicas que passei a desconfiar delas pela primeira vez. Aquela reunião presidida pela colegialada D. Rosa Weber foi mais do que ridícula: balbuciava números dentro dos quais se perdia: prestava contas do serviço feito.

Todo mundo sabe que os militares já estão no poder: quem manda no chamado Executivo é o Gen. Sérgio Westphalen Etchegoyen; quem manda no STF é o Gen. Rocha Paiva. No parlamento? E que parlamento temos nós! E que parlamento elegemos ontem!

E como haverá segundo turno, me desculpem os que ainda não entenderam os recados de autogolpe, de vitórias por aproximações do Gen. Mourão: se eles perceberem que o Haddad  possa vencer, enfiarão goela abaixo tanto voto como fez neste primeiro turno.  E a força trará a forca.

Assim, que os otimistas me perdoem. Teremos um fascismo à brasileira. Historicamente, muitos países tiveram que chafurdar para se levantar: França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha (a que mais chafurdou e matou!). É a nossa vez. E novamente faremos como temos feito, como fizeram os alemães: não saberemos de nada, como fazemos de conta hoje: ‘não sabemos’ que o povo negro, o povo pobre, a comunidade LGTB, todos, estão acostumados às cacetadas da tortura policial.

Por meu turno, matriculo-me amanhã mesmo num curso de formação de pastores evangélicos. Pretendo fazer sermões com uma bíblia numa mão e a outra no bolso dos crentes. E hei de vencer e virar bispo da igreja universal. Aí tomarei os melhores vinhos do mundo rindo da cara dos que me sustentarão com o melhor que houver.  O resto? O resto era bobagem minha juventude vetusta aos 72 anos! Mas até um burro de carga aprende o caminho. Aprendo o meu a partir de amanhã de manhã, no meu novo curso!

Ah! Também posso oPTar por um curso por correspondência para ler cartas. Então passarei a ler cartas, tirar a sorte e lhes dizer seu futuro. Cobrarei, evidentemente… Atenderei das 10,00 às 14,00, através da internet! Poucas horas por dia, que ninguém é de ferro, mas precisarei do dinheiro para ajudar a pagar o pato amarelo…

Oh! Satan que me dê paciência! Que Mefisto me apareça noite adentro… fecho acordo na hora!

 

 

FALA O VULCÃO,  de Angye Gaona (tradução de Jefferson Vasques)

FALA O VULCÃO,  de Angye Gaona (tradução de Jefferson Vasques)

Milhares de perguntas ardem

debaixo da terra,

preparam a erupção.

 

Já fervem, já se sacodem;

de combate provocadas,

logo acham as crateras,

estão por vir à tona.

 

São mãos e nas montanhas se alçam,

mãos de magma tomam as estâncias.

Não fica de pé trono

nem possessão nem usura alguma.

 

Sonham as perguntas,

estalos nos tímpanos oficiais.

Se recordam os nomes fustigados,

os desmembrados insepultos,

ocultos debaixo do lodo impune.

Se avivam os nomes nas vozes;

podem ruir os muros das prisões,

podem se tomar os tronos,

diluem-se as fronteiras,

quando se invocam esses nomes.

Nenhuma arma, nenhuma injúria, nada,

haverá de replicar esses nomes calcinantes.

Agnye Gaona. Nascimento Volátil. Poesia colombiana de combate. Tradução de Jefferson Vasques, Sumaré : CEMOP, 2012)

Cabanos!, de Carlos Arruda

Cabanos!, de Carlos Arruda

Esta novela histórica retoma a revolta ocorrida no Pará, entre os anos de 1835, com duração até 1840 quando, definitivamente, os revoltosos foram eliminados pelos governos indicados pela Corte do Rio de Janeiro.

Pela narrativa, o estopim que leva à rebelião foi o massacre na colônia agrícola do Acará, quando o presidente da província – Lobo de Souza e seu comandante James ‘Inglis’ invadiram casas, queimaram lavouras e sedes das fazendas. Um dia, ao voltarem da caça, os dois irmãos José e Antônio encontram tudo dizimado, todos mortos – homens, mulheres e crianças.

Aturdidos, retornaram ao mato e andaram ao léu, sem saber o que faziam, sem nada sentir, somente com aquele dantesco espetáculo nos olhos, gravado nas retinas.

Assim estonteados tinham vagado pela floresta até encontrarem outro grupo de lavradores, que tendo sofrido o mesmo, fugiam sem destino também. A força imperial do inglês Inglis tudo tinha destruído no Acará, na fúria de castigar e destruir um povo que lutava somente para ter o direito de trabalhar e viver com dignidade e justiça.

Inominável crime era ter família, trabalho e uma casa no Acará: terra de rebeldes e anarquistas, na opinião do governo.

Os injustiçados e rebelados reúnem-se na casa de Francisco Pedro Vinagre: tinham que tomar uma decisão, já que o antigo governador e líder, Pe. Batista Campos havia proposto depor as armas e negociar com o governo despótico de Lobo de Souza. Na reunião, decidem que continuarão a luta e, por proposta de Eduardo Nogueira, de alcunha Eduardo Angelim, definem a estratégia de tomada de Belém, não numa guerra frontal que seria suicídio, mas localizando suas forças em diferentes pontos para um ataque simultâneo. O ataque se daria terminados os festejos de Reis.

O narrador faz, neste episódio, três contrapontos: a vida da aristocracia que vai ao Teatro do Largo das Mercês; o povo festeja nos arraiais, e os cabanos tensamente se preparam para o ataque em seus esconderijos. Esta sobreposição de narrativas dá ao leitor uma espécie de imagem fílmica de uma Belém em pé de guerra que insiste em viver como se o clima irrespirável de uma guerra tivesse, por encanto, desaparecido por milagre.

Iniciadas as escaramuças de janeiro de 1835, em plena luta, faleceu o velho Pe. Batista Campos, o que levou a uma trégua entre as partes para as cerimônias do enterro do antigo governador da província. Solenidades e homenagens terminadas, recomeça a guerra, vencida pelos cabanos, com a morte de Lobo se Souza que se recusara se entregar, mesmo os cabanos lhe tendo garantido a vida. Angelim reúne os companheiros:

Meus patrícios e irmãos de luta. Vencemos e portanto doravante cabe-nos a responsabilidade de governar a província. E para governar, e governar bem, precisamos de ordem e prudência. Nossa primeira providência deve ser a de escolher entre os companheiros de luta um governador, para que ele, em nome da liberdade e da justiça, possa restabelecer a paz e a ordem na cidade no interior.

Os revoltosos empossam seu primeiro presidente, aclamado pelos companheiros e pelo povo: o coronel de milícias Felix Antônio Clemente Malcher.  No entanto, como vai dizer o Pe. Casemiro, um dos revolucionários

O coronel Malcher sempre foi homem da classe abastada e dominante. Ferido em seus interesses pessoais pelo arbítrio de Lobo de Souza, juntou-se ao povo, para usá-lo como instrumento e meio de alcançar o poder. Ele nunca deixará de ser um aristocrata rural, e politicamente está com a regência. As promessas que arrancamos dele no dia oito, ele as pôs no tinteiro. Tão violento e arbitrário quanto Lobo, ele vai continuar a prender, espancar e atemorizar a todos, para garantir a sua nomeação no cargo pela Corte.

Novamente, a revolta. Na batalha, liderados por Vinagre, pois Angelim e Lavor estavam presos, mais uma vez saem vitoriosos. Malcher foge para o brigue “Cacique” das forças imperiais, que a estas alturas já estavam negociando com os revoltosos uma saída para a crise. Na verdade, os cabanos, contrariamente as guerras no sul, que aspiravam a independência, não desejavam desligar-se do Império num novo país ou numa república. Apenas queriam um governo de um paraense, que conhecesse as necessidades locais e que governasse sem arbítrios.

Francisco Pedro Vinagre torna-se o segundo presidente cabano. E nas negociações, ficaria no cargo até que a Corte definisse o novo presidente. Durante seu curto mandato, enfrentará forças fieis, lideradas pelo Pe. Prudêncio, em Camatá, que se rebelam contra os cabanos. Nova escaramuça, mas o presidente Vinagre não autoriza um ataque direto. Já estamos em junho de 1835, e traindo as negociações, foi nomeado para o cargo novamente um português: o marechal Manuel Jorge Rodrigues, que tomará posse em cerimônia na Câmara Municipal e depois no Palácio.

Inicialmente, o marechal se mostra magnânimo no governo, conversando amigavelmente com os cabanos. Antônio Vinagre e Geraldo Gavião não confiam. Este diz a certa altura em reunião das lideranças dos cabanos:

– Bem, meus amigos, eu sou mais simplório. Jurei que português não me governava mais, e vou cumprir a promessa.

Durante os primeiros tempos do governo, nada de novo acontece, mas no final do mês chegam a Belém “dois regimentos de mercenários estrangeiros. São ingleses e alemães, recrutados a ouro, para servir o império. O efetivo da força foi aumentado para 1.500 homens. O marechal se preparava para anular de vez todo e  qualquer foco de rebeldia.

Um grupo, liderado por Geraldo Gavião e Antônio Vinagre, abandona Belém. São emboscados em Vigia, mas conseguem tomar a cidade. Com isso se inicia a segunda guerra dos cabanos, que será mais uma vez vitoriosa, com o Marechal saindo de Belém e refugiando-se numa ilha onde fica aguardando reforços e instruções da Corte, que designará um novo presidente para a província, novamente um português, o general Soares Andréa.

Enquanto isso, em Belém o governo cabano se instalava, agora sob a presidência de Eduardo Angelim: “Aclamado presidente da província do Grão-Pará, aos 21 anos, Angelim é o mais novo governante democrático do Brasil e do Novo Mundo”.

Em seu governo tenta fazer a vida voltar ao normal, com uma função difícil: controlar o exército cabano, heterogêneo e sem a rígida disciplina militar. Terá que acabar com os excessos criminosos praticados sob o mando cabano! Fará isso, inclusive prendendo ex-companheiros de luta.

Os imperiais acabam fazendo cerco marítimo à cidade. Começa a faltar víveres. Muitos habitantes começam a abandonar a cidade dirigindo-se para o interior. A luta com os imperiais seria uma questão de dias. E ela acontece, não tendo as forças cabanas condições de resistir ao cerco e ao bombardeio pesado sob o comando de Soares Andréa, que desembarga em Belém e assume o governo enquanto os últimos cabanos, sob a liderança de Angelim, abandonam a cidade, furam o cerco e sobem pelo rio Acará.

A repressão e a perseguição aos cabanos se iniciam, com a morte dos líderes. Sobraram apenas aqueles que subiram o Acará. Estes conseguem fugir, embrenham-se na floresta e sobrevivem graças a ajuda de alguns indígenas. Mas serão depois de seis meses capturados e levados a Belém. Encerra-se a revolta dos canudos! Numa conversa, diz Angelim:

… Nós fomos vencidos pela força das armas. Não somente nós os paraenses. Do Pará ao Rio Grande do Sul todos os movimentos nativistas libertadores serão aniquilados, sem dúvida, mas os ideais expostos com tanta coragem e determinação, defendidos com tanto sangue e tantas mortes, não poderão ser aniquilados pela força! Todas essas lutas nacionalistas, de Norte a Sul, são a explosão da brasilidade. Estão consolidando a nacionalidade e farão do Grito do Ipiranga um verdadeiro grito de independência e soberania do povo brasileiro.

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Para um país que emerge como independente na primeira metade do século XIX, sob um grito do herdeiro do trono da metrópole, que funda um Império em que reinam os colonizadores, em que o governo é entregue sempre às mãos de portugueses, em que o primeiro imperador renuncia a seu trono para disputar com o irmão, em Portugal, a coroa para passa-la para sua filha, em que uma regência comanda com a força mercenária e com a perspectiva de que não há nação, mas sempre uma colônia a ser explorada e cuja riqueza, agora, não mais precisa ir para os cofres de Portugal, mas pode ficar aqui enriquecendo a elite que se constitui em torno do palácio e nas “novas” nobrezas e títulos concedidos pelos sucessivos regentes e pelo segundo imperador; em que o governo imperial, usando a força, chacina e apaga qualquer veleidade de liberdade efetiva e de independência e soberania popular, nada melhor do que ler romances históricos como este. Tabajara Ruas romanceou as revoltas do sul (Os varões assinalados). A revolta de Canudos (romanceada por Mário Vargas Llosa, A guerra do fim do mundo), a revolta do Contestado (romanceada por Guido Almeida Sassi, Geração do deserto). Há tantas outras e foram tantas as revoltas brasileiras que buscaram a construção de uma cidadania, que o mito de povo pacífico e apático, quando nos debruçamos sobre estas histórias, começa a ruir.

É preciso, no entanto, sublinhar: as palavras atribuídas a Angelim permanecem atuais. A elite brasileira que se formou à sombra da “independência” do grito do Ipiranga que manteve o governo na mão dos colonizadores, que vicejou à sombra dos palácios, que impôs a duração da escravidão fazendo-nos os últimos do mundo a aboli-la, que sempre teve seus privilégios resguardados como “membros de uma corte” protegida agora não por imperadores e suas forças, mas pela força militar; que sempre chamou o exército e as ditaduras toda vez que alguma rebeldia se concretizasse na vontade de haver uma cidadania, que se modernizou tanto em seus modos de opressão que não têm qualquer drama de consciência em se aliar com o estrangeiro para continuar sua exploração, entregando nossas riquezas, esta elite ainda está aí: é escravocrata e exploradora do trabalho e do povo que por ela deve ser sempre mantido à míngua. Do contrário, mostra sua força em golpes de estado, militares ou civis, pouco importa. Vivemos isso ainda hoje. E ainda hoje alguns dos ideais dos cabanos, dos farroupilhas, permanecem como ideais.

E, como disse o último dos perseguidos, Luiz Inácio Lula da Silva, ideias e ideais não são presos, não morrem. Persistem. Persistem. Persistem. Quando se concretizará a profecia de D. Hélder Câmara, de que os miseráveis um dia fariam de seus ossos armas? Enquanto esse dia não vem: mantenhamos acesa a luz que nos forneceram tantos mortos em tantas revoltas.

Referência. Carlos Arruda. Cabanos! Novela histórica. Belém : Cejup, 1997.