Caim, de José Saramago

Caim, de José Saramago

Certa vez me disse o amigo Jorge Larrosa que Saramago conhecia o ofício de escritor como nenhum outro em sua época. Este Caim o mostra com folga: somente um artista consegue contar uma história conhecida de forma desconhecida, tornando o enredo que constrói um modo de enredar o leitor que acaba ficando curioso para saber qual o novo episódio que se seguirá ao que acaba de ler.

O Caim de Saramago é sim o assassino do irmão abel –aquele que ao nascer surpreende os vizinhos por ser loiro e branquinho, sub-repticiamente dando a entender que entre o querubim azael, que cuidava da porta do Paraíso depois da expulsão, e Eva, que foi lhe pedir frutas porque estavam com fome, houve mais do que simples trocas de olhares. Como sabemos, caim recebe como castigo não só a marca na testa, mas a maldição de viver errante pelo mundo. É desta errância que retira o escritor o perambular de seu personagem. caim vive ‘presentes’ – cada presente é um episódio bíblico, e o percurso de Caim o faz cair no presente de cada episódio, do Paraíso ao Dilúvio.

Saramago inova em alguns episódios. Por exemplo, quando abraão está com seu punhal erguido para sacrificar o filho isaac como lhe mandara o Senhor para comprovar sua devoção a seu deus: como aqui os anjos se atrasam com a mensagem e a tarefa de suspender o ato – por problema mecânico nas asas – é caim quem segura o braço de abraão não permitindo o crime. Com isso, ganha a proteção dos dois anjos em suas errâncias. Notável o diálogo entre abraão e isaac, quando voltam para casa:

Perguntou isaac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me, a mim que sou o teu único filho, Mal não me fizeste, isaac, Então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, que o senhor o cubra de bênçãos, estarias agora a levar um cadáver para casa, A ideia foi do senhor que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor de nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos, E se esse senhor tivesse um filho, também o mandaria matar, perguntou isaac, O futuro o dirá, Então o senhor é capaz de tudo, do bom, do mau e do pior.

Neste episódio se aprofunda o tema efetivo deste romance: a disputa de caim, o homem caído, com as injustiças cometidas pelo deus do Velho Testamento, que vive a cobrar sacrifícios, que mata inocentes em função de pecadores – por exemplo, não retira as crianças de sodoma antes de queimar a todos vivos porque por lá homens gostavam de deitar com outros homens.. A Sodoma, caim chega acompanhado de abraão e seguem para a casa de lot, para saberem o que está acontecendo.

Então viram o grande ajuntamento de homens em frente à casa de lot, os quais gritavam, Queremos esses que tens aí, manda-os cá para fora porque queremos dormir com eles, e davam golpes na porta, ameaçando deitá-la abaixo. Disse abraão, Vem comigo, damos a volta à casa e chamamos ao portão das traseiras. Assim fizeram. Entraram quando log, por trás da porta da frente, estava a dizer, Por favor, meus amigos, não cometam um crime desses, tenho duas filhas solteiras, podem fazer o que quiserem com elas, mas a estes homens não façam mal porque eles procuraram proteção na minha casa.

E como sabemos pela história sagrada, safa-se a família de lot, mas sua mulher foi castigada pelo crime da curiosidade: virou estátua de sal… Os episódios não seguem uma cronologia: caim “tanto poderia avançar como voltar atrás no tempo, e não por vontade própria, pois, para falar francamente, sentia-se como alguém quemais ou menos, só mais ou menos, sabe onde está, mas não aonde se dirige”.

O episódio de job narrado como se tudo não passara de uma aposta entre lúcifer e deus… a vida sexual de caim, deitando com lilith de quem nasceu enoch… e depois a atividade sexual contínua na barca de noé, com suas noras e mulher, para repovoar o mundo como mandara o senhor a seu fiel noé.

No entanto, durante o dilúvio, caim faz morrer toda a família de noé e quanto a barca ‘aporta’, e o senhor chama noé, somente sai caim dizendo que matara todos e assim desfazia os planos do senhor de refundar a humanidade.

Nesta versão, caim, o homem, vence os planos do senhor, o deus. Mas se mantém para sempre o que a história registra nesta disputa entre caim e o senhor:

A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.

Referência. José Saramago. Caim. São Paulo : Cia. das Letras, 2009.

(…)

(…)

O texto de hoje é um parênteses. Um fôlego nada nostálgico que tenta recuperar a capacidade de enxergar beleza na humanidade. Não posso falar de tempo outros, quando olhar o futuro se tornou frio e solitário (sem essa de mãos dadas), então me atento à beleza de não enxergar.

É por assim dizer um mergulho no raso.

Entendendo tardiamente que percorremos os dias em fotos que escolhemos os melhores ângulos, cores, gestos que traduzem uma vida não vivida, mas eficientemente capaz de fabricar versões de nossas próprias emoções, ao tempo em que somos ignorantes de ver os que estão ao nosso lado.

É exatamente assim que produzimos o nosso passado glorioso: sobre os cadáveres exaustos de nossos antepassados, negligenciando o nosso presente e o futuro já deixará de ser importante.

Se nenhum discurso interessa mais, nada poderá acontecer de novo que não caiba na tela do smartphone, na pesquisa do google, e na decisão de nos tornarmos alheios ao que se quiser.

Transferimos para as nossas vidas a mágica de escolher o que queremos ver, o que queremos curtir, e o que desejamos que vejam e saibam de nós. Somos autores de uma narrativa sem pedra no caminho, meu caro Drummond. Embora não sejamos senhores sequer do nosso próprio tempo. Isso não parece estranho?

Se pudéssemos escolher uma imagem que traduzisse o futuro dos muitos que não terão o que comer com a aprovação da reforma da previdência, dos que voltaram ao mapa da fome e miséria, das crianças subnutridas, dos milhões de doentes que ficaram sem remédios dado o cancelamento do governo do programa de medicamentos gratuitos, das vítimas dos agrotóxicos adicionados aos produtos que com sorte e um tanto de dinheiro consumiremos, da intolerância, do machismo, do racismo, do fim da educação pública gratuita, da embaixada fast food, da justiça parcial, do assassinato sem conhecimento dos mandantes, da prisão sem provas e com delações forjadas. Que fotos seriam afinal?

Precisaríamos de imagens que não temos acesso, dos cotidianos que não nos pertencem. Pertencem aos 1% que equivalem ao patrimônio de 50% da população. Pessoas encasteladas com seus dias cheios de descanso e diversão, cheias do que há de melhor no mundo: paraísos naturais, tecnologias de ponta, e tempo.

E talvez o tempo seja dinheiro, e o dinheiro seja um deus bem maior que outros.

Ainda assim produzimos nossa própria decadência. Qual imagem pode ilustrar a cegueira escolhida, que literatura pode acalentar o coração sem compaixão, que música terá poder de fazer dançar as dores alheias?

– As mentiras não se opõem a verdade, criança! – disse o senhor Tempo.

Prestamos nossas mais sinceras homenagens a nossa incapacidade de ser reflexivo sobre a morte dos outros:  As fotos de nossas alegrias? Nossas vitórias pessoais? Nosso fazer de conta que está tudo bem enquanto me esforço para não ver o outro.

É mesmo preciso se afastar para não adoecer. Então escrevo quando escrever se torna ofício de ingratidão, antes fosse possível a mim dizer coisas amenas, sem incomodar. Falar do belo e do bom, destacar exemplos que reforçam nossas faíscas homeopáticas de ver o outro.

Cabe ao parêntese guardar na narrativa o sentido que se quer dar, mas seu conteúdo quase sempre é dispensável.

MELANCOLIA DE UM PRESIDENTE – TAL PAI, TAL FILHO

MELANCOLIA DE UM PRESIDENTE – TAL PAI, TAL FILHO

Vamos às últimas manifestações instantâneas e às medidas e aos atos, espertamente programados do presidente do Brasil, nos seis meses e meio de governo.

  1. Hambúrgueres para os pobres e petróleo e minerais, madeira, bancos … para os ricos colonizadores de sempre.

– Filho, vem cá.

– Pois não, pai.

– Vá ser embaixador do Brasil em Washington.

– Mas… papai…

– Filho, seja igual ao pai. Você tem qualificação diplomática para assumir o mais importante posto na escala brasileira. Você é um doutor em diplomacia. Não esqueça isso.

– É verdade, papai. Você me fez lembrar uma coisa que eu já tinha esquecido. Tenho uma vivência do mundo extraordinária, genial! Você se lembra, papai, já fiz intercâmbio. Já fritei hambúrguer lá nos EUA, no frio do Maine. No frio do Colorado, numa montanha lá, aprimorei o meu inglês. Assim, sou um doutor, um PHD em fritar hambúrguer e falar a língua do Trump.

– É isso aí, meu filho. Tal pai, tal filho!

Diante deste espetáculo trágico, aterrorizante, todos os brasileiros e todas as brasileiras – honestos e honestas – sentimos vergonha jamais vivenciada em nossa história de brasileiros e brasileiras. Podemos imaginar uma cena de um embaixador brasileiro fritando hambúrguer em Washington. Um carrinho, com fumaça esbranquiçada,  empurrado pelo embaixador brasileiro, na frente da emblemática Casa Branca, Bolsonaro fritando hambúrgueres e servindo ao presidente Trump! É claro, hambúrgueres feitos rigorosamente de acordo com a receita determinada pelo Trump. Hambúrgueres feitos de petróleo da Petrobras, minérios em quantidades e variedades sem restrições, madeiras nativas da Amazônia sem regras e medidas de demarcações e proibições, tudo temperado com os altos e sem fim lucros rentistas financeiros. As refeições de hambúrgueres serão feitas em família – Trumps e Bolsonaros – sempre sob a guarda e proteção da justiça brasileira. Este é o novo modelo – modus operandi – do neocolonialismo: os colonizadores inventam e oferecem novas tecnologias aos colonizados, com esta generosidade bondosa impõem novas regras para se apropriar dos bens naturais e da força de trabalho mais barata para garantir a acumulação de  altos lucros e rendimentos  sem fim aos cartéis dos colonizadores, usurpadores de alto capital estatal e das riquezas e bens comuns – de todos. É bastante complexo e de difícil entendimento e de constrangedora explicação ao público esse novo-velho colonialismo mundial e nacional em alta, aqui e lá fora. Desse jeito, o Brasil irá continuar uma neo-colônia dos Estados Unidos da América. Fica a pergunta: o que está por trás – nos bastidores invisíveis do palco nacional – da indicação do Bolsonaro filho pelo Bolsonaro pai para a embaixada nos EUA?

  1. A difícil, ardilosa, trapaceira reforma da Previdência do Brasil. Uma garantia legal – embora não legítima – para os poucos mais ricos ficarem cada vez mais ricos e as multidões de pobres trabalhadores – mais de 80% dos brasileiros – ficarem mais pobres, em quantidade e qualidade. Assim, serão mais pobres em número e mais pobres em condições materiais e sociais de vida. Com essa previdência vai se garantir os privilégios dos detentores de altos saláios, dos políticos e dos juízes, ministros, militares, funcionários de alta escala, a reprodução dos lucros dos poucos ricos às custas da pobreza e dos sofrimentos dos já pobres – trabalhadores empregados-desempregados, miniprodutores autônomos ocasionais, etc. etc…. As articulações, as trapaças, as negociações, as maquinações do jogo de benefícios às custas do dinheiro público no Congresso para garantir os votos necessários para aprovação da reforma da Previdência foram de humilhar todos os brasileiros e todas as brasileiras defensores e praticantes dos princípios e atos humanos éticos. Dois bilhões e quatrocentos milhões de reais foram subtraídos do Programa Mais Médicos para passar aos deputados na forma de emendas parlamentares. Estes mesmos deputados aplicaram o impeachment da Dilma, por praticar as “pedaladas”. Assim, milhões de brasileiros e brasileiras sofrem de doenças terminais por falta de médicos. É um crime doloso utilizar dinheiro do orçamento da União para comprar votos de deputados para aprovação da Reforma da Previdência. E o que dizem e fazem os meritíssimos juízes do Supremo? Isso não vem ao caso?
  2. As pretensiosas lições do pretensioso professor Bolsonaro. Segundo declarações de Bolsonaro, críticos intromissores governantes da Europa e de países do 1º mundo tem muitas lições a aprender com ele, aqui no Brasil – “temos muito a ensinar à Alemanha”. Precisam visitar a Amazônia para ouvir as lições que ele tem para dar para eles sobre o meio ambiente e a devastação das florestas nativas. Bolsonaro vai dar aulas para Merkel e Macron no curso de Como usar duzentos agrotóxicos – venenos – no cultivo de seriais, frutas, legumes, verduras… Lições de como usar a tecnologia mais avançada para derrubar árvores na Amazônia.

Assim, enquanto a rainha Elizabeth II, aos 93 anos de idade, planta árvores lá no Reino Unido, aqui Bolsonaro autoriza cortar e derrubar florestas sem limites para continuar a entregar madeira aos colonizadores.

No último dia 9 de julho, a rainha, muito elegante e toda vestida de cor-de-rosa e de mais alta nobreza imperial, empurrava terra para a cova do pé de carpino, com mãos e braços firmes, com muito carinho e amor pela natureza, pela vida saudável do planeta. Uma lição de aula prática para o mundo todo aprender e praticar.

Pena, é uma lástima, que Bolsonaro, seus aliados políticos e seus apoiadores do agronegócio não conseguem, não tem sentimentos humanos de amor e respeito pela vida saudável de tudo o que há na terra.

Dinheiro para alguns poucos, acima e às custas de todos. Eis a questão.

‘Future-se’, a universidade paga e sem pesquisa

‘Future-se’, a universidade paga e sem pesquisa

Primeiro, recebi uma mensagem de Alexandre Costa: estão querendo excluir dos programas de pós-graduação brasileiros os professores que não tiverem parcerias internacionais. Costurei com meus botões: estes que nos cercam, estes com quem convivemos, estes que se pensam iluminados por prestarem assessorias a órgãos de financiamento e avaliação, como Capes e CNPq, estes que se dizem acadêmicos, estabelecem regras com base na realidade sonhada, imaginada e inexistente: a internacionalização de tudo e de todos, com produções ao estilo previsto de qualquer revista internacional, cuja redação deve passar pelos seguintes tópicos: objetivo, justificativa, metodologia, apresentação de dados da pesquisa, análise dos dados, conclusões (que devem ser sempre provisórias, não porque em ciência todas as hipóteses são provisórias, mas somente para abrirem o espaço para o próximo artigo, de modo que alguns destes ‘acadêmicos’ passam a vida a escrever sobre o mesmo, em cada artigo acrescentando uma vírgula…).

Quando diretor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, visitou a universidade um comitê executivo de um conglomerado de universidades ‘internacionais’ que tinha por objetivo compartilhar uma biblioteca virtual. Os institutos e faculdades mais equipados na época eram das ‘ciências duras’ – física, particularmente – e das engenharias.

A proposta entusiasmou seus diretores, mas o comitê insistiu em outra parceria: queriam digitalizados os livros de literatura brasileira e das ciências humanas brasileiras. Mas estes os setores menos equipados para a “internacionalização”! Como diretor, fui consultado sobre a viabilidade de digitalizarmos o acervo da biblioteca: respondi que para tanto precisaríamos de equipamento e pessoal, porque com os recursos disponíveis isso era impossível. Não sei se no final da visita a reitoria – era nosso reitor o Prof. José Martins Filho, da Medicina – e o comitê assinaram algum protocolo de intenções. Se assinaram, nada se concretizou com a digitalização da biblioteca do Instituto.

Conto esta história apenas para recuperar aqui que a forma de ingresso no mundo global é ser local, como defende Boaventura de Sousa Santos. Nesta historinha, as bibliotecas das engenharias e da física, com seu acervo internacionalizado, não interessaram àquele comitê executivo. No entanto, estes ‘acadêmicos’ não brasileiros que pensam fazer ‘ciência’ aplicando modelos a dados locais não conseguem entender o que seja ser ‘local’ e aí começam a fazer pressões para que todas as áreas em todos os campos, em cada firula e em cada vírgula, funcionem do mesmo jeito, isto é, apliquem modelos que não ajudaram a elaborar, em dados novos para comprovar as ‘teorias internacionais’. E aí querem expulsar dos programas de pós-graduação docentes que insistem em compreender o Brasil, compreender a educação brasileira, compreender a linguagem e as narrativas que circulam neste país. Sempre me lembro do Discurso da Servidão Voluntária.

Estes que já se “afuturaram” nem devem estranhar o que para espanto nosso circula nas redes desde que o Secretário de Ensino Superior, o Sr. Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, avançou em sua exposição na Conferência Internacional sobre Financiamento Vinculado à Renda, na quinta-feira passada. Na reforma administrativa, em nome de um “Future-se”, destruirão as universidades públicas brasileiras. E num programa cujo objetivo seria o “fortalecimento da autonomia financeira das universidades e dos institutos federais”! Seria cômico, se não fosse trágico. Mensalidades serão cobradas – esta a “autonomia financeira” -; as instituições se tornaram fundações de direito privado; professores, pesquisadores, servidores não terão mais qualquer garantia de emprego; e a pesquisa irá para as cucuias… afinal, para que pesquisar no país, se podemos saber os resultados das pesquisas feitas no exterior numa consulta ao Dr. Google?

O que traz o governo fascista e anti-intelectual e anti-conhecimento e anti-povo brasileiro não deve espantar: os “acadêmicos” que foram criando regrinhas e mais regrinhas para uniformizar a pesquisa e para excluir indesejáveis estudos sobre a realidade brasileira pavimentaram o caminho para este “Future-se”. Porque para eles uma publicação de um artigo numa revista estrangeira – de preferência em inglês – vale mais do que publicar algo numa revista de um sindicato de professores que tenha mais de 25 mil leitores! Porque ‘acadêmico’ é somente o que soa em inglês!!! E para ninguém ler, é óbvio, principalmente quando o texto trata de tema como a educação brasileira, suas mazelas, a formação de seus professores, suas linguagens e os discursos e narrativas que aqui elaboram para justificar a desigualdade, a meritocracia, e a ignorância de seu entorno. O Future-se é consequência e aprofundamento da privatização que já vinha acontecendo por dentro das universidades, com as bolsas de produtividade, com as avaliações que privilegiam os bem postos e excluem aqueles que mais precisam de investimento, com as folpudas verbas de pesquisa vinculada a algum centro no exterior, obviamente.

A destruição, agora, vem para valer… Futurem-se! E o Future-se encontrará aplausos, sempre, entre os ‘acadêmicos’ da servidão voluntária.

Incansável

Incansável

Há cerca de um mês, fui convidada a colaborar com este Blog que tem o peso de carregar a marca da pessoa que, com seus estudos e publicações, desde o final dos anos 80, revolucionou minha visão de ensino de Língua Portuguesa e de, como um carimbo ideológico, não a chamamos de Redação, mas denominamos de Produção de Texto.

Muitas coisas a dizer povoaram minha cabeça, retumbando, diariamente, como os sinos das cidades históricas de Minas; mas nada que, ao final, se estampasse na folha branca, postada diante de mim e deixada de lado, para retornar ao trabalho de revisão de uma tese. Sempre aprendo sobre o assunto abordado em todas as produções que reviso e reflito sobre os conteúdos.

Ao concluir o último trabalho, inicio o primeiro registro para apresentar, aqui, uma das minhas tentativas de compreender o mundo, na expectativa de que, socializando os retalhos que juntei, somados aos pedaços reunidos pelos que me leem, possamos JUNTOS albergar nossos sentimentos, ultimamente regados à frustração, à incerteza e ao pesar, decorrentes do retrocesso que estão nos empurrando goela abaixo.

A tese que revisei nasceu como este Blog, isto é, como um espaço de luta, um suporte em que as verdades silenciadas sejam resgatadas; no qual os leitores, sobretudo professores, acessem textos analíticos e se tornem cidadãos críticos; em que o ensino-aprendizagem seja um processo socialmente transformador e por meio do qual, nas nossas interações, a alteridade nos constitua pessoas melhores.

Com o texto acadêmico em questão, pude aprender que o parcelamento do solo de uma cidade “reserva” espaços privilegiados aos ricos, próximos aos locais de trabalho e aos serviços imprescindíveis; com vias asfaltadas e de boa manutenção; com uso “exclusivo”, até entre muros, das áreas institucionais (vias, áreas verdes…) que pertencem a “toda” a população de uma cidade.

Por outro lado, em nome do desenho da cidade, o parcelamento “submete” a classe trabalhadora, os desempregados e pobres às áreas periféricas, muitas vezes alagadas, distantes de tudo, longe dos chamados equipamentos urbanos (escola, posto de saúde, terminais urbanos, parque de recreação…), sem contar a falta de qualidade do sistema de transporte público que lhes é oferecido. Na verdade, são setores sem infraestrutura que passam a ser, obrigatoriamente, determinados para “acolher” centenas de famílias remanejadas de alguma área ocupada, isto é, os apedrejados sem-teto.

Porém, isso já sabíamos há longos anos, por observação e/ou vivência, não é mesmo? Mas pude aprender que, antes de se criar uma cidade, o território possui donos: ele pertence aos fazendeiros, latifundiários, herdeiros do regime de sesmarias (amigos do rei), que doam menos de 0,01% de suas terras para a criação da cidade, mas “ficam”, como todos os outros agentes envolvidos, com terrenos bem localizados. Tais proprietários, além de terem suas terras muito valorizadas, em razão da mudança de rurais para urbanas, ainda reservam zonas que serão valorizadas a posteriori. Assim, mais uma vez, multiplicam o valor do solo, engordando, ainda mais, os seus baús.

Ao Executivo Municipal cabe a responsabilidade de “desenhar” a cidade; preservar, inclusive, as áreas públicas que foram recebidas como doação, quando os proprietários originais parcelaram sua gleba, cumprindo a legislação; executar obras de infraestrutura; criar e manter os sistemas de transporte e outros. A grande maioria são ações nítida e convenientemente coincidentes com as áreas de propriedade de determinado “cidadão de bem”, possuidor de grande gleba.

Ao Legislativo, cabe a tarefa de criar normas que regulem o destino e o uso do solo, como as leis: de parcelamento, de postura, de obras, de plano diretor, de loteamento, de permuta, de desafetação, de venda de áreas públicas, de cessão de uso; sem que os vereadores se ocupem do fato de que, com suas aprovações, uma área que pertencia a todos, passa para as mãos privadas, geralmente em nome do “desenvolvimento da região”.

Além dos proprietários de terra, dos Poderes Executivo e Legislativo, também figuram como atores do cenário imobiliário as incorporadoras, as construtoras e as imobiliárias. Dentre estes, as incorporadoras têm cacife monetário e, consequentemente, político maior que os demais.

Como se vê, a relação entre “posses” X local de moradia “não” se dá, simplesmente, por um indivíduo ter mais dinheiro que uma outra pessoa, para comprar um imóvel caro. “Também” nesse jogo está presente o “conluio” entre o Poder Público _ representado pelo Executivo e o Legislativo Municipais_ e os agentes do mercado imobiliário _ representados pelos proprietários de terra e pelas incorporadoras (incluindo construtoras e imobiliárias).

Em resumo, isto nada mais é do que um “conchavo” entre os gestores “eleitos pelo povo” para administrarem, zelarem e defenderem o que pertence a todo o coletivo, o que é de interesse da maioria da população  E os privilegiados donos do capital.

De uma década para cá, temos como voz corrente, como senso comum, que o Brasil tem um Congresso venal, que Presidentes e Ministros só sabem roubar, que condenação jurídica tem uma relação inversa ao poder aquisitivo do acusado. Por que de 10 anos para cá? O que mudou desde a criação do País?

Quando um governo declara guerra às instituições educacionais públicas, não está mancomunado com donos do capital privado da área da educação? É o Executivo em ação. Quando os legisladores destroem a previdência social, não estão de conluio com os agentes do mercado financeiro que vendem aposentadoria privada? É o Legislativo em ação. Quando um “cidadão de bem” esconde uma mercadoria, para aumentar seu preço; adultera o leite ou a gasolina, para aumentar o volume; não paga impostos, mas compra um avião particular; se camufla de ungido de Deus, para explorar financeiramente os fiéis; traveste-se de juiz, condena um candidato, sem provas, para receber o brinde de ocupar o cargo almejado na mais alta corte não está esse “elemento” se ocupando de aumentar desonestamente seu capital privado, sem se importar com qualquer prejuízo de outrem? São os fazendeiros e empresários em ação. O que mudou? O – q u e – m u d o u ?  O – que- mu- dou? O-q-u-e m-u-d-o-u?

Poderia continuar a buscar resposta na morfologia, na fonética, na sintaxe e na semântica da oração interrogativa aqui colocada, mas seria em vão. Para apenas aplacar minha desesperança, prefiro correlacionar essa indagação ao que está na lápide do túmulo de Martin Luther king: “Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que se enfrente”. (James Baldwin).

A luta continua!

UM FILHO LÁ, MAS NÃO HAVERÁ UM FILHO CÁ

UM FILHO LÁ, MAS NÃO HAVERÁ UM FILHO CÁ

Embora junho já se tenha ido, com o seu dia dos namorados, com as festas de Santo Antônio casamenteiro, com os bailes de São João, Jair Bolsonaro continua a trocar afagos com Donald Trump e imagina que indicar seu filho embaixador nos EEUU é encaminhar para seu Presidente e chefe um reforço na sua campanha de reeleição.

Trata-se de um presente de aniversário: o 01 fez 35 anos, idade mínima para ser embaixador. Aí o presidente de cá disse que cogitava nomear Eduardo Bolsonaro, como embaixador para lá. Para ‘naturalizar’ o nepotismo e insanidade daquele que elegeu, as Organizações Globo informam como verdade o que era ironia nos EEUU: Trump teria respondido que cogitava mandar para cá o seu próprio filho Eric, neste jogo de deferências de aparente igualdade de relações que as organizações Globo tentam fazer crer que existem. Não é verdade! Trump não é bobo e não mandará filho para cá coisa nenhuma.

Todos sabemos que as relações com os EEUU, desde que começou a monarquia Bolsonaro, não são de igualdade e equivalência: o de cá já bateu continência para a bandeira do outro; já declarou inúmeras vezes amores pelo país do outro, e tudo faz para que seu país perca grandes parceiros comerciais para abrir negócios para o outro. Que valha o exemplo da soja para a China: a imbecilidade local esbravejou, deu a entender que não queria mais saber de ‘comunistas  ‘ chineses… e o de lá aproveitou o ensejo, e passou a exportar mais soja para a China, enquanto que o país de cá sofreu uma queda.

Outro exemplo? Que a Perdigão e a Sadia lhes apresentem: graças aos flertes com Israel a gosto dos neopentecostais (e a mando do presidente de lá): uma redução de 20% na exportação para os países árabes. Os paranaenses, tão solícitos para com a República de Curitiba e para com o pensamento (há pensamento?) de Bolsonaro, perderam nada menos do que 1.400 empregos quando a Perdigão e Sadia fecharam uma de suas unidades de produção no Estado.

É assim que vamos virando piada internacional: Eduardo Bolsonaro se vangloria que fez intercâmbio nos EEUU e lá fritou hambúrguer! Uma credencial e tanto para ser embaixador. E mais, quando por lá esteve, pôs o boné de campanha de reeleição de Trump. Como agirá durante a campanha?  Tomará partido novamente? E se os democratas ganharem no voto, que fará nosso ‘abaixado’ embaixador? Fará conspiração, como se a robusta democracia de lá fosse o arremedo de cá, onde a cada período da república, sempre que alguma conquista popular acontece, existe um golpe?

Aqui, a cada 30 anos, um golpe (notem: Floriano agiu como ditador já nos inícios da república; houve o Estado Novo depois de três dezenas de anos; mais três dezenas, o golpe de 1964; mais três dezenas, o golpe de 2016). Será que ele imagina a embaixada brasileira como um bunker de conspiradores republicanos caso Trump perca as eleições?

Mas tudo são especulações. Afinal, a indicação deve passar pelo Senado. Teria o Senado coragem de se contrapor à vontade do clã? Alguns senadores dizem que não aceitam; mas não faltarão os senadores do PSDB para ficarem no muro e votarem a favor daquele que pretende se consolidar como a liderança jovem da extrema direita nas Américas (quiçá no mundo).

Uma liderança cuja cabeça serve apenas para portar um boné… e uma capacidade inata de repetir Olavo de Carvalho, um guru que sabe das incapacidades do seguidor e por isso já se manifestou contra sua indicação à embaixada, passando-lhe outra tarefa: conseguir uma CPI para investigar o Forum de São Paulo, nesta perseguição persistente contra a esquerda.

Na maluquice em que se tornou este país, tudo é possível: até Eduardo Bolsonaro se tornar embaixador, mesmo contra a vontade do guru, porque afinal às vezes o Jair ergue a cabeça e quer mandar também… e o Carluxo ocupar a cadeira presidencial dando ordens a ministros quando não acompanha o pai em viagens para o exterior: fica no Planalto, guardando o lugar, a cadeira, a caneta.