Nos meus pastos, a bela vaca Cal

Nos meus pastos, a bela vaca Cal

O estancieiro examina feliz os pastos cujos limites se perdem no horizonte. São exatamente 4,9 mil hectares, divididos em algumas invernadas… todas povoadas de bois, vacas, bezerros. São vidas animais que trazem lucro, algum lucro, sempre menor do que o esperado e desejado.

Nesta safra, o estancieiro precisa recuperar investimentos feitos: afeito à avareza. Sovina. E gastou. É que não teve escapatória: a visita do comitê não deixou dúvidas – era preciso financiar para ganhar. Uma despesa enorme – qualquer que seja o valor da despesa, para sovinas, ela é sempre enorme.

Segundo dizem más línguas, sua mulher faz parte do grupo das comadres que à tarde se juntam para o chimarrão e cada uma delas se gaba da qualidade da roupa que está usando. A mais admirada é aquela que está usando a roupa que comprou há dezenas de anos. Porque o importante para elas, ajudando a sovinice sua e do marido, é não comprar nada novo! É gasto. E gasto é o “coisa ruim”, é o diabo.

Pois o estancieiro tem uma vaca, chamada Cal. É sua preferida. Entendam bem, ele não é dado a barranquear nada. Cal é viçosa, boa parideira, já lhe deu muito boizinho. Daí a preferência, nada sexual.

Quando entra no cio, o melhor touro lhe é destinado. E o Salieri a cobriu sempre com louvor. Mas ultimamente, o touro mais digno da vaca Cal está pastando em invernada distante.  E por lá se arrepende de ter deixado a estância em que seu vigor era o maioral. Definha naqueles pastos.

A vaca sente falta do bafo, da presença, da força. Desmaia de saudades, mas não deixa de lhe prestar eternos amores.

O estancieiro teme pela vida de Cal. Assim triste, dando chifradas para todos os lados, tentando ferir a todos e todas, e sendo injusta com os touros que se aproximam com algum consolo, candidatando-se. Mas a ninguém ela aceita.

O estancieiro tem a vaca Cal, Cal tem o touro Salieri distante. Cal muge forte. Todo o pasto de 4,9 hectares a ouve. Cal resistirá? Salieri arrependido, perde peso por todos os lados. O estancieiro teme pela vida Cal…  o estancieiro teme pela sobrevida de Salieri.

A vida do campo está difícil, com tantos temores e tremores.

Meu desejo, de Leodegária de Jesus

Meu desejo, de Leodegária de Jesus

Não quero o brilho, as sedas, a harmonia

Da sociedade, dos salões pomposos,

Nem a falaz ventura fugidia

Desses festins do mundo, tão ruidoso!

Prefiro a calma solidão sombria,

Em que passo meus dias nebulosos;

Sinto-me bem, aqui, à sombra fria

Da saudade de tempos mais ditosos.

Eu quero mesmo, assim, viver de lado,

Das multidões passar desconhecida,

Me alimentando de algum sonho amado.

Nada mais quero, e nada mais aspiro:

Teu casto afeto que me doira a vida,

Meus livros, minha mãe e meu retiro.

MORTES POR BALAS PERDIDAS – EFEITOS COLATERAIS

MORTES POR BALAS PERDIDAS – EFEITOS COLATERAIS

É isso mesmo! As mortes de crianças nas favelas, por balas perdidas ou achadas certeiras, na visão dos gênios empoderados, são efeitos colaterais inevitáveis da guerra contra os criminosos.

Chefes de nações – do Brasil e do mundo – já disseram e declararam para o universo inteiro, que o morticínio de pessoas inocentes é o efeito colateral das operações dos homens fardados e armados, das balas perdidas, dos explosivos e das bombas fatais – uma normalidade nos campos de batalha nas favelas, nas periferias pobres, nas fronteiras de países invasores e rebeldes. Para matar criminosos é preciso aceitar a morte de inocentes – preferencialmente a morte de crianças indefesas e inofensivas.

Aqui, para incentivar o combate mortal aos “criminosos” – adversários políticos e opositores ideológicos – o presidente Bolsonaro costuma aparecer encenando gestos com as mãos engatilhando armas, apontadas contra os inimigos. O filho do presidente aparece em posição de sentido ao lado do pai, de pijamas, após uma cirurgia no hospital, com uma arma real na cintura. Cena grotesca aterrorizadora incentivando a luta armada, a violência. O governador Witzel aparece com os punhos das mãos fechados, dando murros ao vento em comemoração a mais uma morte por eficiência das operações super armadas nas favelas. Uma homenagem aos combatentes fardados, pela pontaria perfeita e bala certeira nos muitos criminosos e pelas balas perdidas nos muitos outros inocentes – as crianças são as vítimas mais tristes. Eduardo Bolsonaro, em foto na frente do monumento pela paz na ONU, fez gestos de armas com as mãos – um gesto obceno, cruel, uma agressão aos princípios vitais do universo. Gestos iguais ao próprio pai.

Examinar, analisar, comentar, noticiar asneiras destes atores destrambelhados é ato deprimente. Dá vontade de chorar, além de protestar e se rebelar.

Uma dúvida atroz: estas atitudes dos Boldonaros são genéticas? Pai e filhos querem seduzir as multidões – os ingênuos, acima de todos – com falas e gestos encenados grotescos, toscos e obscenos. Na atual filhocracia brasileira não há negociação, nem tolerância mutua. Pior, não existe planejamento participativo democrático. Tudo se decide e se resolve na e pela impostura, na articulação chantagista de pai e filhos.

Com esta bolsocracia, as conquistas democráticas – instituições democráticas do Brasil: executivo, legislativo, judiciário, organizações não governamentais da sociedade civil – são as vítimas fatais. Sempre, ao gosto, sabor e tempero das elites de extrema direita conservadora.

Por conta e força da filhocracia bolsonarista, as medidas são cada vez mais assustadoras e destrambelhadas: liberação total das armas para o uso em defesa e ataque pessoais; liberação dos agrotóxicos – venenos! – sem fim e sem limites; incentivo à destruição ambiental por conta e ganância do agronegócio exportador, com a desativação dos órgãos públicos de investigação, controle e fiscalização do meio ambiente. O ultraliberalismo contemporâneo privilegia a maximização dos lucros do capital da minoria, eleita para ser rica, em detrimento do ecossistema global – uma ameaça à sobrevivência do planeta – o bem comum de todos. O nosso modelo de agronegócio exportador é o principal responsável pelo desmatamento da Amazônia e do Brasil.

Neste cenário de tragédias e falas grotescas e toscas, de quem tem o dever de falar e dizer palavras de educação, amor, respeito, é triste, desolador, nojento ouvir a fala do Witzel: “é indecente usar um caixão como palanque, especialmente de uma criança”. Ao dizer isso, do jeito que falou, o governador não sabe que já usou o caixão da menina de 8 anos – criança Agatha – de palanque eleitoral?

Diante das tragédias, as manifestações e as falas das autoridades – governador Witzel, ministro Moro… – são estímulos à violência policial.

Witzel se elegeu governador do Rio na onda antipolítica. Agora, associa o caixão de uma criança, assassinada por policial, a um palanque de campanha eleitoral. O ministro Moro se manifesta e fala numa linguagem jurisdicional indigesta, inexata, imprecisa, ambivalente, de múltiplas interpretações para dizer que se trata de uma situação de  “perigo”, de “ameaça”, de “indícios de violência”. Como se uma criança, brincando de boneca de plástico dentro de uma kombi, fosse uma ameaça aos policiais. Deu a entender que o policial disparou o fuzil contra Agatha em legítima defesa e proteção da operação de combate aos criminosos.

Para entender o caso do Witzel, nada melhor que a parte final do poema de Berthold Brecht:

O analfabeto político

É tão burro que se orgulha

E estufa o peito dizendo

Que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,

da sua ignorância política

Nasce a prostituta, o menor abandonado,

E o pior de todos os bandidos,

Que é o político vigarista,

Pilantra, corrupto e lacaio

Das empresas nacionais e multinacionais.

 

Senhores analfabetos políticos, por gentileza, leiam e aprendam essas lições para o bem próprio e o bem de todos.

E porque vocês ministros da justiça, juízes, promotores, procuradores não falam uma língua clara, nítida, exata, precisa, compreensível, inteligível, leve e consistente para todos entenderem o que vocês escrevem, falam e dizem, assim como Ítalo Calvino ensinou? E lembrem-se das lições de Graciliano Ramos: “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer”.Ah!, a palavra é prenhe de ideologia. Por respeito à ética, digam a verdade às claras.

A paz sem vencedor e sem vencidos, de Sophia de Mello Breyner Andresen

A paz sem vencedor e sem vencidos, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ter melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Hilchenbach, de Alexander Wollschläger

Hilchenbach, de Alexander Wollschläger

Ganhei este livro de meu amigo, Prof. Dr. Bernd Fichtner. Hilchenbach é a pequena cidade em que ele vive. Estive por lá muitos dias… A Alemanha tem estas surpresas: densamente povoada, tem muitas metrópoles, mas com poucos habitantes.

As pessoas se distribuem nestas cidades, ou nas aldeias destas cidades como é Hilchenbach, com uma qualidade de vida muito superior àquelas das grandes metrópoles ao estilo dos países que foram um dia colônia, e que tiveram suas cidades “fundadas”, e não vieram com desenvolvimento de pequenas povoações que se foram tornando centros urbanos.

Este pequeno volume sobre Hilchenbach tem como subtítulo :

”Imagens de uma cidade que deve ser amada” (Bilder einer liebenswerten Stadt).

Estas edificações são muito antigas, e estão na rua central da cidade. Segundo o Prof. Fichtner, elas tinham uma característica – aparentemente simétricas em seus traços com as madeiras de sustentação, observando bem se descobre sempre alguma assimetria (quase uma assinatura do construtor). Somente depois da 2ª. Grande Guerra, este tipo de construção mostra uma simetria completa.

A foto abaixo, mostra o mesmo lugar em pleno inverno:

Duas instituições chamam a atenção dos visitantes: o Museu e o Ginásio (escola de ensino preparatório para a universidade, correspondendo aos nossos 5ª. série até o final de nosso ensino médio).

O Museu chama atenção não só pelo prédio, o antigo Wilhelmsburg, mas também pela temática de sua exposição permanente, que remete ao trabalho e seus instrumentos. Poder-se-ia dizer que é um “museu do trabalho”.

O “Gynasium” é uma edificação imponente que foi construída para abrigar as filhas dos Príncipes que não haviam se casado.

No centro de Hilchenbach há um relógio, com carrilhão de sinos que tocam uma música diferente a cada hora do dia.

No entorno estão as pequenas aldeias. Uma delas é historicamente importante: Ginzburg, onde está o castelo do Príncipe de Nassau, avô de nosso conhecido Príncipe Maurício de Nassau, cujo castelo fica na cidade de Siegen, de cujo distrito Hilchenbach faz parte, localizado na Renânia Norte-Westphalia.

Em Ginzburg o príncipe reuniu um exército de camponeses que marcharam contra os espanhóis que haviam dominado a cidade de Antuérpia, na Holanda, participando assim do processo de libertação dos Países Baixos (em torno do início do Século XVIII).

Este castelo foi reconstituído e hoje abriga um museu.

Referência. Alexander Wollschläger. Hilchenbach. Bilder einer liebswerten Stadt. Edição do autor, impressa em Siegen, em 1979.

O MUNDO DE OLHO NO BRASIL – E NO MUNDO

O MUNDO DE OLHO NO BRASIL – E NO MUNDO

A Amazônia está queimando – incendiada por fazendeiros, madeireiros, grileiros e garimpeiros.

O mundo está fervendo – de medo do futuro.

Com lágrimas nos olhos, com dor latejante e profunda no coração, com medo e horror no cérebro, o mundo está cada vez mais unido e com a cidadania humana cada vez maior e mais solidária na defesa e proteção da vida planetária – planeta belo, maravilhoso, generoso, de riquezas sem fim e de coexistência de seres vivos ao infinito. Pasmem! Tão belo e tão rico, o planeta está ameaçado de morte geral, total. Condenado a um planeta sem vida. Por quem? Pelo habitante mais inteligente. O único ser vivo – por enquanto – dotado de inteligência consciente. O ser humano.

As agressões trágicas, destruidoras do ecossistema, por um punhado de seres humanos embevecidos pela ganância sem limites – seres que se “multiplicam e dominam tudo o que há sobre a terra” – estão gerando uma reação, ação contrária, à destruição do ecossistema planetário. O mundo está em movimento, cativado e unido numa frente ampla e universal única, inédita ao longo da história, em defesa, proteção e restauração do ecossistema terrestre.

Como tudo na vida, por força das leis físicas terrestres e espaciais do universo, está partido, dividido ao meio – a metade boa, sábia, confortável, vital, amorosa, poderosa e a outra metade, o seu contrário, má, doentia, desconfortável, mortal, odiosa, omissa, impotente – estamos vivendo uma greve internacional em defesa e por força da metade boa, ou seja, unidos na cidadania em defesa da vida, do ecossistema e contra os governos dementes e seus apoiadores vorazes, com monstruosos efeitos destruidores ecossociais, econômicos, ecoculturais, que vem atingindo o universo.

Primeiro, vamos ver a parte trágica, catastrófica, destruidora do ecossistema planetário pela ação  e obra dos seres humanos. É triste, assustador, horrível, ver, olhar e assistir cenas, imagens de fogo devastador e fumaça poluindo, infestando e aquecendo a atmosfera celestial, ao ponto de esconder o sol brilhante. A notícia trágica é que mais de cento e trinta mil focos de incêndio já foram detectados, contados e nem todos contidos e apagados antes da devastação de florestas sem fim, no decorrer de 2019. O mais nojento e trágico é ouvir as mentiras, as falas falsas e trapaceiras dos governantes – seres humanos que, por força e obediência dos princípios de ética, deveriam dar o bom exemplo de cidadania com programas eficazes e eficientes de defesa, proteção e preservação do ecossistema planetário – no caso do Brasil, a Amazônia cobiçada, desejada e espoliada por devastadores nacionais e estrangeiros.

Em meio ao fogo e fumaça, há cenas nojentas de caminhões carregados, clandestinos, com toras de madeiras sendo levadas aos portos; há escavações profundas por máquinas poderosas e modernas, derrubando as florestas, aterrando vales e rios em busca de ouro e outros minérios preciosos, sem o mínimo de cuidado, respeito e proteção do ecossistema de nossa Amazônia. E aqui e agora, não tenho estômago de falar os nomes dos atores culpados por estas tragédias. Os discursos de Bolsonaro e Trump na abertura da Assembleia da ONU – 24/09/2019 – são insuportáveis. Nojentos.

Bem, agora a outra parte, cidadania nacional e universal, energizada pela coragem, pelo amor, pela vida em luta pela vida do planeta terra, é alentadora. Fiquei orgulhoso, valente e emocionado ver e escutar crianças, adolescentes e jovens aos milhões no mundo inteiro protestando aos gritos nas praças, nas avenidas, nos parques, em frente dos palácios, contra as agressões ao ecossistema e a favor do clima. Uma mobilização de jovens no mundo pelo seu futuro – do mundo e dos jovens. Movidos por uma consciência jovem aguda e por uma cidadania humana ativa, os jovens e manifestantes presentearam o mundo adulto com lições de coragem, inteligência e amor à vida.

Vou terminar este escrito com parte do discurso da jovem ativista sueca Greta Thunberg, 16 anos, quando falou ao plenário da ONU no dia 23 passado, na cara de lideranças mundiais. Com muita cortagem, inteligência e lucidez, Greta falou:

“Isso está tudo errado. Eu não deveria estar aqui, deveria estar na escola, do outro lado do oceano. Mas vocês vêm até nós, os jovens, em busca de esperança. Como ousam?”

“Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias, mas eu sou uma das pessoas que têm sorte. Há pessoas sofrendo, pessoas morrendo, ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no começo de uma extinção em massa e tudo que vocês conseguem fazer é dinheiro e crescimento econômico eterno. Como ousam? Vocês estão fracassando conosco, mas os jovens estão começando a entender a traição de vocês. Os olhos da geração futura estão sobre vocês. E se vocês escolherem fracassar conosco, nós nunca vamos perdoá-los”(Fl. De São Paulo-B6, 24/09/2019).

 

Amazônia restaurada e preservada – um compromisso vital do Brasil e do mundo inteiro.