Como reagir à reforma política dos políticos?

Se ontem fui sombrio – quem não o seria nestas circunstâncias? – hoje serie de um otimismo atroz, atordoante. Sei que ela é inexequível, mas a não correspondência com a realidade de hoje não anula o pensamento e as ideias podem se tornar boas bandeiras para que as coisas mudem… se é que mudar interessa!

Qualquer que seja a reforma política que vier da lavra do fantasmagórico José Serra, aquele duplamente recusado pelas urnas porque representa interesses nada nacionais, ela será para aumentar e perpetuar o poder do Parlamento. Imaginem quanto custará ao país construir uma maioria para indicar um primeiro ministro… e se ele não se comportar como quer o Centrão e adjacências, cai e vem a construção de nova maioria… a cada seis meses uma bolada para cada deputado! Grande negócio o parlamentarismo para a Câmara Federal e para o Senado que temos.

Que sejam proibidas coligações e que se eleja de cada ”distritão” os candidatos mais votados, até que seria bom: um Tiririca não elegerá três ou quatro deputados com seus votos, deputados que comporão, com o Tiririca, o centrão que se vende pelo melhor preço. Já pensaram se dois senadores ou dois deputados quiserem ocupar a cadeira de primeiro ministro? Uma farra! Igual, somente o arquivamento da investigação contra São Michel Temer, o inocente antes de investigarem. É que aqui havia provas, mas não havia convi$$ão dos deputados. Fossem eles procuradores, talvez houvesse convicção desde que não envolvesse membro do PSDB.

Pois vamos a minha proposta. Em havendo cidadania, os eleitores podem introduzir na reforma política um dispositivo que está em seu poder: NÃO REELEGER NENHUM DEPUTADO OU SENADOR.

Sei que dirão: é muito radical. Há bons deputados na oposição… bom, que os há, não nego. Mas também há na oposição quem beije a mão de Aécio Neves em preito de subserviência sem a menor necessidade; também a deputada que para sair na imprensa desanca sobre o Lula, também há aqueles que elegeram Rodrigo Maia, em lugar de propor uma candidatura da oposição e perder com dignidade! Assim, para não ter que ressalvar uns e outros minguados reelegíveis, o melhor mesmo é não reeleger ninguém! Aqueles que foram deputados e estão fora do parlamento, podem voltar. Trata-se de estabelecer uma quarentena de quatro anos!!! Mantenhamos a reeleição para os cargos executivos: sim, há programas que não põem ser executados em quatro anos! Mas deputado e senador não têm programa a cumprir: cabe-lhes a representação dos eleitores (que eles fazem questão de esquecer assim que tomam posse). Ora, uma renovação geral na Câmara, e uma renovação de 1/3 ou 2/3 do Senado, seriam extremamente salutares para a democracia brasileira.

Não se trata de dizer que eles sendo deputados ou senadores não possam concorrer, apresentarem-se como candidatos. A decisão de excluí-los não será da lei, mas do voto de cada cidadão.

Poderemos não ser vitoriosos na campanha, mas se conseguirmos alguma adesão, poderemos ter em 2018 uma renovação inédita nos quadros da Câmara e do Senado, e talvez possamos nos orgulhar pelo Parlamento que elegermos, porque o de agora, “vou te contar”, é de amargar! 

No interesse dos parlamentares

Depois da escandalosa compra de votos ao custo de 17 bi e do aumento em mais ou menos 500 cargos na administração pública para serem preenchidos por apadrinhados, sabemos todos que os parlamentares brasileiros têm dois interesses profundos: muito dinheiro e a permanência no cargo para obter mais dinheiro ainda… como no sistema dinheiro é poder (não é o poder que produz dinheiro, mas o dinheiro que produz poder), muitos acreditam que se trata de uma luta pelo poder, quando o que se trava no Parlamento do Brasil é uma luta por dinheiro, e dinheiro grosso.

E derrubada a possibilidade de investigação, que querem os parlamentares? Nada de discutir a Reforma da Previdência (discutir no Parlamento significa dizer amém por alguns bi ao que dita o representante dos bancos e do mercado, o fantasma Henrique Meirelles, aquele que ganha milhões dando assessoria a empresas, mesmo estando já ministro ou os 50 milhões recebidos em setembro de 2016 era de assessorias anteriores. A nós mortais fica a disjunção por resolver!).

Pois querem uma reforma política. Por quê? Quando um parlamento absolutamente desmoralizado, inclusive pela mídia tradicional que sempre lhes deu apoio, porque foi pela mídia tradicional que soubemos da compra dos votos pela liberação de emendas e cargos, quando este parlamento quer uma reforma, qual seriam os objetivos desta reforma que incidirá precisamente nas eleições em que buscaram, com a maior cara de pau, o voto do povo de que tiraram direitos e que tripudiaram à vontade, se deixando comprar e comprando?

Querem uma reforma que lhes garanta reeleições sucessivas! E para isso aparecerão os “distritões”, talvez alguns ainda sonhem com a lista de candidatos, apresentada em ordem pelos partidos, e o eleitor votaria no partido, elegendo-se os primeiros da lista que serão sempre aqueles que já são deputados e senadores… Mas aparecerá, retirado do baú, por aquele que se apresenta voluntariamente como “redator e relator” da matéria, o fantasmagórico e fora-da-caixinha José Serra, o desejado parlamentarismo. Trata-se da única solução para José Serra nos governar: como jamais será eleito pelo povo, comprará com promessas que cumprirá à risca, os senadores e deputados para que o façam 1º. Ministro!!! E então teremos o governo que não merecemos, mas tão desejado pelas grandes multinacionais.

A partir de então, que cada um cuide de suas cuecas, porque ele estará vendendo até o que as cuecas dos brasileiros abrigam…pelo justo preço da comissão depositada nas contas da Suiça. E sem perigo algum de qualquer Lava Jato de diminuídos sérgios-moros, que nenhum membro do PSDB será incomodado nem agora, nem depois, per omnia saeculum saeculorum! 

Corruptos absolvem corrupto e corruptor

Corruptos absolvem corrupto e corruptor

Por José Kuiava

Quem absolve corrupto, corrupto é. Princípio ético universal irrefutável. Os senadores e deputados “corruptos” absolvem presidente “corrupto”. Na linguagem legítima e verdadeira – de todos – o certo é: senadores e deputados “ladrões” e “bandidos” inocentam e absolvem presidente “ladrão” e “criminoso”. Esta é a linguagem correta. Porém, o bloco hegemônico usa o poder da linguagem ambivalente na construção da imagem do real dado, chamuscando com ouro falso. Nos tempos da história em que os políticos “roubavam mas faziam”, eram desconhecidos (e quando conhecidos sempre absolvidos) pela Justiça, elogiados pela opinião pública e até perdoados pela massa de eleitores pobres, que votavam nos políticos mesmo sabendo que eram ladrões. Alguns destes políticos até se vangloriavam e proclamavam nas campanhas eleitorais: “Maluf rouba, mas faz” – dístico publicitário impresso em panfletos, outdoors…Claro, havia políticos bem piores, que roubavam, mas não faziam. Tempos em que o crime político do roubo – suborno, propina – virou “virtù”. Hoje, sobraram os políticos do bloco hegemônico, os que só roubam, mas não fazem – exceto os autênticos políticos de oposição ao presidente golpista, que fazem política segundo os princípios éticos. Perante a opinião pública, os grupos hegemônicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário – sempre em perfeita, mas não santa, recíproca aliança – valem-se do poder da linguagem – fetichizam e fantasmagorizam a realidade, exibindo e inculcando subliminarmente uma imagem falsa à opinião pública pela tecnologia midiática sem limites. Esta, a grande mídia, de exclusivo domínio, uso e controle das elites do poder, é arma poderosíssima na correlação de forças sociais e ideológicas. Assim, nós brasileiros e os cidadãos do mundo inteiro acabamos de assistir a consagração da corrupção no Brasil – pela força da união, do conchavo e do amor mútuo e recíproco dos três poderes. Ultimamente, estamos assistindo diuturnamente, ao vivo, cenas reais estarrecedoras e nojentas nos palcos do teatro do Congresso Nacional e do teatro do Supremo Tribunal Federal – cenário da poderosa e temida justiça de toga. Relembrando as tragédias, no primeiro ato assistimos cenas em que atores corruptos investigaram, julgaram e condenaram por crimes não comprovados, porque inexistentes, a então presidenta eleita. A cena real foi montada sob a direção, o comando e a articulação-cooptação política do maior dos corruptos e corruptores do atual cenário político nacional – o personagem de Presidente da Câmara dos Deputados, representado e vivido pelo ator protagonista Eduardo Cunha. Ele, sim, ladrão antigo, condenado e preso somente após a cena do “golpe”, chamado constitucionalmente de democrático – o “impeachment”. Uma pergunta ingênua: como um criminoso pode presidir um ato de condenação de um inocente? E por força de quais princípios éticos? Aliás, há atos muito estranhos neste espetáculo teatral dos cenários da política e da justiça, tanto nas imagens como na linguagem dos protagonistas e atores reais, sempre em cenas reais e ao vivo televisivo. Na sessão de absolvição do Temer, os votos eram proclamados pelos deputados individualmente. Os aliados do Temer tinham que dizer “sim” para absolvê-lo; os deputados que queriam a condenação diziam “não”. Há uma sutileza prenhe de ideologia no signo destas palavras, projetadas no painel eletrônico: o “sim” é positivo, afirmativo, ato de apoio, força de querer, de otimismo; o “não” é uma atitude negativa, de não-querer, de oposição, pessimista. Uma arquitetura de linguagem ao avesso. É uma maldade ideológica. Mas a maldade em grau mais elevado da sutileza ideológica está nas cores: o “sim” é verde suave e delicado, cor da esperança, da vida; o “não” é vermelho forte, cor do perigo, da ameaça, da violência. Estes signos históricos são bem antigos e associados a outros signos de origem mítica e sentido sagrado: “direita” e “esquerda”. São dos tempos das narrativas da criação do mundo pelo poder de “Deus”. Na guerra civil dos céus, os anjos bons e obedientes postavamse à direita de Deus; os anjos maus e desobedientes postavam-se à esquerda de Deus. Os bons eram comandados por Miguel Arcanjo e os maus, por Lúcifer – o demônio. Não é por outra razão que o sinal da cruz dos fieis de hoje só pode ser feito com a mão direita. Fazer o sinal da cruz com a mão esquerda é uma profanação do sagrado, uma obscenidade. Benzer, só com a mão direita. Saudar o outro – “dar a mão” – sempre e só com a mão direita. Escrever, até pouco tempo, só com a mão direita. Enfim, a direita é o signo do bem, a esquerda é o signo do mal. É o verdadeiro “Visconde partido ao meio longitudinalmente”, do jeito que Ítalo Calvino imaginou. Estes signos foram adotados e continuam hoje, com maior força, na escala ideológica social e política. Assim, os trabalhadores, servidores, empregados, desempregados, os componentes das massas populares, quando engajados em movimentos ativistas são rotulados de esquerdistas, anarquistas, desordeiros, terroristas e revolucionários. Já os proprietários, empresários, rentistas, empreendedores, políticos, altos funcionários do judiciário, das forças militares – componentes do bloco hegemônico no poder – são da direita, da ordem, do progresso, do desenvolvimento, da paz, da harmonia social. Portanto, estes, e somente eles, podem e devem governar o Brasil. Aqui, uma segunda pergunta, também ingênua: porque os crimes – grandes roubos – do presidente Temer foram julgados pelos deputados e não pelos juízes? Quando um cidadão faminto, desempregado, sem ter o que comer, o que beber, onde morar, sem o que vestir, se apropria do que não é dele – um ladrão de galinhas – é preso pela polícia e condenado pela justiça e o político e o grande empresário quando roubam milhões, bilhões do dinheiro público – bem de todos – são julgados, inocentados e absolvidos pelos colegas políticos deputados e senadores. Isso é legítimo? Ah, sim, é por conta do dispositivo constitucional! Constituição que eles mesmos inventam e aprovam, com o bendito status de “Foro Privilegiado”, “Imunidade Parlamentar”…Embora, todos somos iguais perante a lei, uns são mais iguais que os outros. Que lindo! Por conta e força deste dispositivo constitucional e para garantir o “sim” da sua absolvição programada, Temer perdoou uma dívida pública de bilhões de reais ao INSS de bancos/rentistas e grandes empresas; na véspera da absolvição, liberou bilhões de reais aos deputados do bloco ruralista e outros aliados na forma de emendas orçamentárias; distribui ministérios e cargos em órgãos públicos; mandou entregar uma mala – a primeira de dezenas – com quinhentos mil reais ao amigo e criminoso, preso na cadeia, para ele não dizer a verdade e comprou, com dinheiro público, outros deputados e nada disso “veio ao caso”, segundo argumento jurisprudente do juiz protagonista da “Lava Jato”. Apesar de todos os crimes praticados até o início da sessão, Temer foi julgado inocente e absolvido. Quem assistiu o espetáculo – a “tragicomédia”– viu cenas e atos risíveis. Alguns deputados, em estado de idade vencida, ao falar e proclamar o “sim”, conseguiam balbuciar palavras bem ao estilo dos mortos no subsolo de Bobók – conto inédito de Dostoiévski. Foi o verdadeiro “sim” dos personagens (vivos) do subsolo dostoieviskiano.

                                                                          Cascavel, 02/08/2017

Domingo: Marcos Laffin

Tortura

A pólvora que voa das mãos

Não alcança os sussurros.

No destempero da carne,

A fome desce ao gozo.

Passos na avenida caçam o aprisionado.

Rasteja a embriaguez do bálsamo.

Rendição abaixo do umbigo.

 

Migrante

Nenhuma rua é escura na alma migratória.

A moeda compra a travessia.

Imola a liberdade.

Sementes florescem azaléas.

Enganosa é a sombra: não cabe nenhum.

 

Refugiado

Uma rua e uma fronteira.

Passos alargam o medo e a injustiça.

Invade o conflito e o território.

Enlaça o direito com a morte.

Humano… migratório confinado.

(Marcos Laffin. Cio de Pássaros. Florianópolis : Apoio Editora, 2017)

Textos sobre textos: A Tarefa

O suíço Friedrich Düerrenmatt constrói nesta novela um enredo mirabolante, de uma aventura trágica, do princípio ao fim, deixando o leitor em suspense acompanhando os passos de F., a fotógrafa cujo objetivo primeiro era compor um retrato global, num conjunto de  fotografias que revelasse o planeta, mas que foi desviada, com sua equipe, para uma tarefa que lhe ‘impõe’ Von Lambert, junto ao túmulo de sua esposa.

Acontece que Von Lambert, desde que recebera a informação de que sua mulher havia sido assassinada, tomara as providências para contratar um helicóptero que conduziu o esquife fechado, balançado, desde as ruínas de Al-Hakim, situadas em M. até o cemitério em que a enterrou. F. e sua equipe filmavam tão surpreendente enterro.

Foi depois dele que psiquiatra Von Lambert conversou com F., contou-lhe a história, entregou-lhe o diário de apontamentos da mulher e confessou ser o responsável por sua morte porque ela vivia deprimida e ele, como psiquiatra, a tratara como uma paciente, fazendo suas anotações. Achava o psiquiatra que a mulher havia descoberto seu caderno e por isso o deixara, vestida com seu casaco de peles vermelho e uma pequena mala. Entregou Von Lambert, à fotógrafa F. as anotações de ambos e encarrego-a de descobrir o que realmente havia acontecido.

F. passa a noite lendo os apontamentos! Enquanto o caderno do psiquiatra fazia anotações abstratas, sobre o Ser e a nulidade do Ser no mundo, Tina Von Lambert descrevia minuciosamente o marido, com o ódio que enxergava minúcias nos gestos, no mastigar, no caminhar, no dormir. Páginas e páginas repetindo este cotidiano de gestos que deixa F. até sem vontade de comer na manhã seguinte…

E ela parte para M. a fim de descobrir a verdade. Desde que desembarca no aeroporto, vão acontecendo coisas mais ou menos inverossímeis: uma equipe do Delegado do Serviço Secreto a espera e a conduz ao hotel. Também sua viagem a Al-Hakim é acompanhada pelas forças de segurança, que se digladiam entre si na política nacional. O Serviço Secreto querendo dar um golpe para assumir o governo, enquanto o Chefe da Polícia vigiava o Delegado e também ele querendo assumir a chefia de governo: ambos golpistas e ambos sabendo muito mais do que revelaram a F. em sua investigação sobre a morte de Tina Von Lambert.

No conjunto das peripécias que vão se desenrolando, F. é ‘sequestrada’, hospedada em um velho hotel no meio do deserto, encontra-se com o fotógrafo Polifemo (na mitologia grega Polifemo é um ciclope – um olho só na testa – filho de Poseidon e a Ninfa Teosa), nome significativo pois como fotógrafo, está sempre vendo pelo olho único da câmera! Polifemo sequestra F., conduz-a a  uma edificação subterrânea no deserto, instalada pelas grandes potências para acompanhar, filmando, todas as experiências com as novas bombas que são detonadas no deserto de M.

Num encontro com F., Polifemo conta sua história de fotógrafo que fornecia suas fotos de batedores de carteiras, depois de arrombadores, depois de assassinos, à polícia. Perseguido por estes, vai para o Exército para fazer a mesma coisa: fotografar. Depois vai para a Força Aérea e na guerra do Vietnã, acaba realizando um bombardeio sobre Hanoi a bordo de um novo avião pilotado por Aquiles, um gigante que mesmo ferido reconduz o avião a sua base, salvando assim Polifemo, mas ele próprio se torna um louco internado num hospital do qual várias vezes fugiu para estuprar mulheres e assassiná-las. Também a este Polifemo sequestrara e hospedará no mesmo edifício subterrâneo em que agora estavam.

Polifemo mostra a F. o filme que fez do assassinato de Tina Von Lambert… e F. compreende que ela será a próxima mulher a ser oferecida em sacrifício a Aquiles e que sua morte será filmada por Polifemo.

De fato, os três seguem pelo deserto até chegarem a um ‘cemitério’ de tanques de todas as nacionalidades que haviam ‘guerreado’ entre si no deserto, como experiência de sua operacionalidade e robustez. Chegados aí… o final da história a gente não conta.

Se o enredo é mirabolante, o tratamento estilístico e filosófico sobre a guerra, sobre a indústria armamentista, sobre o uso do solo de países pobres para experimentos, tudo se torna verossímil.

As referências à mitologia clássica (Aquiles, Polifemo) e as reflexões sobre o gesto de observar – afinal F. fora a M. para observar – faz desta novela um tratado da observação no mundo contemporâneo: F. vai a M. para observar e descobrir a verdade da morte de Tina Von Lambert; a polícia e o serviço secreto a observam; Polifemo a observa e fotografa, a edificação subterrânea foi feita para observar os efeitos das bombas, e depois foi abandonada porque um satélite fazia a observação dispensando um trabalho de tecnologia já superada… Trata-se pois da observação, do observado e observador por seu turno. Neste jogo, obviamente, as identidades das próprias personagens observadoras-observadas vai se modificando de modo que o jogo da observação é também o jogo das máscaras identitárias.

Transcrevo algumas passagens das reflexões sobre a ‘vontade de verdade’ que conduz o observar:

… um problema que já havia tempos o inquietava, a ele, D., que tinha em sua casa, nas montanhas, um telescópio refletor, um trambolho que ele às vezes apontava para um rochedo de onde pessoas o observavam através de binóculos, ao que seus observadores com seus binóculos, tão logo constatavam que ele os observava com o telescópio, retraíam-se apressadamente, apenas confirmando assim a demonstração lógica de que a todo observado corresponde um observador, o qual, sendo alvo da observação daquele a quem observava, torna-se ele próprio um observado, ação recíproca lógica e banal que, no entanto, transportada para a realidade, atuava de modo ameaçador: seus observadores, observados por ele através de seu telescópio, sentiam-se flagrados; sentir-se flagrado provocava vergonha, e a vergonha, frequentemente, agressão…

[…]

… não sendo mais objeto da observação, ele se sentiria indigno de atenção, portanto desprezado, portanto insignificante, portanto desprovido de sentido, e mergulharia, imaginava, em desesperançada depressão […] os seres humanos sofriam por não ser alvo de observação, na ausência da qual sentiam-se igualmente desprovidos de sentido, razão por que observavam, fotografavam e filmavam uns aos outros, por medo da ausência de sentido de suas existências em face de um universo que se dispersava em todas as direções, com seus bilhões de vias lácteas como a nossa, povoadas por zilhões de planetas portadores de vida como o nosso mas irremediavelmente isolados por gigantescas distâncias, um universo incessantemente sacudido por sois a explodir e, depois, decair, ninguém mais havendo nele que pudesse observar e, assim, emprestar sentido ao ser humano senão ele próprio…

… a realidade só sendo objetivamente apreensível se mediada pela câmera, asceticamente, somente ela era capaz de reter o tempo e o espaço no qual a experiência se desenrola, ao passo que, sem a câmera, a experiência se esvai, mal vivida, sendo já passado e, portanto, memória falseada, como toda memória, ficção, razão pela qual lhe era como se não mais fosse homem algum […] com sua câmera, costumava sentir-se como um Deus, e, no entanto, agora observavam o que ele estava observando, e não apenas o que estava o observando, mas observavam também ele próprio, o seu modo de observar, e ele conhecia a precisão das fotos tiradas por satélites, um Deus observado não era mais Deus algum […] a falta de liberdade dos homens consistindo no fato de serem observados …

Qualquer semelhança com o cientista que observa e se julga não observado não é coincidência. Este livro de Friedrich Dürrenmatt, associado a outra novela, esta de Machado de Assis, O Alienista, seria uma bibliografia de alta qualidade para uma discussão epistemológica sobre o observar e catalogar desta criaturas auto deificadas chamadas ‘cientistas’ que, tal ciclopes de olho único, acreditam piamente que sua ‘câmera’ retém o tempo e o espaço e que num mundo que se move numa velocidade vertiginosa é possível “voltar” ao mesmo lugar e tempo para verificar a verdade da sua observação…

Aos que ainda dão aulas e que não se escondem em seus ensinamentos e são capazes de questionar o que fazem e o que ensinam a fazer, este A Tarefa deveria constar como bibliografia obrigatória.

 

A Globo perde, o Temer ganha

Daqui da distante Dinamarca, não estou conseguindo seguir o conselho que me deu minha amiga Maria Emília Caixeta Lima: esquecer o que está acontecendo no país. É bem verdade que estou com dificuldades para me conectar, mesmo estando num país “desenvolvido”.As aspas aqui vão por conta não da realidade estatística da economia dinamarquesa, mas por conta do novo conceito de desenvolvido, que inclui haver uma parcela significativa da população sem emprego e renda, uma meta do neoliberalismo.

Pois entre nós, mais “desenvolvidos” ainda porque jamais tínhamos chegado a um Estado de Bem Estar Social, a miséria econômica se alastrou para a miséria política. E nossa vergonha maior e a falta de vergonha do Congresso Nacional. Ao barrar a possibilidade de investigação de Michel Temer depois das gravações e do vídeo com a mala de dinheiro entregue a seu preposto, conforme combinado na conversa gravada, a denúncia apresentada ao STF é julgada inepta… E durante todo o período em que a crise estava na agenda, o jornalão O Estado sempre considerou inepta a denúncia, enquanto a Rede Globo torcia pela substituição de Temer por Rodrigo Maia. O homem que ao assumir a presidência da Câmara afirmou que eles, os deputados, não estavam lá para outra coisa que não fosse servir ao mercado!!! Nada melhor do que um tal homem na presidência para a Globo.

Assim, tivemos um período em que no detalhe a grande mídia rachou. De um lado o grupo paulista, com maior PIB, defendendo a continuidade de um governo impopular contra o qual pretende lançar uma candidatura tucana paulista: Alckmin ou Dória. De outro lado, o grupo liderado pela Globo, querendo de imediato um homem que poderia em 2018, com seu apoio, tentar a reeleição ou, caminho mais fácil e que passaria seguramente a ser defendido: a prorrogação de seu mandato e a suspensão das eleições em 2018, principalmente se o TRF-4 de Porto Alegre atrasar muito o julgamento em segunda instância de Lula, ou se os desembargadores, apesar da pressão do Presidente do Tribunal, reformularem a sentença absolvendo o réu Lula por falta absoluta de provas no processo, como afirma a maioria dos juristas do país e do exterior!

É bem verdade, e que fique isso claro, a guerrinha era em detalhe, porque no grosso os dois lados em contenda defendem a mesma meta: a destruição de toda e qualquer veleidade de construção de um Estado de Bem Estar Social  iniciado nos governos petistas. Ambos rezam o mesmo catecismo do neoliberalismo, e a briguinha da firula entre quem pega a caneta para implementar a política econômica definida pelo verdadeiro presidente do país, o fantasma bem pago pelos bancos chamado Henrique Meirelles, era uma questão secundária, de tática, não de estratégia… O país afunda em termos econômicos, mas ninguém pede a substituição de Henrique Meirelles. Por muito menos, no passado, caíram ministros da Fazenda.  

Na sessão do dia 02/08/17, em mais uma sessão memorável de nossa vendida Câmara de Deputados, a Rede Globo perdeu e Michel Temer ganhou. Sem ter qualquer plumagem de tucano, nesta briga entre dois adversários e inimigos do povo brasileiro, valeu a pena acompanhar a rinha de galos… mas havia um galo com esporão afiado, isto é, a caneta para liberar 2 bilhões em emendas parlamentares… e o outro galo só tinha a oferecer uma tela e um tempo de exposição! Perdeu o galo mais fraco, aquele que não tinha caneta nem bilhões para comprar uma chusma de deputados sem qualquer coluna vertebral.

E ainda tivemos, de sobra, outra vantagem: descobrir que Aécio Neves está no comando do Centrão, é o nosso novo Eduardo Cunha! E sob seu comando, conseguir rachar o tucanato! Aécio e seus afoitos defensores estão com Temer e não abrem! E Tasso Jereissati, o presidente do PSDB em exercício, na verdade uma rainha da Inglaterra tupiniquim, parece estar cansado desta guerrinha intestina dos tucanos. De modo que, encerrada a batalha maior Globo x Temer, agora o distinto público poderá acompanhar a guerra que jamais definirá um lado vencedor, afinal trata-se de tucanos, entre as duas alas do PSDB, cada vez de aproximando mais de sua origem, de sua paternidade, o PMDB enquanto partido fisiológico, agarrado a cargos e tapetes… E se agarram porque sabem: jamais conseguirão ganhar em eleições. As urnas não lhes dão vitória!