Uma sociedade de delatores

Depois dos inúmeros exemplos que nos vem dando o Ministério Público Federal; depois da briguinha interna de poder em que a Polícia e os Procuradores se envolveram, cada um querendo o direito de fechar acordos de delação premiada – obviamente os procuradores, sendo arcanjos próximos aos deuses juízes, se julga no direito exclusivo de para fazer isso, desde que haja convicção; depois da vergonha da recusa de delação de implicado em crimes, de todos os políticos, o mais vendido e mais corruptor Eduardo Cunha; depois de desavergonhadamente um procurador vir a público para dizer que não foi aceita a complementação de delação de executivos da Andrade Gutierrez porque não havia nada contra Lula a ser declarado; depois de inocentados os irmãos Batista de todos os seus crimes; depois que delatores se tornaram heróis, depois disto tudo, vivemos numa sociedade de delatores.

O princípio da delação premiada introduzido no nosso Direito, tonou-se torto. Acrescente-se a isso uma falha na legislação, que não define o tempo de prisões preventivas, e temos instalado o Regime Inquisitorial.

Mas tantos exemplos levaram a delações fake a circularem pela internet. Não se trata mais de peças evidentemente falsas porque o próprio estilo desvela o ódio que as produzem, como os inúmeros achincalhes a que foram submetidos os políticos do PT, mormente Dilma e Lula. Estas acusações falsas podem irritar alguns: a mim causavam riso, porque me mostravam a sanha sanguinária de uma classe média e de uma elite que se pensa “beautiful peaple”, mas que não consegue esconder o que realmente são.

De repente, no entanto, com ares de verdadeiro, aparece uma foto do diretor do Fantástico fazendo suposta denúncia, mas na verdade construindo uma peça publicitária do prefeito candidato Doria. As inúmeras vezes que seu nome é citado, acusando ao mesmo tempo a existência de um acordo da família Marinho com Lula,  significam uma propagando subliminar necessária para fazer com que o político que não ultrapassa os limites da cidade de São Paulo se torne efetivamente um candidato viável.

Evidentemente falsa, a peça foi construída com a intenção explícita de “delatar” um acordo que seria criminoso, pois faz referência a rios de dinheiro que a família Marinho iria ganhar num suposto novo governo de Lula. Embora evidente a falsidade, até um pretenso presidente da república, o usurpador Michel Temer, compartilhou a peça publicitária de seu pupilo!

Acontece que também verdades são postadas. Mas como crer nelas? Com as inúmeras falsidades, mesmo denúncias graves como o tal telefonema gravado entre uma funcionária e o filho do governador em exercício do Amazonas, caem na vala comum das falsidades…  E obviamente, como o Ministério Público Federal está muito ocupado investigando denúncias anônimas contra professores e diretores de escola porque se atrevem a contar a história de modo diferente daquele que a convicção firmou entre procuradores, certamente não haverá qualquer busca de verdade sobre o tal telefonema! Pobre moça, pobre funcionária que pensou estar a salvo da sanha gravando uma conversa e publicando-a! Se até mesmo conversas gravadas sob orientação do MPF e da PF não têm qualquer valor jurídico contra Temer e contra Aécio, que valor terá uma gravação feita por uma amadora?

O mais significativo destas denúncias, falsas ou verdadeiras, que circulam pelas redes sociais, o mais triste disto tudo, é o que desvelam: não há confiança nas instituições para as quais as denúncias deveriam ser encaminhadas! Até porque, mesmo sendo verdadeiras, e o denunciante não tiver qualquer padrinho que o sustente, acabará ele mesmo sendo envolvido como “criminoso”! Principalmente se fizer denúncias contra aqueles por princípio inocentes, como é o caso de Aécio Neves e toda a cambada do PSDB que até hoje não respondeu coisa alguma contra as acusações de privataria.

Domingo com Geraldino Brasil

Tristeza da rua

A tristeza da rua

vem dos que vêm e que vão

e vão andando.

Dos que não têm aonde ir

e vão andando.

Dos que têm pra onde voltar

e vão voltando.

Dos que voltam sem trazer

o que foram buscar

 

O mendigo

A ALEGRIA que teu corpo dá ao político

que o exibirá contra o governo.

A alegria que o teu olhar para o chão

dá ao pintor que pensa num excelente

   “cabeça de velho”

A alegria que o teu “Deus te pague” dá á velhinha

que vem da missa e debita o Senhor pela sua doação.

Oh a alegria de estarem próximo

para o estudante de medicina que te quer

assim abandonado na pedra da aula de anatomia.

Quanta importância tens e te julgas vencido,

tu que será libelo do político e obra de arte,

confiança num lugar do céu e homenageado

no convite de formatura.

(Geraldino Brasil. Poemas útiles. Selección y versión libre de Jaime Jaramillo Escobar (para o espanhol). Madrid : Pre-textos, 2003)

Textos sobre textos: Sete Dias a Cavalo

O escritor pernambucano Hermilo Borba Filho, falecido em 1976, deixou-nos uma vasta herança literária: foi novelista, romancista, crítico literário, dramaturgo e diretor treatral (foi fundador com Ariano Suassuna e outros do Teatro Popular do Nordeste e depois foi um dos fundadores do Teatro de Arena do Recife). Suas obras não merecem entrar no esquecimento, até porque são representativas do que de melhor se produziu no país em literatura fantástica.

Como nordestino, o autor sempre buscou raízes populares (particularmente no teatro). Trouxe o mundo das histórias e dos causos para a literatura, num estilo bem marcado pela perspectiva fantástica.

O livro Sete Dias a Cavalo (Editora Globo,1975) é um conjunto de 12 novelas curtas. O autor as chama de novelas, mas a crítica situa o livro entre os contos por ele publicados. Este volume faria parte da trilogia de novelas fantásticas sobre “o povo miúdo e graúdo do nordeste, tal como ele os vê” (Quarta-capa). No entanto, foram quatro os livros com novelas que de forma fantástica retomam histórias nordestinas.

Embora se diga que Hermilo Borba Filho não se deixou levar pelo “realismo” do realismo mágico, adentrando para assuntos político-sociais, creio que o leitor atento descobre suas remessas, no fantástico de suas histórias, à realidade social e política brasileira. Tratando-se de 12 novelas, vou aqui restringir minhas anotações a apenas algumas delas.

Hierarquia parte de uma questão absolutamente individual de um soldado  que leva a toda a hierarquia de poder a se mobilizar. Eis a questão, para um aperitivo do estilo de narrar:

“… nada impedindo que seu órgão quente, mesmo repelido pela frieza, se arrastasse pelo quarto, só cobra, e cobra grande, bem grandona, já no corredor, empinando-se, a cabeça com os seus delicados compartimentos e em cada um dos compartimentos tampas de cerveja, pontas de cigarro, pules de jogo-do-bicho, papel de jornal breado, algodões de dentista, gazes e esparadrapos, uma esponja  do mar, cascas de  aruá, uma aliança de latão; e no arrasto invadindo o quarto deixado só ouviu o grito no desespero, em seguida os ais, mais em seguida mas quase tudo no mesmo tempo é porque contado assim só dá pra dizer uma coisa de cada vez, o ruído da carreira, desembalada na madrugada fria, recolheu-se o órgão, ninguém diria, tudo como se nada fosse, murcho todo ele, encolhido, nu sem farda, descoberto sem quepe, descalço sem rangedeiras, desarmado sem rabo-de-gato, desarvorado sem bandeira:

                                            Eis o soldado que perdeu sua parada

                                            Tomou um copo de cachaça

                                            Foi falar com o Anspençada.   

De “autoridade em autoridade”, do  chefe imediato ao cabo, do cabo ao Caporal, do Caporal ao Furriel, para o sargento, para o Alferes, para o Delegado, para major, para o comandante, o conjunto militar se encaminhando para a autoridade religiosa, para o sacristão, deste para o padre, que juntou todos para irem à autoridade jurídica, o tabelião, o promotor, o juiz da paz, e foram todos ao Prefeito, de lá para o bispado, e acharam que deveriam ir ao Diabo, mas o diabo não foi encontrado e então “foram acudidos por um trêfego, buliçoso, chocarreiro cara de pau, de nome Mosquito, que aos pulos e cambalhotas no meio da poeira conduziu-os à presença do Gerente da The Great-Western of Brazil Railway Company LImited, que tudo ouviu sem pestanejar, fumando o seu cachimbo de espuma-do-mar, e deu-se

                                              O Gerente disse não

                                            Tomou uma talagada

                                            Com aguarrás e alcatrão

                                            Pegou todos num punhado

                                            Botou num caldeirão

                                            Mexeu bem mexido

                                            E comeu com pirão.

Como se pode ver, o percurso pela hierarquia chegou ao seu apogeu no Gerente que comeu a todos com pirão (autoridades militares, religiosas, jurídicas, civis). Pensando que o livro foi publicado em 1975, quando vivíamos o “Brasil, ame-o ou deixe-o”, qualquer leitura que perceba a alegoria não estará enganada.

As Esporas focaliza uma relação mal sucedida, com traição e morte e a condenação do amante a ver eternamente as esporas da amante… Em Jogo de Bilhar o personagem central dá-se ao desfrute da vida, dia todo a descansar para durante a noite jogar bilhar e ganhar sempre, torcedores fazendo apostas. Ao final da noite, sempre descia do Alto do Lenhador (zona de meretrício) Jesuína Guardanapo, num abafa-banana de homem, com quem Janjão terminava suas noites. Rotina diária até aparecer num baile da Padroeira uma “fêmea de azul-claro, roliça, alva, mais para o senhoril, não propriamente camafeu mas esfinge cunhada em moeda antiga”. Com ela Janjão dança e passa a “carambolar carambolas, o taco dentro as bolas fora, caramboleio, carambó-bó-bó, até que veio um golpe militar, os dois ficaram sozinhos, foram presos como subversivos, mas nem por isso deixam de carambolar.”

A novela Sete Dias a Cavalo, que dá seu nome à coletânea, para mim é a mais bem acabada das histórias que narrou neste livro Hermilo Borba Filho. Trata-se da viagem de um fiscal de rendas pelos domínios do Patriarca que vivia numa casa grande apalacetada na cidade. O Patriarca designou Neco Graveto, seu agregado pau para toda obra que fazia desaparecer desafetos, para acompanhar o fiscal visitando as fazendas e engenhos, cada um deles gerido por um dos filhos do Patriarca.

A viagem a cavalo, por léguas e léguas de terras, encerra-se em sete dias dos quais o fiscal das rendas não retorna e não se sabe o que aconteceu com ele, se anda ainda a vagar pelas terras a perder de vista do Patriarca.

A cada parada, quando chegam ao anoitecer à sede da fazenda/engenho, anota o fiscal o que lhe informa o dono, o filho do Patriarca. E há obviamente uma descrição de cada um deles, como são, como vivem e como recebem o menino de recados do pai acompanhado pelo fiscal. E na minha leitura, cada um deles representa um dos pecados capitais:  na primeira parada, Solidão, encontram Albino-Olho –de-Fogo e sua mulher “senhora dona da casa que recebia visitas sentadas num pequeno trono, ladeada por duas negras, uma vestida de verde e a outra de encarnado[..], os agregados formando alas, as filhas, os filhos, os genros, as noras e os netos, um por um aproximando-se, curvando-se no beija-mão, a mão estendida da senhora nem tremia sequer, e eram curvaturas, ósculos, zumbaias e salamaleques…” Trata-se, obviamente, de uma alegoria da soberba, afinal “havia o mundo e havia ela, que condescendia em viver no mundo”.

 Um dia de cavalgada, léguas vencidas, chegam a Barra dos Ventoso, gerenciada pelo filho Artemus-Lubim, “o que é é sumítico, é homem capaz de descomer numa peneira para aproveitar os carocinhos do feijão que ficam”. Sem qualquer dúvida, trata-se da avareza.

Como sempre, às quatro da madrugada partem para Olho d’Água das Panasqueiras, “onde reinava o Coronel Abecê, segundo Neco Graveto mais conhecido por Abecê-Tripé, libidinoso impenitente e contumaz, anão por natureza e pela maldade de Deus, esquisito, dizia, vai ver, aquele tico de gente possuidor de assustadora estrovenga, daí o apelido, aquinhoado por muitos homens, valendo por dez, cria, o terceiro filho do Patriarca”. Chegam à propriedade em noite de festança, abastança e sexo. Mia suma vez, outro pecado capital: a luxúria.

No quarto dia chegam às terras de José Amâncio, o coxo, conhecido como José Amâncio-Caga-Raiva. Ele “tem raiva permanente “, “bradava injúrias, blasfêmias e outras catotas”, sempre resmungando e ameaçando. O fiscal das rendas é praticamente escorraçado da fazenda… Trata-se do pecado capital da ira.

De madrugada partem para as terras de Pharmácio-Zanoio, que vesgo era. Lá foram recebidos com um banquete em que Pharmácio se banqueteava com “patos e galinhas-d´´agua, capotes e paturis, rolinhas e nambus, porcos e capivaras, veados e tatus, vacas e carneiros, farofas e arrozes, queijos e frutas, doces e babas-de-moça e sequilhos e bolos-de-goma e o inglês e o da bacia e o do rolo e refrescos e vinhos e águas”. Comia até que sua mulher, uma Alves da Silva, irmã das mulheres dos demais filhos do Patriarca, gritava: “Chegoôôôôuuuuuu!”. Eis o pecado: a gula.

De lá seguem rumo a Tororó, terras em que reinava Quilidônio, lábio leporino, penúltimo filho do Patriarca. Lá sequer se banquetearam. Quilidônio, na varanda, desfilava: “o velho Eleutério tem um zebu que só podia ser meu, no engenho Penderaca tem uma vaca leiteira de cinquenta litros diários que só podia ser minha, o cabriolé de Fanal da Luz, equipado como está, só devia ser meu, o alazão de Porfírio Tolentino, baixeiro como é, só estaria bom nas minhas mãos”. Cobiçar os bens dos outros era sua vida. Eis a inveja.

Seguem como sempre, às quatro horas da madrugada, para o Engenho Preguiça, propriedade de Reliquiso-Muçu, o ultimo filho do Patriarca. Por lá, tudo estava às moscas. Ninguém fazia nada. Todos estavam sempre cansados. Obviamente, o próprio nome da propriedade já denuncia o pecado capital da preguiça.

No percurso de uma fazenda/engenho para outra, às q   uatro horas da tarde, sempre havia uma batalha de dois exércitos: os morenos e os loiros. Um com a cruz, o outro com o estandarte em que figurava um bode… Este exército chefiado por um quadrípede, um bode… A luta era renhida entre os anjos e os demônios, que esta é a alegoria. As descrições das batalhas vão desde as batalhas medievais, passando pelo uso das armas brancas e pela pólvora. A última batalha é de fitas, e surgem aves das mais variadas cores. Uma espécie de paz decretada entre anjos e demônios – um fim de mundo?

Para os amantes da literatura fantástica, sem sombra de dúvidas este é um livro de estar na estante. Para aqueles que levam em conta a cultura popular, este é um “Rabelais” nordestino, brasileiro. De qualquer ângulo, este livro entre os demais de Hermilo Borba Filho marca a literatura fantástica brasileira e pode ser colocado ao lado de O Coronel e o Lobisomen, de José Cândido de Carvalho.

Neoliberais brasileiros: a inesgotável obtusidade

Desde que chegou às ciências exatas e da natureza a dúvida, não no sentido cartesiana de pergunta que leva a respostas, de preferência dentro do método preconizado, mas a dúvida em relação às próprias respostas que a ciência elabora, reconhecendo que estas não correspondem ao real, mas a uma construção sobre o real, a VERDADE como correspondência com a realidade deixou de ser a panaceia da ciência. Desde Einstein (teoria da relatividade), passando por Bohr e Einsenberg (teoria do sujeito instrumentado) e chegando a Elya Prigogine (teoria das estruturas dissipativas), as ciências da natureza introduziram em seu interior a dúvida, a incerteza, a insegurança de suas respostas.  As ciências da natureza não descrevem a realidade, mas fornecem somente mapas, modelos provisórios de compreensão.

Nas chamadas Ciências Humanas desde sempre, com sua heterocientificidade, a dúvida e a insegurança de suas respostas faz parte do cotidiano deste fazer científico. O máximo que conseguimos é um mergulho cada vez mais profundo na compreensão da realidade à medida que nossos “instrumentos” (que são conceitos) nos permitem leituras outras sobre a mesma realidade de que podemos aproximar-nos com uma penetração cada vez mais aguçada.

Há, no entanto, uma ciência de muito cartaz no mundo contemporâneo que se julga acima das ciências exatas e da natureza e acima, sobretudo, das Ciências Humanas. Trata-se da ECONOMIA. Economistas falam e agem como se porta-vozes da VERDADE, da compreensão única e verdadeira das atividades humanas, reduzidas suas afirmações às relações econômicas, obviamente, como se estas fossem um fenômeno abarcável em sua totalidade. Certamente não estou falando de todos os economistas, mas dos economistas neoliberais que nos assolam.

Ora, quando a Economia faz descrição do mundo das relações de produção e comercialização, das capacidades aquisitivas, da distribuição da renda, etc, está muito próxima de suas raízes, a Sociologia; quando faz História Econômica, está fazendo história, ainda que de um ponto de vista mais estrito do que aquele que o historiador gostaria de abarcar; quando elabora modelos e projeções sobre mundos possíveis nas relações econômicas, aproxima-se da Teoria de Modelos e da filosofia; quando tenta implementar seus modelos, interferindo na realidade para que o mundo se conforme ao modelo, está fazendo Política. De modo que, queiram ou não os economistas “neoliberais”, a Economia não é dona de verdade e concorre em suas explicações, de forma complementar, com as demais ciências sociais.

No entanto, ao contrário dos demais, sociólogos, filósofos, políticos, historiadores, os economistas que nos assolam, que rezam pelo credo neoliberal, são obtusos. Uma vez aprendida uma lição – a de que o mercado deve comandar tudo e todos – não conseguem aprender uma segunda lição. Nos últimos 30 anos, os fatos vêm mostrando que o modelo preconizado pelo neoliberalismo não dá certo; não produz desenvolvimento; não melhora a padrão de vida de ninguém; que somente consegue produzir dinheiro de papel, sem qualquer correspondência com o mundo efetivo; que somente enriquece e empobrece. No entanto, eles não aprendem nada. As receitas suicidas da austeridade, da transferência para o mercado da condução da vida econômica se mostram cada vez mais absolutamente inadequadas. Países que aplicaram a receita chegaram ao fundo do poço (Grécia) enquanto países que recusaram a receita (Portugal) reencontram caminhos de prosperidade.

Não adianta nada disso: os neoliberais brasileiros não conseguem aprender uma segunda lição. São homens de uma lição somente. E continuaram com sua fé, destruindo o país sempre a serviço do capitalismo improdutivo e rentista.

Ai de nós que temos que aguentar um Henrique Meirelles, um convertido José Serra, uma mula como Sardenberg comentando e explicando o mundo econômico a incautos expectadores da abjeta Rede Globo. E aqueles que se julgam informados pela VEJA e por ÉPOCA, ou pela ISTOFOI, que ganham 5.000 mensais e se têm por bem pagos (sua renda anual não chega a dois meses de salário de seu ídolo Sérgio Moro) repetem a mesma lição! É um catecismo. É uma questão de fé, não de ciência! O problema é que se revestem da autoridade da ciência para pregarem suas patacoadas, como se um gráfico qualquer tornasse científico qualquer discurso! 

As delações indesejadas: Eduardo Cunha e Andrade Gutierrez

Se tico e teco funcionassem, os das panelas, camisas amarelas e bandeiras desfraldadas poderiam compreender alguma coisa, ao menos a partir do noticiário desta semana. Mas pôr para funcionar o tico e o teco é pedir exageros a globodiotas. E entre eles, poucos leem até mesmo suas revistas preferidas, a OIA e a ISTOFOI.

Chega ser comovente o arrependimento tardio de executivos da Andrade Gutierrez e de Eduardo Cunha. Os primeiros queriam complementar sua delação. Perguntados se traziam fatos comprováveis contra Lula, cometeram o engano de dizer a verdade: nada tinham contra Lula. Eles não aprenderam a lição dada por Leo Pinheiro, que depois de dizer que o tríplex era da OAS, desdisse o que disse e declarou que pertencia a Lula. Por esta declaração sem provas – mas provas é o que menos importa no caso da perseguição a Lula – Leo Pinheiro ganhou as benesses da delação. Os imbecilizados executivos da Andrade Gutierrez foram incapazes de compreender o rumo das coisas. Deveriam ter dito: temos muito a mentir sobre Lula, e nossas mentiras são provas para as sentenças bem-fundadas de Sérgio Moro. Assim que dissessem isso, teriam direito à complementação que pediam.

O mais incrível desta história é que os procuradores da Lava Jato informaram a pergunta que fizeram e a negativa dos delatores foi suficiente para não aceitar nova delação e novos termos no acordo! E ficou tudo por isso mesmo!!! Ah! Como seria bom se o tico e o teco funcionassem para que os imbeciloides, que ainda acreditam que há um combate à corrupção, melhorassem um pouquinho seu nível intelectual, elevando-se acima da imbecilidade a que a mídia tradicional os conduziu.

Depois desta notícia escandalosa, sem que escândalo houvesse, surgiu a recusa da delação de Eduardo Cunha!!! O cara é um cofre de informações. Participou das maiores falcatruas da história recente do país! No entanto, segundo os sapientíssimos procuradores, ele nada acrescentaria ao que já sabem pelas delações de outros!!!

Se associarmos este fato à insistência de Michel Temer de que a JBS deveria manter – e que era preciso continuar mantendo – a “doação” ao presidiário Eduardo Cunha, como compensação pelo seu silêncio, teremos as verdadeiras razões da procuradoria da Lava Jato para a recusa da delação de Eduardo Cunha. Ele jamais pertenceu aos círculos petistas, e suas acusações, sua deleção, provavelmente iriam para endereços errados, comprometendo quem não deve ser comprometido, estilo Aécio Neves, José Serra, Romero Jucá, Moreira Franco, entre outros menos votados. E, obviamente, seu amiguinho íntimo de golpe, Michel Temer, este mais sujo que pau de galinheiro, mas dono da caneta da liberação de emendas e de cargos para comprar sua inocência enquanto estiver na presidência. Como seu período acabará, tudo vai para a justiça comum e nela todas as chicanas serão feitas por advogados bem pagos, e tudo ficará nos “autos” e sem deles sair, como aconteceu com o mensalão do PSDB lá na justiça mineira…

Os procuradores da Lava Jato estão escrevendo uma página da história do país. E a História a desvendará. De heróis do presente, tornar-se-ão os vilões do futuro. Ainda que enriquecidos por seus trabalhos de palestras e pregações país afora, valores necessários à sobrevivência já que os salários estão baixíssimos, como todos sabem e até o Conselho Nacional de Justiça se viu obrigado a suspender certos contracheques… Mas há outros enriquecimentos que cupim algum pode comer: os conhecimentos que adquirem em seus constantes cursos e viagens aos EEUU. Voltam sempre mais empanturrados de informações e conhecimentos, mas jamais chegam à sabedoria, pois esta é, como disse um dia Walter Benjamin, o lado épico da verdade, e se a verdade pouco lhes interessa – como mostram o “não querer saber” das delações de Eduardo Cunha e dos executivos da Andrade Gutierrez – não é possível a ela agregar o épico!

E enquanto estas vergonhas se expõem à luz do dia, as panelas estão nos paneleiros e armários, as camisetas amarelas nos guarda-roupas e as bandeiras devidamente dobradas e guardadas, e tudo isso só ganharão vida nas ruas no dia da prisão de Lula, o desejo efetivo e recôndito de uma classe média medrosa de perder as migalhas que a elite brasileira lhes deixava, porque seriam repartidas pelos desafortunados que Lula teve a ousadia de trazer ao mundo do consumo, ainda que esquecendo de trazê-los para o mundo da política.  

IREI COLOCAR O BRASIL NOS TRILHOS

Genial! Colocar o Brasil nos trilhos de trem, é uma ideia brilhante, igual a ouro falso. Ideia assim só pode nascer e brotar de um cérebro do tamanho e de uma arquitetura fluída de um crânio achatado como o seu, Temer. Talvez, Temer, seria melhor você esclarecer que você vai colocar o Brasil nos trilhos de metrô. O metrô é mais moderno, mais tecnocientífico. Viajar de metrô nos países da Europa, no Japão é uma beleza, um delírio.

Assim, Temer, você juntamente com o seu amigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Eunício, presidente do Senado, o Meireles, seu superministro fantasmagórico, os demais ministros, senadores, deputados que te inocentaram e absolveram de crimes hediondos recentemente, viajarão a Brasília nos trilhos de trem, ou melhor, de metrô supermoderno e superveloz. Vão e voltam sem risco de atrasos, sem superlotação, sem engarrafamentos,sem descarrilhamentos, livres de tantos outros incômodos e desconfortos nas viagens na categoria comercial dos aviões superlotados. Poderão beber um “scotch”, um “napoleon”, uma “wiborova”, tudo por cortesia das empresas terceirizadas de transporte terrestre, totalmente confortáveis e seguros. Nos finais de semana, a partir das quintas-feiras à tarde, voltarão para os seus triplex, seus palacetes de condomínios fechados, nas belas metrópoles, nas praias de Búzios, Ilha Bela, Copacabana, Fernando de Noronha… levando suas esposas, namoradas, e … Este será o verdadeiro e grande Brasil que você irá colocar nos trilhos. A começar por vocês. Isso será literalmente colocar vocês todos nos trilhos.

Bem, agora chega de narrativa ficcional. Vamos para a escala da narrativa real. O estado material, real do Brasil de hoje, a conjuntura econômica, social, política, ética, ou seja, o Brasil fora dos trilhos exatamente porque não há trilhos que prestem no Brasil de hoje. Mas você insiste e persiste dizer que irá colocar o Brasil – todos nós – nos trilhos. Além de ter pouquíssimos trilhos de trem e metrô, o estado para o uso, do pouco que tem, é péssimo: trilhos velhos, enferrujados, sem manutenção, desparafusados, as máquinas dos trens velhas, de modelos ultrapassados, vagões para passageiros desconfortáveis, enferrujados, cheios de rangidos e goteiras, sem segurança nenhuma para os trabalhadores das categorias sociais mais pobres, os únicos que usam trem e metrô no Brasil de hoje. E mais, 95% dos brasileiros não tem acesso ao transporte em cima de trilhos. Como, então, colocar o Brasil nos trilhos se o Brasil não tem estradas de ferro para transportar os duzentos milhões de toneladas de grãos de milho, soja, trigo a cada ano que produz, para as indústrias nas capitais e para os portos fluviais? Se colocar o Brasil nos trilhos, Temer, o Brasil irá descarrilhar.

E tem mais, Temer. Acho impróprio, inadequado, nada ético, recorrer à linguagem analógica tão ambivalente para seduzir a opinião pública por meio de um método subliminar, ou seja, dizer, com voz calma, que é preciso sacrifício dos trabalhadores e servidores. Falar e dizer diuturnamente que a “agenda de reformas” é imprescindível e imperiosa para superar o deficit e a dívida pública monstruosa – injusta, ilegal e ilegítima – que o Brasil tem com os bancos rentistas estrangeiros. O seu compromisso, garantido com os votos dos parlamentares, seus apoiadores políticos, é com as grandes corporações econômicas, rentistas financeiros e com blocos midiáticos globalizados, é compromisso ilegítimo, imoral e antiético. Portanto, é um compromisso criminoso. Você não pode levar o Brasil ao estado e a condição de subserviência aos interesses do grande capital global às custas do sofrimento e exploração dos brasileiros trabalhadores e das massas populares mais pobres. É vergonhoso, nojento e insuportável você usar o poder de presidente do Brasil, valer-se dos bens de todos e comprar votos de deputados e senadores no Congresso para se livrar da condenação por crimes e para aprovar as medidas e programas de retrocesso brutal e cruel dos direitos dos trabalhadores. Liberar as leis e regras de negociação do trabalho é – sem o Ministério do Trabalho e sem a CLT – garantir o poder sem limites ao capital na correlação de forças com o trabalho. Principalmente com as políticas e medidas sem limites de privatizações e terceirização dos empregos. Você chama isso de “modernização do trabalho”, sem dizer aos trabalhadores o quanto eles perdem de direitos e benefícios já garantidos.

Fica difícil aceitar esta analogia – colocar o Brasil nos trilhos – porque ela reduz a liberdade dos brasileiros à liberdade do trem nos trilhos: só vai e vem de acordo com o caminho dos trilhos. O trem – o Brasil – só se move, vai e vem, sob o comando do maquinista. E este não tem nada a fazer a não ser cumprir destinos determinados em horários estabelecidos, não por ele, mas pelo poder do sistema. Uma liberdade – individual e coletiva – igual à liberdade do trem nos trilhos é uma liberdade triste, tediosa… não é liberdade.

Aliás, senhor Temer, tem algo muito verdadeiro porque real nesta analogia que você repete: os políticos que governam o Brasil de hoje são a cara dos trilhos e dos trens do Brasil de hoje. Eles – os políticos e os que os apoiam – não só se parecem, eles são os trilhos e os trens reais que temos: ultrapassados, corrompidos, enferrujados, obsoletos, sem serventia e capacidade para reestabelecer as condições de vida dos brasileiros honestos, éticos e trabalhadores.

Vou fechar esta indignação escrita com o último verso do poema “Trem de Ferro”, do poeta Manoel Bandeira.

Vou depressa

Vou correndo

Vou na toda

Que só levo

Pouca gente

Pouca gente

Pouca gente…

Cascavel, 09/08/2017.

Nota: Colaborando com o blog, José Kuiava escreverá às quartas-feiras.