por João Wanderley Geraldi | out 7, 2017 | Blog
Embora Walter Hugo Mãe não use letras maiúsculas em nenhuma circunstância e apenas dois sinais de pontuação (vírgula e ponto final), desta vez não vou “colar” meu texto a sua ortografia, como fiz quando comentei O Remorso de Baltazar Serapião.
Em O Apocalipse dos Trabalhadores, o autor nos conta uma história entrecruzada de duas mulheres-a-dias (entre nós, empregadas domésticas diaristas) e um operário ucraniano que, vindo de longe em busca de melhores condições de vida, encontra em Bragança (na região de Trás-os-montes de Portugal) serviço numa pizzaria e logo após como trabalhador braçal na construção civil. Seus personagens são, pois, trabalhadores. E dentre estes, aqueles que estão no mais baixo patamar de salários e de consideração social.
Maria das Graças e Quitéria moram numa daquelas construções sociais comuns em Portugal: edifícios de pequenos apartamentos. Cabe-lhes o andar térreo e, sobretudo, o espaço dos estendais onde secam as roupas que trazem do serviço para lavar e passar. Ambas também exercem o ofício de carpideiras, deslocando-se pelas cidades e povoados da região a velarem defuntos sem choro.
Enquanto os trabalhos de doméstica de Quitéria pouco aparecem ao longo da história, aqueles de Maria da Graça são centrais ao enredo. Ela trabalha para o erudito senhor Ferreira: limpa-lhe a casa e cuida de suas roupas e coisas. Serve também de amante: este é um livro sobre o trabalho de goya, dizia-lhe o homem, um génio, veja. são coisas como já não há e nem deus havia de estar consciente da maravilha que vinha ao mundo quando este homem nasceu. sabe, maria da graça, há homens que surpreendem o criador, tenho certeza. (…) ele levantava-se, punha-lhe as mãos nos ombros, inclinava-se um pouco à altura dela e beijava-a. não é que esteja certo, dizia ele, não estará com certeza, mas ambos sabemos o nosso lugar e é dessa forma que a sociedade se estrutura, é essa consciência que faz com que não desmorone. a maria das graças trouxe cor a esta casa, eu já lhe disse isso. depois voltava a dobrar-se sobre a mulher e a tapar-lhe a boca com a sua, perscrutando a língua dela como se caçasse bichos ali dentro. o senhor ferreira não devia, ainda ontem aconteceu, e depois tenho pesadelos à noite, interrompia ela.
Este é o grande pano de fundo das histórias destes trabalhadores: o amor e a falta do amor, este sentimento que ensina viver. Embora velho, o senhor Ferreira trazia à Maria das Graças o que seu marido, providencialmente marinheiro, não lhe dava, a não ser ausências enquanto usufruía de seus prazeres nos portos tantos.
O erudito senhor Ferreira, que ensinava Maria das Graças a ouvir Mozart, particularmente o Requiem, suicida-se jogando-se da janela de seu apartamento no centro da cidade, surpreendendo vizinhos e Maria das Graças que antes mesmo de sair para o trabalho recebe um telefonema da polícia perguntando-lhe o que era do senhor Ferreira, e ela responde que era amante. Ao chegar à casa, encontra a polícia a examinar tudo na casa, que o suicida preparara enfeitando-a e deixando maços de dinheiros em vários lugares, provavelmente esperando que Maria das Graças os tomasse para si. Morto o maldito, sobrava-lhe o carinho do cachorro vadio que a perseguira e que ela acabara adotando: dera-lhe o nome de Portugal! No nome do cão, há uma referência provável ao país e seu “status” na comunidade europeia.
A partir da morte do senhor Ferreira, Maria da Graça sonha todas as noites: está morta e caminha por uma longa praça onde vendedores de feira oferecem quinquilharias como se vendessem aos mortos lembranças da terra para que as levassem consigo para a eternidade. São Pedro jamais lhe abre as portas, apesar de seus rogos: ela queria ver o senhor Ferreira, matar as saudades do maldito que a consumiam e que a faziam morrer de amores. O sonho verdadeiro: morrer de amores. Morte impossível, mas sempre desejada. Nas reflexões de Maria das Graças, o maldito senhor Ferreira se vai tornando o amor perdido para a morte: talvez sejamos muito burras e não seja possível sabermos sobre a vida, queixava-se a maria das graças. passei anos a achar que o maldito, coitado, bendito homem, afinal era bendito, entendes o que digo, que passámos muitos anos a julgar uma coisa sobre o que sentimos, julgámos as coisas a mal, e depois, sem mais nem menos, o que nos falta mostra o quanto nos falta e por quanto seríamos fortes para voltar atrás.
Perdido o emprego, Quitéria a convida para o ofício de carpideira. Por cada velório recebem 50 euros, renda extra que se juntava agora a serviços poucos, porque a crise não permitia a todos contratarem empregadas. Acha um serviço de limpeza justamente na “república” em que viviam os imigrantes do Leste europeu, trabalhadores às vezes muito escolarizados que se submetiam a qualquer emprego nos países da comunidade europeia. Portugal, eterno fornecedor de imigrantes, acaba sendo o lugar para onde fluíam agora imigrantes do Leste. No grupo de homens vindos do leste, um russo (Mikhalkov) que acaba se tornando seu parceiro de poucos prazeres, está o ucraniano Andriy: este se tornará o homem de Quitéria que aos vinte e três anos (…) estaria nas casas a limpar pó, aspirara, passar ferro, mas estaria algo embelezada pelas fantasias que os pretendentes lhe traziam.
Andriy Shevchenko, jovem e robusto, viera da longínqua Kórosten (uma das cidades que sofreu com o acidente de Chernobyl). Este imigrante traz para dentro do enredo outra paisagem e outra cultura, um tanto de história da fome dos anos 1930 que vitimou mais de sete milhões de ucranianos, e a sobrevida no regime soviético. Seu objetivo era ter um emprego, mandar dinheiro para os pais e ir sobrevivendo: gostava de acreditar que a vida podia existir apenas como para uma máquina de trabalho perfeita, incumbida de uma tarefa muito definida, com erro reduzido e já previsto, e com isso atender ao mais certeiro objetivo, enviar algum dinheiro para a família na ucrânia, e nem pensar muito nisso e nunca dramatizar a questão. depositar o dinheiro, saber que seria levantado lá tão longe, e mais nada, pensar no acto como um ofício a mais, um item nos seus afazeres. retirar daí a felicidade das máquinas, uma espécie de contínuo funcionamento sem grandes avarias ou interrupções. a felicidade das máquinas, para não sentir senão através do alcance constante de cada meta, sempre tão definida e cumprida quanto seria de esperar de si. (…) para ser uma máquina feliz, sabia-o bem o andriy, havia que manter-se cuidado e, por isso, ele acabara substancialmente com as saídas e as cervejas. o mikhalkov tinha-lhe dito que, no primeiro ano, à custa de não se poder falar, o melhor era beber a cada noite o suficiente para deixar de pensar nisso. não pensas, não falas, não queres falar. e o andriy passou também o seu ano calado à força de beber demasiado e adormecer quente de álcool. é importante perder a lucidez para não existir qualquer necessidade de ser entendido, repetiu mikhalkov.
Quitéria encontra felicidade em Andriy. No final da história, acaba financiando uma viagem de ambos para a querida Kórosten, pois Andriy não recebia notícias dos pais (o pai lhe escrevia constantemente, mas Ekaterina, a mãe, não punha as cartas no correio, simplesmente as guardava). Maria das Graças, no entanto, ainda que descubra ter se tornado a herdeira do senhor Ferreira, não aguenta a vida com o marido e seus cotidianos, e seguindo o exemplo do amante, acaba se suicidando também se jogando do alto do edifício, sobre os estendais rebentando os fios e manchando de sague as roupas estendidas. Portugal gane e se aproxima…
Ler este livro é descobrir. Descobrir um mundo: a terra dos trabalhadores, pensou a maria das graças, deus talvez nem saiba onde isso fica, se isso fica assim metido entre a terra dos outros homens e das outras coisas. No prefácio, Adonis escreve: “Narrar não é contar a realidade como um facto. Pelo contrário, é compreender ou capturar o momento oculto a partir do qual surgiram as fontes dessa realidade. É escrever aquilo que excede o visível para identificar o real na sua plenitude, no seu infinito”.
O apocalipse do trabalhador está para além da miséria visível, lá onde se encontra uma humanidade em desintegração, causada esta sim pelo visível a olho nu. Ler O Apocalipse dos Trabalhadores é aprender a associar o visível (que está no narrado) com o invisível (que funda o enredo e a história da arte de viver nos interstícios possíveis).
por João Wanderley Geraldi | out 5, 2017 | Blog
Corria uma investigação da Corregedoria da Universidade Federal de Santa Catarina a propósito da aplicação de verbas para a Educação à Distância (80 milhões). E na investigação, como é salutar em toda investigação, aqueles responsáveis pela gestão apresentavam sua argumentação, contraponto necessário a qualquer investigação (exceto para a lava jato e seus filhotes). Se uma investigação como esta chegasse a resultados, mesmo que indiciais, de presença de crime, seu relatório necessariamente sairia dos muros da universidade, encaminhado às autoridades competentes para aprofundarem a investigação e tomarem as medidas cabíveis.
No entanto, a defesa apresentada na investigação interna foi tida, por um()a anônimo(a) acusador(a), como “obstrução da justiça”. E como defesa em filhotes da operação lava jato é, para a procuradoria federal e para a polícia federal, obstrução, estava decretada a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo!
Uma denúncia é o que basta para os des-investigadores: a polícia federal mancomunada com a Procuradoria, abre sua investigação e uma delegada, (desconhecida do grande púbico, mas candidata à chefia da polícia federal) pede a prisão preventiva do reitor da universidade e mais outras seis pessoas, além das inúmeras buscas e apreensões, incluindo um órgão do MEC (a Capes). Tudo examinado por policiais, procuradores e uma juíza, também ela ainda fora dos holofotes da imprensa, Dra. Janaina Cassol Machado (ah! este nome foi maculado por outra Janaína, a possuída), resulta na prisão e no espetáculo diário a que nos submetem instituições que deveriam ser sérias como a Polícia Federal, a Procuradoria Federal, o Judiciário e a mídia que há muito tempo vive da carniça que estas instituições vem produzindo, mesmo que ao arrepio dos procedimentos previstos pelas leis.
A delegada Erika Mialik Marena foi convencida, pela necessidade de holofotes, a pedir a prisão preventiva dos supostos criminosos, antes mesmo antes de ouvi-los. Era necessário: ela encabeça a lista tríplice de delegados, elaborada por eleição da associação de delegados federais, para dirigir a Polícia Federal. Um nome não só estranho, mas um nome desconhecido do grande público. Era necessário se tornar conhecida. Nada melhor do que uma prisão espetacularizada.
O assassinato do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo cai, assim, na conta de desta operação contra a qual não se pode dizer nada, pois imediatamente um sinal, ao velho estilo da cruz amarela usada pelos nazistas para assinalar os que deveriam morrer, marcará para sempre quem ousa apontar algum detalhe escabroso nos procedimentos. Até porque “isto não vem ao caso”, mesmo quando há denúncia de que existe uma “indústria de delações premiadas”. E a operação lava jato tem uma cadeia de atores: a polícia federal, a procuradoria federal, os juízes acusadores e a mídia a que se associam. Que vantagens levam eles? A mídia vende escândalos e aumenta sua conta de publicidades, orientada pela sua insensatez. Juízes, procuradores e delegados pousam de “salvadores da pátria”, tornam-se intocáveis e adquirem direitos a excepcionalidades reconhecidas até por tribunais.
Ora, a destruição de reputações, a destruição de honras (alguém disse que os canalhas que não têm honra não se importam quando a honra dos outros é ferida), tudo se faz em nome de um combate à corrupção, necessário, mas absolutamente mal conduzido porque dirigido por um protagonismo e uma concorrência de protagonismo entre policiais, procuradores e juízes.
Nem todos conseguem sobreviver ao ataque. Uma vez taxado de “corrupto”, jamais o sujeito se vê livre dos olhares perscrutadores e insistentes de todos que o rodeiam. Nada lhe sobra. Se não é canalha como o são muitos dos delatores da lava jato, sobra-lhe a sobrevivência na obscuridade ou o suicídio. O reitor escolheu o segundo caminho, e por isso seu suicídio é um assassinato.
Como pode a sociedade brasileira ter chegado à esclerose dos sentimentos, carregada a isso pela PF, pelo MPF, pelo Judiciário, todos espetaculosos, e pela mídia monopolizada e partidária? A sensibilidade, até mesmo de uma juíza, de uma mulher de que antigamente se esperava maior capacidade de compreensão humana, desapareceu. E tudo por um minuto de fama, nas claridades dos holofotes.
“… tudo isso poderia ter sido escrito de outra maneira, mais equilibrada, mais cautelosa e, digo agora: talvez mais amável, porém, é de se recear que eu só possa descrever tudo (…) com uma pena manca, como se alguém sempre a repelisse quando ela se dispõe a escrever certas palavras, assim minha mão finalmente escreve outras palavras em seu lugar, palavras das quais simplesmente nunca se dá uma apresentação amável, arredondada…” (Imre Kertész. Kadish. Por uma criança não nascida)
por João Wanderley Geraldi | out 4, 2017 | Blog
“Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias”. Pablo Neruda nos deixou esta dica genial, entre milhares de belas lições de vida e humanidade.
Hoje não vou escrever das barbáries da nossa política nojenta. Vou escrever de nós mesmos, pois todos temos uma história para contar e escrever. Mesmo que nossa existência ainda seja curta e breve, já é uma história. Contar a história de si é escrevê-la entre a primeira letra maiúscula até o ponto final. Embora o ponto final da nossa narrativa não seja o final da nossa história, pois a vida ainda não acabou. E narrar é colocar em linguagens as ideias que temos de nós mesmos. Assim, não formaremos apenas massa de indivíduos, mas constituiremos a sociedade de sujeitos históricos.
Contar de si, dizer da própria existência é inventariar a vida de si com a vida dos outros. Ninguém jamais viveu sozinho e tampouco vive só. Cada um é um resultado histórico. O resultado das relações com os outros. Somos de um tempo determinado da história. Cada um nasceu num lugar e num tempo. Somos do lugar e do tempo. O lugar de cada um é também o lugar dos outros. Da mesma forma o nosso tempo é o tempo dos outros. Somos todos conterrâneos e contemporâneos. Conhecer a nossa contemporaneidade é conhecer a nós mesmos.
A primeira condição humana do conhecimento é nos conhecermos. O conhecimento é a magia do conhecer a si mesmo. Não em segredo e nem numa situação individualizada e individualista, nem no sentimento egoísta da vanglória ou do triunfo de si mesmo, mas nas relações sociais com os outros. Os outros são aqueles sujeitos com os quais estabelecemos as relações de vida nas mais variadas e amplas situações e circunstâncias. O conhecimento que não ajuda a nos conhecermos (a realidade determinada) não serve para nada. O conhecimento verdadeiro é aquele que ajuda a nos entendermos como sujeitos históricos, situados no tempo determinado e na realidade determinada.
Temos uma identidade. Temos nome, sobrenome, data e local de nascimento, nome do pai, nome da mãe. Temos família, irmãs(?), irmãos(?), avós, bisavós, tias, tios e outros parentes. Já fomos crianças. Tivemos a nossa infância. E como foi nossa infância? Com quem e com que brincávamos? Quais foram nossos brinquedos? Como foi nossa infância? O que foi e o que é para nós o nosso corpo? Quais valores humanos apreendemos e vivemos em nossa infância e em nossa adolescência? Como fomos constituindo nossa identidade social, identidade cultural, a identidade religiosa, as nossas crenças, os nossos medos, as nossas angústias ante a vida real? Alguma vez já nos emocionamos diante das árvores, das montanhas, das nuvens, do nascer e pôr do sol? Fomos capazes de brincar na chuva de verão? Como construímos o mundo irreal? Já experimentamos liberar nossas fantasias, o mundo ficcional? E qual foi (é) esse mundo da imaginação?
Escrever a vida configura-se como resgate, constituição e representação das múltiplas identidades de si, enquanto sujeitos vivos, existentes, como agentes e instituídos de uma identidade social num determinado contexto e tempo da história. A identidade que transcende a identidade consigo mesmo, pois ela configura-se com a identidade do grupo de que faz parte. Assim, o sujeito se percebe como um ator que se representa e convive com personagens vivos, reais.
Como eu me vejo? Como os outros me veem? Como o mundo me vê? Escrever a história de si é debruçar a mente e o coração sobre a vida. É construir a consciência de si mesmo e sobre o entendimento do significado da vida humana.
É um exame da própria visão e concepção do mundo. Um exercício de criticar a própria concepção do mundo. Escrever a própria história de vida, quem sabe, nos permitiria a elaborar uma nova concepção do mundo de maneira crítica, criativa e consciente. Assim como Antônio Gramsci já imaginou: “O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário”.
É possível que se todos os educandos das universidades escrevessem suas histórias de vida e se todos os professores lessem estas histórias, certamente os universitários não seriam mais os mesmos, nem os professores o seriam.
Agora imaginemos uma hipótese, segundo a qual todos os políticos e todos os juízes vivos em ação escrevessem suas histórias de vida em plena sintonia com os princípios éticos e morais da humanidade, quer dizer, sem mentiras, sem falsidades e sem hipocrisias, simplesmente dizendo a verdade acima de tudo e de todos. Aí, sim, superaríamos o princípio educativo, hoje reinante, do “vigiar e punir”. E superaríamos a prática de condenar somente alguns criminosos selecionados.
por João Wanderley Geraldi | out 3, 2017 | Blog
A cada pesquisa de opinião, o golpista Michel Temer perde pontos em sua aprovação. Agora chegou a um patamar desconhecido na história: tem 3% de aprovação! E é com esta “popularidade” que o atual invasor (aqui sim, temos invasão e não ocupação) do Palácio do Planalto (onde não consegue dormir de medo de fantasmas…) vai realizando reformas profundas nas relações entre capital e trabalho (a Reforma Trabalhista e a terceirização indiscriminada), nas relações de solidariedade social (com o fim de programas que davam a todos uma garantia de sobrevivência com o corte orçamentário de 98% na área de serviços sociais), nas relações pedagógicas reduzindo a possibilidade de uma formação integral em benefício de um tempo integral para itinerários falsamente diversificados (a reforma do ensino médio, em que o governo oferece o que não poderá realizar pois não dispõe nem disporá dos recursos prometidos – atualmente está procurando um empréstimo para dar conta de recursos que deveriam ser destinados aos estados neste ano de 2017), nas possibilidades de futuro com educação e saúde (com o congelamento orçamentário – a PEC do fim do mundo – nas áreas de saúde e educação para os próximos 20 anos, independentemente do crescimento das necessidades da população), nas relações seguridade social (na famigerada proposta de reforma da previdência, que acabará com os horizontes de vida digna na velhice). E assim segue o duplamente denunciado Michel Temerbroso.
E tudo isso faz com o apoio de um congresso nacional que aposta na desmemória de seus eleitores. Ou no poder econômico, ou no poder da violência ou no poder religioso: um deles que os reconduzirá às benesses da traição e das vendas descaradas de seus votos. Não representam a ninguém, exceto a seus próprios interesses. Se representassem, com uma desaprovação de 97% dada ao diretor do balcão de negócios em que se locupletam, teriam no mínimo certa vergonha e fariam tudo um pouco às escondidas. Que nada! É tudo às claras, nas fuças dos eleitores.
Mas com a Bíblia em punho os pastores e bispos neopentecostais e evangélicos os reconduzirão. O boi mugirá, e o agronegócio financiará. E o medo da violência causada pela miserabilidade lhes dará a bala de que precisam para voltarem ao covil chamado Congresso Nacional.
No arquivamento da primeira denúncia do Temerbroso, o Brasil ficou envergonhado com os milhões gastos para a compra de votos necessários. Nesta segunda denúncia, as negociações estão em andamento desavergonhadamente. E mesmo antes de seus fechos, o partido “sustentáculo da miserabilidade e do austerocídio fiscal”, o PSDB, já ofereceu, em seu discurso da servidão voluntária, todo o apoio ao arquivamento do processo. Nada de investigar aquele que jogamos na cadeira presidencial através de um golpe, articulado e bem conduzido pelo seu corrupto candidato, Aécio Neves. O furto das coisas públicas fazia muito pó e a gente pensava que era somente pó. Não era! Era a movimentação rápida das malas pelos corredores que levantava o pó que nos cegava. O pó não desapareceu, mas apareceram seus motivos.
Por isso estou defendendo uma ideia: não reeleger nenhum senador ou deputado. Só podem retornar para Brasília aqueles que ficaram, no mínimo, quatro anos de quarentena, cá no rés do chão, como cidadãos e convivendo com cidadãos. Por lá, eles perdem o contato e por isso precisam desta quarentena entre nós, para sua reeducação.
por Cristina Batista de Araújo | out 2, 2017 | Blog
O ensino de língua portuguesa no Brasil tem passado por constantes períodos de reflexão, dentre os quais, sobre as questões em torno das mudanças de paradigma no ensino de gramática, da crise na escrita escolar, dos baixos índices obtidos em exames de leitura, além de propostas de reformulação da prática docente. Nos últimos tempos, temos assistido a intensas campanhas de (des)governo que têm por objetivo a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular e de um Novo Ensino Médio. E o que percebo é o mesmo: na educação, de tempos em tempos, há uma necessidade de aparentar mudanças estruturais e teórico-metodológicas, e isso torna comum presumir que é chegada uma nova era à escola e que tudo o que se fazia precisa mudar! Por diferentes motivações, a sala de aula e o ensino parecem servir como objetos inertes para subsidiar alterações políticas, educacionais e científicas.
No caso, do ensino de língua portuguesa, além dos estudos que se centram nas concepções de linguagem e suas implicações no ensino, na leitura e na produção de textos, assistimos até mesmo ao aprimoramento da abordagem normativa de ensino dos gêneros, que ora são tratados como gêneros textuais, ora discursivos. E a fórmula parece proliferar: primeiro, para estudar o gênero X é preciso saber o que é, para que serve, onde usar; depois, conhece sua estrutura e visualiza alguns modelos; por fim, realiza-se a produção de algo nos mesmos moldes.
Parece-me que, na maioria desses casos, os estudos e as perspectivas de trabalho deixam às margens aquilo que instaura o cotidiano da escola: os sujeitos-participantes constituídos na/pela linguagem, as relações de poder que se estabelecem entre eles por meio do discurso, os interesses que permeiam suas relações, a apropriação institucionalizada do saber. Não há, necessariamente, uma preocupação em construir práticas de aprendizagem em torno de temas e de projetos de vida local, ou que seja marcado pela pluralidade metodológica, e que não separe o sujeito do que ele estuda.
Por tudo isso, penso que é necessário trilhar um caminho em que o cotidiano possa ser apreendido como uma via para fugir às respostas comumente dadas às perguntas e aos problemas na escola. E esse caminho não se trilha por características uniformes e constantes, mas, por aquilo que ele tem de inusitado e não-repetível e que pode contribuir para se pensar as práticas escolares a partir de seu interior e de sua dinamicidade.
Mas, qual seria essa lógica do cotidiano?
Aprendi, com Michel de Certeau, que “o cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. […] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. […] É uma história a caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada”. (CERTEAU, 1994, p. 31).
Na acepção de Michel de Certeau, o cotidiano é atravessado por práticas construídas a partir da coexistência de ações institucionalizadas e não-institucionalizadas; entretanto, é por vezes interpretado apenas como afazeres assistemáticos e sem relevância alguma para o conhecimento científico. O cotidiano, para este autor, possibilita que as práticas dos sujeitos revelem suas astúcias diante das imposições oficiais, criando, assim, trajetórias ziguezagueantes ao olho do poder. Essa compreensão de que as ações cotidianas não podem passar despercebidas tem sido muito eficaz para uma pesquisa que envolva a esfera escolar. Em suas palavras, “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada” (CERTEAU, 1994, p. 38), e cria, assim, condições de possibilidade do exercício de microliberdades no interior de uma estrutura.
Espero, nas próximas publicações, continuar apresentando o que tenho elaborado sobre as possibilidades de se apreender a escola e sua complexidade a partir dessa perspectiva do cotidiano, isto é, inventando o possível.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. (Tradução de Ephraim Ferreira Alves). Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | set 29, 2017 | Blog
Quando o STF afastou do mandato o ex-senador Delcídio Amaral, criou a figura jurídica do flagrante continuado, já que a gravação do crime cometido de obstrução da justiça continuava existindo. O Senado não reagiu: aceitou o afastamento (merecido) e depois cassou o mandato de Delcídio Amaral, ex-PSDB e então já ex-PT. Quando do afastamento, era do PT, logo, era “natural” que fosse afastado. Não houve conflito algum.
Quando ministro do STF afastou da presidência do Senado o senador Renan Calheiros, a sete dias do término do mandato na presidência, houve reação. O Senado não acatou a decisão do ministro. Depois, o assunto desapareceu da pauta, porque o jogo político no Brasil do golpe se faz com a rapidez da internet e do tempo real. Você piscou, surgiu outro quadro político.
Aécio Neves foi afastado pelo ministro Edson Fachin, decisão que outro ministro, Marco Aurélio de Melo, revogou porque outra era sua interpretação da lei. Claro que a gravação de Joesley Batista continua existindo e mostrando que o senador mineiro não é flor que se cheire. Mas nesta gravação, em se tratando de senador não petista, não existe a figura jurídica do “flagrante continuado”. As coisas se aplicam e não se aplicam segundo injunções que nada tem a ver com a lei.
Acontece que houve, depois deste afastamento, pedido de cassação do mandato do Senador Aécio Neves, agora novamente afastado. Mas o pedido foi arquivado pelo presidente da Comissão de Ética, alegando que haviam feito uma cilada ao colega. Na verdade, sendo o presidente da Comissão do PMDB, e como estava em negociações salvar o usurpador Michel Temer, o arquivamento foi por conta das negociatas para obter o apoio do PSDB na Câmara dos Deputados. E teve de muitos dos deputados deste inefável partido da “base aliada”. Michel Temer foi salvo também pelo PSDB. Que não venham os senhores senadores agora chorar lágrimas de crocodilo: a comissão aprovou o arquivamento por 11 a 4, uma vitória considerável de Aécio Neves nesta instância do Senado.
Neste novo afastamento, senadores vão à tribuna, incluindo o petista Jorge Vianna, todos a defender o Senado como poder independente e erguendo dedos acusadores ao STF por ingerência no poder legislativo. Podem até ter razão. Não havendo “flagrante continuado” mesmo havendo gravação (que valeu para um cretino senador petista mas não pode valer para um senador do PSDB), o afastamento é tido por ilegal.
Pessoalmente, não creio na legalidade de muitas decisões do STF que passam a valer como lei, já que seu corpo de ministro se dedica hoje muito mais à política do que às letras jurídicas. Gilmar e seu acólito Toffoli; Fux e Barroso, Alexandre Morais, todos estão na imprensa fazendo política, mesmo que não partidária. Partidária mesmo, Gilmar Mentes confirma que não minto: ele faz.
Ora, persistindo a notícia-crime do senador Aécio. Escutadas as gravações por todo mundo. Vistas as imagens das malas de dinheiro. Recuperado o dinheiro. Tudo isso não levou o plenário do Senado a exigir que a Comissão de Ética revisse sua decisão. Ficou tudo arquivado, e Aécio Neves limpo e fagueiro pelos corredores do Senado, afastando-se e aproximando-se do pretenso candidato à presidência da república, o populista autoritário João Dória, nossa versão de Donald Trump. E aí a primeira turma do STF revogou a decisão do ministro Marco Aurélio de Melo: Aécio foi novamente afastado… Será cassado? Alguém acredita que neste momento de necessários votos do PSDB na Câmara dos Deputados, o governo não jogará com o Senado para garantir apoio do partido dono do projeto econômico que Michel Temer está pondo em prática através de Henrique Meirelles?
Nós, cá na planície ou mais precisamente no Brasil real, cada vez mais acreditamos menos no Judiciário. E os membros do Legislativo estão com o cartaz abaixo do cu do cachorro. Dadas estas instituições e seus funcionamentos, nós que vamos levando a vida sem as mordomias de juízes nem de senadores e deputados, já sabemos: tudo acabará em pizza, em arquivamentos. A única coisa que jamais será arquivada é a audácia de um metalúrgico ter sido presidente com mais popularidade do que os doutores e mesmo do que o estadista de Higienópolis, o nosso príncipe dos sociólogos que realmente se acreditou príncipe de alguma coisa.
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