Alegria. Alegria. Nunca estivemos tão bem

A Folha de S. Paulo se esforça para mostrar que a economia reage, dado um crescimento pífio de 1,1% do PIB no trimestre. Vai fechar o ano com muito menos, mas isso não vem ao caso. No entanto, a alegria da mídia tradicional e golpista não consegue se esparramar pela sociedade apostando num futuro venturoso. É temerário. O bom humor fica restrito às redações de jornais às coxias das redes de TV: aparecem nas páginas dos jornais e na voz de âncoras que agem como se não estivessem numa relação de emprego. Ganham tão bem que esqueceram que são meros empregados… e que podem ser limados como foi o William Waack (talvez depois do puxão de orelhas por seu racismo, tenha se dado conta que não é o dono da TV Globo, mas empregado!)

Mas eu me deixei contagiar pela alegria geral: nunca estivemos tão bem. Vejamos:

  1. Feriado perdido. Entrou em vigor a nova legislação trabalhista no sábado passado. No mesmo sábado, um hospital da zona oeste de São Paulo comunicou (comunicar será a fórmula do acordo entre patrão e empregado a partir de agora) aos seus empregados, com base na nova lei, que aqueles do regime 12/36, se o cumprimento das 13 horas coincidir com feriado, não mais terão direito a este feriado! Ponto. É o acordo.
  2. Sentença condenatória. Um juiz do trabalho da Bahia condenou, com base na nova lei, um trabalhador a pagar a seu patrão a indenização de R$ 8.500,00 a seu patrão. Ele reclamava na justiça “responsabilidade civil” do empregador por ter sido assaltado horas antes de se dirigir ao trabalho (realmente, uma reclamação trabalhista que causa espanto!) e pedia o pagamento de horas-extra. A culpa pelo assalto em função de “responsabilidade civil” não foi aceita. E deveria não ser mesmo, porque o próprio pleito mostra que há abusos nas reclamações trabalhistas. E também as horas-extra não foram comprovadas. Resultado: o empregador teve direito à indenização!
  3. Lula deve morrer. Um comentarista da ISTOFOI escreve uma crônica dizendo que “Lula deve ser morto”.Coitado, foi mal compreendido pelo partido que afirmou que vai processá-lo (vai mesmo? Não acredito que o faça!). Ele só estava defendendo que nas eleições de 2018 Lula seria sepultado pelos votos do povo que o derrotaria vergonhosamente. Contra todas as pesquisas de opinião, o lídimo representante da direita vem à público pedir que deixem Lula concorrer, que com a Lava Jato, Lula seria derrotado e isso seria um grande bem para o Brasil… Falava em morte política, que não haverá. E ao mesmo tempo defendia que o indivíduo (fez uma dicotomia entre Lula e Lula que só a direita, com base nos indícios de Dallagnol, consegue fazer) deveria depois de perder as eleições mofar na cadeia e nela morrer, esquecido do povo!!! Que medo a direita tem de construir um novo mito, como o é Getúlio Vargas! E sabe que construirá, qualquer que seja o caminho que tomar: não permitindo que participe como candidato, prendendo-o; ou não deixando que assuma o governo, porque ganhará de lavada.
  4. Doamos parte do pré-sal. As grandes petroleiras arremataram por 6,1 bi alguns campos do pré-sal. Para ajudá-las, afinal devemos sempre dar uma mãozinha a quem investe no país, estão sendo isentadas de impostos por um período em que a recusa fiscal somará apenas 1 trilhão de reais!!! E para que não tenham problemas de caixa para tocarem suas atividades no Brasil, o BNDES aplicará recursos do Tesouro Nacional (dizem que ele não tem dinheiro, mas pelo visto tem e Henrique Meirelles é um mentiroso) na ordem de 30 milhões, financiamento a juros subsidiados, com prazos a perder de vista! Isso não merece muitas palmas?
  5. Vamos doar a Eletrobrás. Estamos nos organizando para entregar, por preço de banana, a Eletrobrás, que a mídia faz o favor de vender como uma empresa falida! Ora, a Eletrobrás é dona da Itaipu (que está muito bem, obrigado); é dona de Furnas (que vai de vento em popa), é uma gigante com lucros… mas saberemos logo: é um elefante branco, tem que vender, que “investidores” gostam muito de elefantes brancos como este. Vender Itaipu significa entregar o lago de Itaipu ao capital externo. Entregar a exploração de um recurso natural, a água, para estrangeiros. Deveríamos todos estar batendo panelas de alegria.
  6.  A cereja do bolo. Depois do Renan no palanque da Caravana de Lula em Alagoras, depois do Jackson Barreto, governador, no palanque de Lula, levar vaias estrondosas no interior de Sergipe, a cereja vem por conta da presidenta que sofreu o golpe em 2016 e que tanto nos esforçamos para eleger. Em Berlim, diz ela “é hora de “perdoar a pessoa que bateu panela achando que estava salvando o Brasil, e que depois se deu conta de que não estava”. Ela também afirmou que não vê problemas em alianças entre seu partido e figuras como o senador Renan Calheiros.”   (https://falandoverdades.com.br/dilma-diz-que-e-preciso-perdoar-os-paneleiros-que-foram-enganados-2/ )

Com estas razões todas, ninguém deve se queixar, apenas baixar a cabeça, olhar para a ponta dos pés (quem não tem barriga que o impeça!) e tentar se convencer: tudo vai bem, tudo vai bem… nunca esteve melhor. Saindo o PSDB do governo, alguns setores petistas devem estar pensando em entrar para a base aliada e serem encarregados de um ministério qualquer! É o que bastaria para a alegria se tornar geral.   

Ainda sobre a Base Nacional Comum Curricular

Pelo fato de minha formação acadêmica ser na área de Letras – Linguística, sempre achei que tenho uma insuficiência teórica para discutir questões mais específicas da Educação. Mesmo assim, como estudante-professora e, posteriormente, como professora em Curso de Licenciatura, venho lendo, discutindo e escrevendo sobre o ensino de Língua Portuguesa em documentos como Currículo Pleno, Parâmetros Curriculares Nacionais e, agora, BNCC. Em função disso, tenho procurado aprofundar um pouco mais sobre currículo a partir da perspectiva das produções do campo da História da Educação.  

Após um levantamento bibliográfico inicial, constatei que as primeiras preocupações com o currículo surgiram nos anos 1920, e desde então até a década de 1980, o campo foi marcado por discussões em função de acordos entre os governos brasileiro e norte-americano dentro de programas de apoio à América Latina. Lopes e Macedo (2005) afirmam que apenas na década de 1980, com o início da redemocratização do Brasil, o referencial funcionalista norte-americano foi abalado e outras vertentes ganharam força no pensamento curricular. Em função disso, os estudos em currículo, no início dos anos 1990, assumiram um enfoque nitidamente sociológico, contrapondo-se ao pensamento psicológico até então dominante, procurando compreender o currículo como espaço de relações de poder.

Nesse período, podemos situar as transformações que culminaram com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e Médio, que ainda vigoram até que seja homologada a Base Nacional Comum Curricular.

É claro que muita coisa mudou na organização escolar, desde os anos 1980. Muitas delas trouxeram um enriquecimento significativo na compreensão de um sujeito constituído pelas práticas de linguagem e, na própria linguagem como forma de interação com/no mundo. Entretanto, o texto apresentado na chamada “versão final” da BNCC (2017) continua a considerar o Ensino Fundamental como uma etapa de preparação para a vida:

“a escola pode contribuir para o delineamento do projeto de vida dos estudantes, ao estabelecer uma articulação não somente com os anseios desses jovens em relação ao seu futuro como também com a continuidade dos estudos. Esse processo de reflexão sobre o que cada jovem quer ser no futuro, e de planejamento de ações para construir esse futuro, pode representar mais uma possibilidade de desenvolvimento pessoal e social.” (p. 58)

Pergunto, se a linguagem é comunicação e pressupõe interação entre as pessoas que participam do ato comunicativo, o período que uma criança/adolescente passa pelo Ensino Fundamental (a rigor, nove anos) não configura, por si só, uma intensa experiência de reflexão sobre o mundo e sobre si mesma? Até quando encararemos a escola como “uma preparação para a vida” e não a própria vida?

Outro ponto da última versão da BNCC que também desperta meu questionamento é a mudança efetuada nos eixos organizadores do ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Na versão de 2015, os eixos listados eram:

– Apropriação do sistema de escrita alfabético/ortográfico e de tecnologias da escrita;

– oralidade;

– leitura;

– escrita e

– análise linguística.

Mas, tais eixos deram lugar aos seguintes:

– Oralidade;

– leitura;

– escrita;

– conhecimentos linguísticos e gramaticais;

– educação literária.

Quero, por agora, destacar apenas uma questão deste imbróglio: o texto da Base deixa explícita uma determinada concepção de linguagem e, consequentemente, de língua e de práticas de linguagem; no entanto, consegue criar um lugar linguístico e gramatical no ensino da Língua Portuguesa cuja explicação merece ser lida nas páginas 64 e 65 do documento e apreciada nos quadros em que são listados os Objetos de Conhecimento.

Pergunto, novamente. Como os conhecimentos gramaticais, nos moldes do que se faz no ensino de língua/gramática à revelia do que já estava preconizado nos PCN, podem nortear o eixo de ensino? Para ser coerente com os princípios teóricos da área de Linguagens e do componente Língua Portuguesa, será necessário colocá-los em função das práticas efetivas de linguagem, isto é, nos gêneros. E, sendo assim, é pertinente incluir tópicos gramaticais em “Objetos de Conhecimento”, na mesma medida em que se incluem textos publicitários e intertextualidade?

Na realidade, minhas perguntas são apenas um exercício pessoal para pensar a ideia de currículo como espaço de relações de poder!

 

LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth (org). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2005.

 

Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.

Domingo com Fabrício César de Oliveira, o Zig

Carta ao teu vocabulári cotidiano

Gosto de Clarice Lispector, pois nela encontro o

inexprimível sendo expresso ao nível do

entendimento e do não entendimento.

 

Gosto de Carlos Drummond, pois nele reencontro 

minha crença que o cotidiano deve ser revisto pelas 

mãos de um poeta.

 

Gosto de viver e ver que o o que vivo cabe ou coube a 

mim o melhor modo de convvier e de dialogar com

palavras do mundo, como o próprio mundo, embora

suponho saber que o universo é bem mais extenso que

o mundo de palavras.

 

Gosto de saber que certas coisas do entorno não nos

servem, mas a sabedoria quando nos visita pode nos

fazer aceitá-las como representativas de si mesmo,

mais para um tempo do que como conceito ou

vocábulo que realmente exprime o que é.

Por gostar tanto da vida e saber que escolhemos

sempre como olhamos para ela. E por ela, investiguei

meu vocabulário e notei que tínhamos muitas palavras

que sequer agregara , pois nelas nunca cri

 

Porém o mundo e as relações cada dia mais

diminutas (espero que não seja o fluxo do mundo,

pois acredito nas relações cada vez mais

humanitárias e menos comezinhas), nos levam a 

questionar o valor de cada ato e consequentemente

cada palavra, que é o signo abstrato e concreto da 

relação do pensamento e realidade.

 

Embora sejam palavras bem cotidianas, poucas vezes

me preocupei com elas, pois elas pouco me serviriam.

Entretanto, a maneira como as vejo pode ser muito

útil ao modo como as veremos (nós – interlocutores de

um mundo melhor) mais adiante.

São elas, duas:

 

Culpa – “O poeta precisa compreender que tem culpa

pela prosa trivial da vida” (Bakhtin)

 

Erro – “Me encanta gente que é capaz de entender que

o maior erro humano é tentar tirar da cabeça aquilo

que não sai do coração.” (Mário Benedetti)

 

Sendo assim, não há erro ou culpa para tos aquém

destas definições.

 

Cordialmente

 

Um poeta ao rés-do-chão

 

(Fabrício César de Oliveira. O Gosto de Quando. São Carlos : Pedro & João, 2011)

O MPF, o cachorro e a cadela

O Ministério Público Federal está patrocinando o melhor do atual FEBEAPÁ – O festival de Besteiras que Assola o País. Que falta nos faz um Sérgio Porto que reúna os interesses lídimos e as “provas” concretas que vem apresentando o MPF à nação brasileira. Obviamente, os procuradores se lastreiam nas investigações profundas que realizam em conjunto com a Polícia Federal (e no caso do Tribunal da Inquisição de Curitiba, dirigidos pelo juiz que investiga, acusa e julga, o angélico Dr. Moro).

Eis o crime da ex-presidenta Dilma, em investigação instaurada pelo MPF: a morte de seu cachorro Nego, que com mais de 13 anos de vida e doença incurável foi encaminhado para a clínica veterinária, o que fazemos todos nós proprietários de cachorros quando o final se aproxima. Sei o que me custou levar meu Dudu, um pastor alemão, aos exatos 12 anos e 3 meses para a clínica: sabia quando o deixei lá que não o veria novamente. E nunca mais quis ter cachorro!

Mas para o MPF, a Dilma é uma assassina sem alma! Matou com as próprias mãos, certamente estrangulando depois de submeter a maus tratos e muita tortura, o seu amado cachorro! Que se pode esperar da peça acusatória??? Algo semelhante, para desenhar uma monstruosidade para fins midiáticos? Ou se trata mesmo de compreensão especular dos acontecimentos? Tipo “eu faço assim, logo ela faz assim também”.

Quem diria! O cachorro Nego nega a inocência de Dilma! Afinal, como ela sofreu um impeachment sem crime cometido, há que achar outros crimes para compensar. Nada melhor do que a morte do cachorro, devem ter pensado os procuradores do caso. E lá vai investigação para forncer denúncia. Só que desta vez não encontraram o eco tradicional da mídia. Seu gosto pela ironia não chega a tanto.

Nem bem recuperados do susto, noutro processo aparece uma prova cabal de que Lula é o proprietário real do sítio de Atibaia, tornado famoso por causa dos pedalinhos de seus netos. A cadela Mel foi picada por jararaca! Teve dois atendimentos do veterinário, foi levada ao veterinário em março e novembro de 2012. E Dona Marisa Letícia pagou a conta com cheque de R$ 1.253,00.  Pronto: o dinheiro veio de propina obtida em tempos indeterminados por ações inespecíficas em benefício da OAS, como constou na sentença condenatória assinada por um juiz (pasmem! Por um juiz”!) no caso do tríplex, de que Lula é o “proprietário real”. Vejam, senhores: são R$ 1.253,00, uma dinheirama. Perto disso, aquelas malas do Gedel em Salvador são uma ninharia! E o empréstimo do Joesley Batista ao ínclito senador Aécio Neves uma gorjeta! Repito: são R$ 1.253,00. Estou estupefato!

E dizer que o país gastou muitos contos de réis para que a PF e o MPF chegassem a esta prova conclusiva! Foram salários (e o dos procuradores são salários invejáveis, além dos pequenos auxílios que recebem!), passagens aéreas, transporte terrestre, diárias (há uma procuradora que recebeu mais de 50 mil reais em diárias na Lava Jato num ano). Mas o esforço nacional valeu a pena: eis que temos uma prova cabal, suficiente para afastar qualquer dúvida real: Lula é corrupto. Dona Marisa Letícia uma perdulária que gastou tudo… com a cadela Mel.

 E isto tudo veio ao caso quando já não era mais necessário: o angélico juiz já havia despachado que, neste processo, não é necessário comprovar que Lula é o proprietário real do sítio de Atibaia. Basta demonstrar que ele foi beneficiado pelas benfeitorias feitas no sítio pela empreiteira. E como entre estas benfeitorias está uma reforma da cozinha, e como Lula foi 111 vezes ao sítio – um indício razoável de que é o proprietário para o péssimo leitor de Peirce e Ginzburg, o famosíssimo intelectual autor de uma obra inigualável, o conhecidíssimo Powerpoint – certamente estando no sítio, Lula fez alguma refeição, e como a refeição foi feita na cozinha reformada, num raciocínio lógico, sem qualquer perigo de ser uma falácia, Lula foi beneficiado pela reforma, e a reforma foi feita pela OAS, que é uma empreiteira, que prestou serviços a Petrobrás, donde se conclui que o dinheiro da reforma é propina. Bom, para ser propina é necessário que o beneficiado tenha prestado algum “serviço” ao corruptor. Mas comprovar este vínculo não vem ao caso! Basta dizer que a propina é resultado de ações inespecíficas pagas em tempo indeterminado. Ponto. Como se num raciocínio abdutivo, tudo pode ser dito a partir dos indícios (no caso, indícios fabricados oportunamente). Pobre Peirce! Pobre Ginzburg! Pobre Umberto Eco! Isso para citar apenas alguns dos autores que defenderam o paradigma indiciário, os mais conhecidos cá e lá, na matriz, onde se deu a formação intelectual de nosso exímio Dallagnol.

O Brasil está feliz. Enfim os procuradores encontraram as provas dos crimes dos dois ex-presidentes petistas: a morte do cachorro, a picada da jararaca na cadela. Enquanto rimos com esta alegria espantosa, vamos levando naquele lugar com a Reforma Trabalhista e com a anunciada Reforma da Previdência e, por baixo dos panos, vão vendendo o patrimônio nacional, isentando de impostos as grandes petroleiras e financiando com dinheiro público suas atividades! Mas isto, já nos ensinou o angélico, não vem ao caso. 

Resta-nos conclamar: um “Viva” estrondoso aos procuradores do cachorro e da cadela! 

Textos de Arquivo XV: Práticas de leitura de textos na escola

Nota introdutória

Este texto foi escrito para o II Encontro Anual da APLL/RS, promovido pela Associação de Professores de Língua e Literatura-RS, em Porto Alegre, e foi apresentado em um a mesa-redonda, em 1983. A APLL publicou-o em seu Boletim da APLL-RS, ano 2, n. 3 (s/data), quando já havia sido publicado em Leitura: Teoria & Prática, ano 3, n. 03, julho de 1984. Posteriormente o texto compôs o livro O Texto na Sala de Aula, publicado em setembro de 1084 pela Assoeste/Cascavel. Quando escrevi este texto, tinha no horizonte os professores de língua portuguesa, meus interlocutores principais. E sua inspiração veio das formas que eu manuseava textos e pensava serem as formas com que muitos manuseiam textos. Pensava a leitura como este ato produtivo, sobretudo quando seu objetivo não é nada produtivo e que chamei de leitura-fruição (não no sentido do “prazer” patrocinado consumo de bens culturais), em que o descompromisso com qualquer atividade posterior conduz o leitor e sua produção da leitura.

Na época, fazia-se crítica à escola porque “usavam e abusavam de textos literários”, lidos como pretextos para fins distintos daqueles previstos pela produção artística. Tratava-se de críticas ao emprego de textos para o ensino de gramática, mas também para levantar temáticas de debates e discussões em sala de aula, ou até mesmo para funcionarem como “orientação moralista” para os estudantes. Assumi, no entanto, que há sim leituras que funcionam como pretexto, em muitas de nossas práticas. Navegava contra a correnteza, contra a defesa de uma leitura literária “imaculada”, que não manche os textos artísticos. Como nunca acreditei nisso, fiz uma classificação de leituras possíveis a partir de seus objetivos. Trata-se de uma classificação que mereceria outros desdobramentos, porque práticas emergem sempre e jamais tipos ou classes darão conta do real.

Como poderão ver, defendo no texto a aprendizagem da língua padrão, principalmente na modalidade escrita. Sei que este ponto de vista é extremamente polêmico. Ao admitir que todas as variedades são iguais, e por isso não deveria haver privilégio de uma variedade na escola, é esquecer também que as variedades linguísticas tem “valor” social. Quando invertida a pirâmide social, o que já tarda a acontecer, a questão se dissolveria: enfim estaríamos livres das relações de dominância presentes em nossa sociedade. Até lá…

 

Práticas de leitura de textos na escola

Introdução

E dois trabalhos anteriores (Geraldi, 1981, 1982) defendi o ponto de vista d eque o ensino de língua portuguesa deveria centrar-se em três práticas:

  1. Prática de leitura de textos
  2. Prática de produção de textos
  3. Prática de análise linguística.

Estas atividades, integradas ano processo de ensino-aprendizagem, têm dois objetivos interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita.

A maior parte do tempo e esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar, na assim chamada aula de língua portuguesa(1), é para aprender a metalinguagem de análise da língua, com alguns (e esporádicos) exercícios de língua propriamente ditos. No entanto, uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, em tendo e produzindo enunciados adequados aos diversos contextos, percebendo as diferenças entre uma forma der expressão e outra. Outra coisa é saber analisar uma língua, dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características estruturais e de uso.

Na prática escolar, institui-se uma atividade linguística artificial (2): assumem-se papeis de locutor/interlocutor durante o processo, mas nãos e é locutor/interlocutor efetivamente. Esta artificialidade torna a relação intersubjetiva ineficaz, porque a simula. Não estou querendo dizer que inexiste interação na sala de aula; estou querendo apontar para seu falseamento, dado que os papeis básicos desta interlocução estão estaticamente marcados: o professor e a escola ensinam; o aluno aprende (se puder). Tentar ultrapassar esta artificialidade é efetivamente tentar assumir-se como um “Tu” da fala do aluno, na dinâmica de trocas do eu/tu.

Como ensinava Benveniste (1976, p. 286), “A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no sue discurso. Por isso, eu propõe outras pessoas, aquela que, sendo embora exterior a “mim”, torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu”. Na prática escolar, porém, o “eu” é sempre o mesmo; o “tu” é sempre o mesmo. O sujeito se anula em benefício da função que exerce. Quando o tu-aluno produz linguisticamente, tem sua fala tão marcada pelo eu-professor-escola que sua voz não é voz que fala, mas voz que devolver, reproduz a fala do eu-professor-escola.

Esta artificialidade do uso da linguagem compromete e dificulta, desde sua raiz, a aprendizagem na escola de uma língua ou da variedade de uma língua(3). Comprovar a artificialidade é mais simples do que se imagina: na escola não se escrevem textos, produzem-se redações. E esta nada mais é do que simulação do uso da língua escrita. Na escola não se leem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos. E isto nada mais é do que simular leituras. Por fim, na escola não se faz análise linguística, aplicam-se a dados análises preexistentes. E isto é simular a prática científica de análise linguística.

Na verdade, a situação é um pouco mais caótica ainda. Simula-se que inexistem diferenças entre a variedade que se quer ensinar e a variedade que o aluno domina. Constata-se esta diferença – é impossível esconder o sol com a peneira –  mas age-se como quem não a escuta. Porque escutá-la não é corrigi-la para calá-la, mas ouvir vozes que preferíamos caladas. Ou que outros preferem caladas.

É precisamente porque estas vozes não podem mais calar que o compromisso político primeiro do professor de língua portuguesa é possibilitar o domínio efetivo da língua padrão, modalidade escrita.

A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas. De repente, não damos aulas só para aqueles que pertencem aos grupos sociais privilegiados. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares. E eles falam diferente. E se “a começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (Gnerre, 1978, p. 59), ela serve também para romper o bloqueio: dominar os mesmos instrumentos de poder dos dominantes é uma forma de acesso e rompimento deste poder.

Se o objetivo último do processo é o domínio ativo e passivo da variedade culta da língua portuguesa, os caminhos me parecem ser aqueles apontados pela pesquisa psicolinguística, na área de aquisição da linguagem. Cláudia Lemos (1982) demonstra que a criança, muito antes de analisar as formas linguísticas, utiliza-as nas interações linguísticas efetivas. O processo parece seguir do uso contextualizado para a descontextualização. Muito antes de a criança dizer (e usar) uma forma como “fazi”, ela usa “fiz”. Nas palavras da autora: “Fenômenos como esse, indicativos de que a análise de vocábulos e estruturas é posterior ao seu uso enquanto procedimentos comunicativos e cognitivos relativamente eficazes, podem ser detectados ao longo de todo o desenvolvimento linguístico (p. 104). Ou ainda, em outra passagem:  …essas considerações finais me levam a concluir que é através da linguagem enquanto AÇÃO SOBRE O OUTRO (ou procedimento comunicativo) e enquanto AÇÃO SOBRE O MUNDO (ou procedimento cognitivo) que a criança constrói a linguagem enquanto OBJETO sobre o qual vai poder operar” (p. 119-20).

Por isso, propõe-se uma prática linguística efetiva nas três áreas que julgo serem as essenciais para se chegar ao domínio da língua padrão, seguindo-se o processo acima apontado. Entendo por prática da análise linguística a recuperação, sistemática e assistemática, da capacidade intuitiva de todo falante de comparar, selecionar e avaliar formas linguísticas e a prática de produção de textos como uso efetivo e concreto da linguagem com fins determinados pelo locutor ao falar e escrever.

Neste texto, procurarei aprofundar um pouco mais a questão da prática da leitura. As ideias básicas aqui desenvolvidas retomam e expandem colocações feitas nos trabalhos anteriores.

2. A prática da leitura de texto

Antes de qualquer sugestão metodológica é preciso conceituar leitura dentro do quadro esboçado até aqui, sem trair a concepção de linguagem que subjaz a estas considerações iniciais.

Para Marisa Lajolo (1982, p. 59) “Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir correlaciona-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.”

Creio não trair a autora citada se disser que a leitura é um processo de interlocução entre leitor/autor mediado pelo texto. Encontro com o autor, ausente, que se dá pela sua palavra escrita. Como o leitor, neste processo, não é passivo, mas é agente que busca significações, “o sentido de um texto não é jamais interrompido, já que ele se produz nas situações dialógicas ilimitadas que constituem suas leituras possíveis” (Authier-Revuz, 1982, p. 104). O autor, instância discursiva de que emana o texto, se mostra e se dilui nas leituras de seu texto: deu-lhe uma significação, imaginou seus interlocutores, mas não domina sozinho o processo da leitura de seu leitor pois este, por sua vez, reconstrói o texto na sua leitura, atribuindo-lhe a sua (do leitor) significação. É por isso que se pode falar em leituras possíveis e é por isso também se se pode falar em leitor maduro e “a maturidade de que se fala aqui não é aquela garantida constitucionalmente aos maiores de idade. É a maturidade de leitor, construída ao longo da intimidade com muitos e muitos textos. Leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (Lajolo, 1982, p. 53).

Como coadunar esta concepção de leitura com atividades de sala de aula, sem cair no processo de simulação de leituras?

Não me parece que a resposta seja simples. Se fosse assim, não haveria porque tantos encontros de professores, tantos textos que tematizam a própria leitura. Qualquer que seja a resposta, no entanto, estará lastr4eada numa concepção de linguagem, já que toda metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados na sala de aula (Cf. Fischer, 1976). No nosso caso, como compreendemos e interpretamos o fenômeno linguagem embasará a resposta ao problema.

É desnecessário dizer que este texto não pretende dar a resposta, mas uma resposta.  E a leitura desta, para sermos coerentes com a concepção de leitura recém delineada, se transformará em respostas. Por mais que eu fuja da respota que quero dar, fazendo uma citação ali, alertando o leitor para o “desnecessário dizer” mas dizendo, não posso fugir de dar uma resposta, sob pena de estar simulando, a gora, a produção de um texto tornando-o “redação escolar”.

Marilena Chauí, em conferência proferida no 1º. Forum da Educação Paulista (10 a 12 de agosto de 1983), utiliza excelente imagem: o diálogo do aprendiz de natação é com a água, não com o professor, que deverá ser apenas mediador deste diálogo aprendiz-água. Na leitura, o diálogo do aluno é com o texto. O professor, mero testemunha deste diálogo, é também leitor e sua leitura é uma das leituras possíveis.

Leitores, como nos colocamos ante o texto? Longe que querer estabelecer uma tipologia de vivências de leituras, gostaria de recuperar de noss experiência concreta de leitores as seguintes possíveis postura ante o texto:

  1. A leitura – busca de informações
  2. A leitura – estudo do texto
  3. A leitura do texto-pretexto
  4. A leitura – fruição do texto.

Diante de qualquer texto, qualquer uma destas relações de interlocução com o texto/autor é possível, isto porque mais do que o texto definir suas leituras possíveis, são os múltiplos tipos de relações que com eles nós, leitores, mantivemos e mantemos que o definem. (4)

2.1. A leitura – busca de informações

A característica básica desta postura ante o texto é o objetivo do leitor: extrair do texto uma informação. Se este objetivo pode definir a interlocução que se está estabelecendo no processo de leitura, outros objetivos definem o porquê estabelecer a própria interlocução. Ou seja, para que extrair informações?

Observando textos colocados à disposição dos estudantes por grande parte dos livros didáticos de “comunicação e expressão”, pode-se constatar que tais textos não respondem a qualquer “para quê?”. Consequentemente, o único para-quê lê-lo que o estudante descobre de imediato é responder as questões formuladas a título de interpretação: eis a simulação da leitura.

Neste sentido, leituras realizadas em outras disciplinas do currículo (história, geografia, ciências, etc.) são menos artificiais do que as realizadas nas aulas de língua portuguesa: está um pouco mais claro para o aluno o para-quê extrair as informações X ou Y do texto, ainda que a resposta tenha sido autoritária e artificialmente imposta pelo processo escolar (a avaliação, por exemplo).

Responder o “para-quê” ler um texto, buscando nele informações, é uma questão prévia não só deste tipo de leitura mas de toda atividade de ensino: ensinamos para quê? Os alunos aprendem para quê? As respostas a estas questões envolvem uma perspectiva política, do professor e do aluno. Registro-as e suspendo-as: não por não serem importantes, mas por serem cruciais. E só a resposta justifica o estarmos pensando em leitura, escola, interlocução, etc.

Duas formas podem orientar, em termos metodológicos, este tipo de leitura: a busca de informações com roteiro previamente elaborado (pelo próprio leitor ou por outrem) e a busca de informações sem roteiro previamente elaborado. No primeiro caso, lê-se o texto para responder questões previamente estabelecidas; no segundo caso, lê-se o texto para verificar que informações ele dá. Em ambos os casos, é prefacial a questão do “para-quê?” ter tais informações.

Dois níveis de dificuldades podem ser perseguidos: extrair informações que estão na superfície do texto ou extrair informações que estão em nível mais profundo. Considerando o texto do Apêncide 1, as perguntas

  1. Qual o nível de produtividade da economia brasileira?
  2. Qual a anomalia estrutural que é necessário incluir entre as causas da inflação brasileira?

têm respostas na superfície do texto; as perguntas

  1. Que encargos sociais as empresas são obrigadas a pagar por empregado? Por que existem tais encargos?
  2. Se a mão-de-obra no Brasil é mal paga, como pode assumir um peso excessivo na formação bruta da renda nacional?

têm respostas num nível mais profundo do texto e dependem não só da leitura deste texto, mas também do seu relacionamento com outros textos, outras informações e da leitura que fazemos da vida.

Uma leitura-busca de informações não precisa ser necessariamente aquela que se faz com textos de jornais, livros científicos, etc. Também com o chamado texto literário esta forma de interlocução é possível. Pense-se, por exemplo, na leitura de romances para extrair deles informações a propósito do ambiente da época, da forma como as pessoas, através das personagens, encaravam a vida, etc.

2.2. Leitura-estudo do texto

Infelizmente, é preciso reconhecer que a leitura-estudo do texto é mais praticada em aulas de outras disciplinas do que nas aulas de língua portuguesa que, em princípio, deveriam desenvolver precisamente as mais variadas formas de interlocução leitor-texto-autor.

Embora a leitura-estudo do texto possa ser uma forma de interlocução também com a obra de ficção (5), exemplifico com o mesmo texto utilizado na secção anterior, quanto mais não fosse, ao menos para manter, na prática deste texto, a coerência com o que nele se defende.

Um roteiro que me parece suficientemente amplo e ao mesmo tempo útil, no estudo de textos, é especificar:

  1. a tese defendida no texto
  2. os argumentos apresentados me favor da tese defendida
  3. os contra-argumentos levantados de teses contrárias
  4. coerência entre tese e argumentos.

 Cada um destes tópicos pode se desdobrado e outros, pondo em questão tanto a tese defendida quanto a veracidade e validade dos argumentos apresentados. Assim, é possível que nossa leitura nos leve a concordar – em princípio – com a tese defendida mas não com os argumentos arrolados e assim por diante.

Considerando rapidamente uma leitura possível – e não a única – do texto do Apêndice 1, teríamos:

  1. tese: a baixa produtividade da economia brasileira é a causa raiz da inflação.
  2. Argumentos:
  3. no Brasil, apenas dois terços dos dias do ano são dedicados à produção;
  4. pouco mais de 1/3 da população brasileira trabalha;
  5. o custo do trabalho efetivo de 7 meses equivale a 17 salários mensais.
  6. o autor apenas cita que existem outros fatores da inflaão, sem arrolá-los e sem discuti-los;
  7. coerência entre tese/argumentos: independentemente de qualquer contra-argumentação aos dados apresentados como argumentos – o que poderia ser feito em relação a cada um dos itens de b – e fazendo de conta que os aceitamos como “verdadeiros”, o texto é viciado pela incoerência entre os argumentos e a tese: se fossem verdadeiros e ainda que fossem verdadeiros os argumentos, a baixa produtividade não decorre dos fatos apresentados como argumentos. Ao contrário, produtividade maior é aquela que se obtém como o mínimo de esforço (de tempo e pessoas) com o máximo de resultado (renda). Há, pois, uma falácia: a tese – em princípio aceitável – não se segue dos argumentos dados pelo texto.

Exploremos o texto um pouco mais: sua estrutura é simplesmente uma tese; apresenta três argumentos; resume os argumentos. Retoma a tese e propõe a necessidade de ultrapassar o fato indicado pela tese (implicitando com isso que é necessário eliminar os fatos tomados como argumentos). É interessante notar também que a “costura” do texto por parágrafos de passagem (2º,  6º, 8º, e 9º) e no interior de cada parágrafo como o autor passa de afirmações particulares para universais (alguns-todos; maioria-todos; média-todos, etc.).

É óbvio que a interlocução com este texto poderia continuar: quais os objetivos? Que contra-argumentos invalidam sua argumentação? etc.

Esse tipo de interlocução não é privativo do texto dissertativo. Pode-se “estudar” narrativas, verificar pontos de vista defendidos por personagens e contrapontos por outros, etc. (6).

2.3. A leitura do texto-pretexto

“Pretexto” envolve uma rede muito grande de questões. Pretextos para a o aluno (aquele que, em sendo o aprendiz, deveria dirigir sua aprendizagem); pretextos para o professor. O texto que estamos estudando poderia ser pretexto para a produção de outro texto sobre inflação, pra escrever uma carta ao jornal ou para aprender uma possível estruturação do texto argumentativo.

Dramatizar uma narrativa, transformar um poema em coro falado, ilustrar uma história são apenas três dos múltiplos pretextos que podem definir o tipo de interlocução do leitor-texto-autor. Não me alongo na listagem: “manuais de criatividade” estão repletos de “sugestões criativas” para serem reproduzidas, se para tanto nos acudirem engenho e arte…

Apenas para mostrar um outro pretexto, quase ausente (!) nas aulas de língua portuguesa, no Apêndice II, transcrevo um texto produzido por uma ex-aluna de um curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, ministrado em Cascavel-PR. O texto Bom Conselho (Chico Buarque) foi lido como introdução (pretexto) a um estudo do clichê, do provérbio, do estereótipo em redações. Como conclusão do mesmo estudo, a tarefa “criativa” proposta foi imitar Chico Buarque produzindo um texto com base me provérbios.

Tiradas as farpas, entre aspas, que vão mais em função dos efeitos do que das propostas, o que se quer salientar é que a leitura do texto como pretexto para outra atividade define a própria interlocução que se estabelece. Não vejo porque um texto não possa ser pretexto (para dramatizações, ilustrações, desenhos, produção de outros textos, etc.). Antes pelo contrário: é preciso retirar os textos dos sacrários, dessacralizá-los com nossas leituras, ainda que estas venham marcadas por pretextos. Prefiro discortar do pretexto e não do fato do texto ter sido pretexto.

2.4. Leitura-fruição do texto

No sistema capitalista, de uma atividade importa seu produto. A fruição, o prazer, estão excluídos (para que alguns e somente alguns possam usufruir à larga). A escola, reproduzindo e preparando para o sistema, exclui qualquer atividade ‘não-rendosa’: lê-se um romance para preencher uma ‘famigerada’ ficha de leitura; para responder as questões de uma prova ou até mesmo para se ver livre da recuperação (você foi mal na prova, castigo: ler o romance Z, até o dia D, depois férias…).

Está no interior desta mesma ideologia da atividade produtiva a questão sempre levantada por professores, bem intecionados, relativa à avaliação de uma tal atividade: “se não exijo nada como resultado desta leitura, como vou saber se o aluno leu?”.

Com “leitura-fruição do texto” estou pretendendo recuperar de nossa experiência uma forma de interlocução praticamente ausente das aulas de língua portuguesa: o ler por ler, gratuitamente. E o gratuitamente aqui não quer dizer que tal leitura não tenha um resultado. O que define este tipode interlocução é o ‘desinteresse’ pelo controle do resultado.

À primeira vista, esta seria forma de relação exclusiva com o texto literário, feita pelo cidadão comum (não-aluno, não-professor de língua, não-profissional da linguagem(. Vou um pouco mais longe: ela não é exclusiva do texto literário. Por que se lê jornal? Para se (manter) informar(do), a informação pela informação. A gratuidade da informação disponível, de que poderemos ou não fazer uso. É uma forma de interlocução distinta daquela que denominamos aqui de leitura-busca de informação. O “para quê” tem resposta circular: informar-se para informar-se, pelo prazer gratuito de estar informado.

É óbvio que esta gratuidade tem boa paga: a informação disponível, como o saber, frequentemente geram outras vantagens…

Recuperar na escola e trazer para dentro dela o que dela se exclui por princípio – o prazer – me parece o ponto básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de “incentivo à leitura”. Para tanto, é necessário recuperar da nossa vivência de leitores três princípios:

  1. o caminho do leitor: nossa história de leitura não começou pelo “monumento literário”. O primeiro livro que lemos não foi aquele que lemos ontem ou aquele de que ouvimos uma conferência na semana passada. O respeito pelos passos e pela caminhado do aluno enquanto leitor (que se faz pelas suas leituras como nós nos fizemos leitores pelas nossas leituras) é essencial. Nesta caminhada é importante considerar que o enredo enreda o leitor;
  2. b)      o circuito do livro: que livro estamos lendo hoje? Provavelmente aquele de que me falou um amigo, que já o leu ou aquele de que lemos uma resenha, etc. Isto é, lemos os livros de que temos notícia, dependendo de quem foi o nosso informante. Parece-me que os livros fazem, fora da escola, um circuito que passa por relações de vários tipos que mantemos com diferentes pessoas. Nenhum não-profissional da linguagem lê um romance, por exemplo, por obrigação. Creio que a saída prática do professor de língua portuguesa é criar este circuito entre seus alunos, deixando-os ler livremente, por indicação de colegas, pela curiosidade, pela capa, pelo título, etc. No microcosmos da sala de aula é possível criar este mesmo circuito, e talvez não sejamos nós, professores, o melhor informante para nossos alunos. Rodízios de livros entre alunos, bibliotecas de sala de aula, biblioteca escolar, frequência à bibliotecas públicas são algumas das formas para iniciar este circuito;
  3. c)       não há leitura qualitativo no leitor de um livro só: a qualidade (profundidade?) do mergulho de um leitor num texto depende – e muito – de seus mergulhos anteriores. A quantidade ainda pode gerar qualidade. Parece-me que deveremos – enquanto professores – propiciar um maior número de leituras, ainda que a interlocução que nosso aluno faça hoje com o texto esteja aquém daquela que almejaríamos: afinal, quem é o leitor, ele ou nós? A título de curiosidade, principalmente para aqueles que buscam argumentos que possam justificar este pondo de vista: em breve levantamento feito em dez números da revista ISTOÉ, seção livros, resenhas de obras de ficção, obtive os seguintes resultados em 26 resenhas, assinadas por 12 diferentes críticos, para tratar do livro que estavam resenhando, foram citados outros livros, autores, personagens de outras obras, numa variação de 0 a 13. As resenhas estão assinadas por críticos e escritores de renome e os dados me parecem mostrar que estes leitores “são o que são” porque não leram apenas o livro que resenharam. (7)

Espero que estes apontamentos a propósito da leitura de textos e de sua prática na escola cumpram o fim a que se destinam: uma interlocução honesta com seus possíveis leitores. E honesta, aqui, não tem qualquer sentido moralista. Honesta porque só se concretizará com o outro-leitor que o complementará por sua palavra.

Notas

  1. Canto e Bernardy (1982), analisando atividades desenvolvidas em aulas de língua portuguesa de duas escolas do interior do Rio grande do sul, a partir dos planejamentos dos professores, seus registros diários, cadernos e livro-texto dos alunos, obtiveram os seguintes percentuais de atividades: leitura (5%); interpretação (14%); redação (11%); expr. Oral (6%); gramática (56%), outras atividades (8%).
  2. Em trabalhos anteriores, afirmava que “a situação do emprego da língua é fictícia”. Dado os problemas conotativos em relaão ao termo “ficção”, passo a usar as expressões “artificial/artificialidade” por sugestão de Percival Brito.
  3. Celene M. Cruz e Vera L. Aguiar (1982) observam que “o mesmo aluno que responde sem hesitar à pergunta – “Qu’est-ce que vous avez fair hier?” com a resposta “-jesuis allé chez Mireille (Philippe, Sylvie, Mme.Renard) – quando feita dentro do quadro situacional porposto pelos métodos, encontra dificuldades de responder ao mesmo tipo de pergunta fora da “mise-em-scène” dos métodos … mesmo produzindo um discurso em 1ª pessoa, há uma manifesta impessoalidade por parte do locutor, incapaz de constituir-se como sujeito real do discurso emitido, restingindo-se ao papel de reprodutor de sequ|ências verbas atribuídas a um outro” (p. 86).
  4. Marisa Lajolo, em O que é literatura defende o ponto de vista de que é literatura o que as instituições sociais, na história, disseram que é literatura. Foram, pois, leituras que a definiram. Eni Orlandi (Histórias da Leitura, comunicação apresentada no XXVI Seminário do GEL, Unimpe, 1983), exemplifica a mesma questão a partir de textos religiosos do sânscrito, hoje lidos como poemas, e opera com o conceito de leitura privilegiada para mostrar que a leitura de alguns leitores é imposta como a única leitura.
  5. Esta é, aliás, a forma de interlocução do crítico literário e seu objeto, mas não só dele. Dorfman e Armand Mattelart dão excelente exemplo de leitura-estudo da obra de ficação em Para ler o Pato Donald, dedicando-se neste estudo aos aspectos ideológicos do mundo imaginário de Walt Disney.
  6. Apenas para dar um exemplo: uma leitura ainda a ser feita é verificar quais os pontos de vista (e não teses) sobre família, amor e sexo, expostos em narrativas como Porcos com Asas, Feliz Ano  Velho, Com licença, eu vou à luta (é ilegal ser menor?) e Eu, Chistiane F. para citar quatro obras diferentes mas muito próximas em vários aspectos.
  7. Os números das revistas são os seguintes: 274, 287, 399, 303, 310, 317, 322, 346 e 348. Nestes números forma resenhadas 6 obras de autores brasileiros, 3 obras de autores portugueses e 18 traduções (literatura estrangeira). Abaixo, pode-se ver o número de resenhas e o númer de citações feitas por resenha: 4 (0 cit.), 1 (1), 5 (2), 7 (3), 3 (4), 1 (5), 3 (6), 1 (8) e 1 (13). (Leia-se: em 4 resenhas, 0 citações e assim sucessivamente).

Bibliografia

Authier-Revuz, J. (1982) “Hétérogénéité montrée et hétérogénéité constitutive: éléments pour une approche de l’autre dnas le discours”. DRLAV-Revue de Linguistique, 26, p. 91-151.

Benveniste, É. Problemas de linguística geral. São Paulo : Nacional, 1976.

Canto, V. M. e Bernardy, E. (1982). “Análise do direcionamento que é dado ao ensino de língua portuguesa a nível de escola”. Signo, 12, p. 17-28, CEPELL, Santa Cruz do Sul.

Cruz, C. M. e Aguiar, V. L. (1982) “O sujeito enunciador e o discurso por ele produzido no processo de aquisição oral de uma língua estrangeira”. Cadernos de Estudos Linguísticos 3, p. 84-91 Unicmap.

Dorfman, A. e Mattelart, A. (1978) Para ler o Pato Donald. RJ, Paz e Terra.

Fischer, R. M. B. (1976) “A questão das técnicas didáticas”. Ijuís, FIDENE, mimeo.

Geraldi, J. W. (1981) Subsídios metodológicos para o ensino da língua portuguesa, Cadernos da Fidene, 18, 70 p.

__________ (1982) “Possíveis alternativas para o ensino da língua portuguesa. ANDE, 4, p. 57-62.

Gnerre, M. (1978) “Linguagem e poder” in. Subsídios à proposta curricular de Língua Portuguesa para o 2º. Grau. V. IV, Variação linguística e o ensino na língua materna. Secr. Estado da Educação, São Paulo.

Lajolo, M. (1983) “O texto não é pretexto” in. Regina Zilberman (org) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre, Mercado Aberto, 52-62.

_________ (1982). O que é literatura. SP, Brasiliense.

Lemos, C. T. G. (1982) “Sobre aquisição de linguagem e seudilema (pecado) original”. ABRALIN, Boletim 3, set/1982, p. 97-126.

Orlandi, E. (no prelo) “Histórias das leituras”. Comunicação apresentada no XXVI Seminário do GEL, Unimep, 1983. A sair em “Leitura: Teoria e prática”.

Apêndice 1

Muito pouco, para tantos

Enquanto no Brasil se discute a causa da inflação galopante, procurando-se academicamente estabelecer se ela é de demanda, de oferta ou – hipótese menos verossímil – de origem psicológica, esquece-se algo que está naturalmente na raiz desse processo devorador de nações. Referimo-nos à produtividade da economia brasileira, extremamente baixa, diríamos até escandalosamente baixa para um país em vias de desenvolvimento e que deveria dedicar-se com maior determinação a produzir riquezas.

Para demonstrar que no Brasil se produz muitíssimo menos do que se poderia produzir, basta recorrer a alguns números extremamente simples, numa conta elementar, seguindo um raciocínio lógico.

Vejamos: o ano tem 365 dias: desses, 52 são domingos e outros 52 sábados (saliente-se que uma boa parte dos brasileiros não trabalha aos sábados, e quando o faz, geralmente trabalha apenas meio dia). Contando os feriados e os dias engolidos nos fins de semana, pensados entre um feriado e um sábado, temos ai, por baixo, cerca de 12 dias, nos quais a média do brasileira que trabalha não comparece ao serviço, a isso acrescente-se uma média de 10 dias nos quais qualquer cidadão, mesmo de boa saúde (o que não é o caso para mais da metade da população do país), falta ao serviço por motivo de doença. Temos portanto um total de 126 dias nos quais, normalmente, não se trabalha e portanto nada se produz. Somemos agora estes 126 dias aos 30 dias de férias que são concedidas, pela legislação, aos trabalhadores. São 156 dias. Basta agora subtrair esses 156 dias dos 365 dias do ano  do ano e teremos 209 dias. O brasileiro trabalha, portanto, de um total de 365 dias, apenas 209 dias em média, o que quer dizer que, de um ano todo, menos de dois terços dos dias são dedicados à produção, o que corresponde a um dia de folga para pouco mais de um dia de trabalho.

Mas as coisas não ficam nesse pé. Estão registrados como população produtiva, em todo o território nacional, cerca de 38 milhões de brasileiros. Como nossa população deve andar por volta dos 118 milhões de habitantes, temos que pouco mais de 30 por cento dos brasileiros trabalham. O que significa que pouco mais de um terço dos brasileiros trabalham pouco mais de 200 dias para alimentar, vestir e equipar, durante 365 dias, 118 milhões de patrícios. Vale dizer – de cada três brasileiros, apenas um trabalha um dia e pouco, a cada dia de folga.

Duzentos e nove dias são equivalentes a praticamente sete meses. Mas o trabalhador, para trabalhar sete meses, ganha entretanto o equivalente a 13 salários, pois recebe os 12 meses do ano e mais o 13º salário. Temos então que pouco mais de um terço da população trabalha cerca de sete meses, mas recebe o equivalente a 13 meses. Se acrescentarmos ao custo da produção certa de 33 por cento de encargos sociais diretos que as empresas são por lei obrigadas a pagar por empregado, temos que apontar a importância correspondente ao salário de 13 meses, pouco mais de um terço desse valor. Ou seja, sete meses de trabalho de um brasileiro custam para a economia o equivalente a cerca de 17 salários mensais.

Vai daí que: 1 – a produtividade específica do trabalhador brasileiro é gritantemente baixa: a) em relação ao número de horas ociosas; b) em relação ao número de pessoas que estão permanentemente ociosas para cada trabalhador; e 2 – o produto desse brasileiro é brutalmente sobrecarregado de encargos, por f0orça da relação 7 por 13 mais 33%, ou seja, 7 por 17 meses.

É evidente que a inflação não é causada somente por essa espantosa realidade, que constitui a convivência de um país em desenvolvimento, cuja população não tem poder de compra e uma escassa e errática produtividade, cujas anomalias e distorções tornam cada produto excessivamente onerado.

Não se trata de dizer que cabe culpa ao trabalhador brasileiro. Esse tipo de conclusão seria simples demais para merecer guarida de quem quer que seja. Trata-se de incluir, entre os diversos fatores causadores da inflação brasileira, essa anomalia estrutural, profundamente grave para continuar ignorada pelo debate nacional.

Não há como minimizar, no diagnóstico da inflação, os efeitos predatórios dessa constatação elementar, que consiste no registro de que cada brasileiro trabalha no lugar de três, durante um dia e pouco mais para cada dia de folga, impondo à economia um custo de 17 salários mensais para sete meses de trabalho.

O resultado é sinistro, embora mal remunerada, mal ocupada e mal preparada, a mão-de-obra assume um peso excessivo, na composição da economia brasileira. As rendas do trabalho perfazem 60 a 70% da formação bruta da renda nacional, contra menos de 40% na média dos países da Europa Ocidental.       

O debate nacional em torno da inflação, ainda que a nível acadêmico, não pode continuar desprezando aspecto de tamanha magnitude. Assim como as políticas adotadas para o controle da inflação não devem ignorar a necessidade de deflagrar no Brasil aquela que nos parece ser a batalha decisiva: a da produtividade maior da terra, do capital e do trabalho.

(Editorial. Folha de São Paulo. 6/5/79)

 

Apêndice II

É de pequenino que se torce o pepino

Margarida Maria Trevisan

Logo após um – com esse eu não me caso, nem que tenha que morrer solteira – segue-se um solene – “Quem desdenha quer comprar” – por parte da mãe da interessada.

E assim, uma moça adepta do pairar aqui, agora e acolá mais tarde, ouve frequentemente – “Quem muito escolhe acaba escolhido” – por parte dos não favorecidos com as oscilações, ou das que porventura não possuindo os mesmos predicados, não possam se dedicar a tais folguedos.

“Deus ajuda quem cedo madruga”, mas isso não se aplica aos casos amorosos precoces, por parte das garotas, que podem até mesmo levar bons castigos por isso, porque “é de pequenino que se torce o pepino”, já dizia, sabiamente, minha avó.

E como vovó já dizia – e de lá para cá rolou muita água por debaixo da ponte e certamente moveu muitos moinhos – “Quem espera sempre alcança”. E tem mesmo muito boas moças na espera – sentadas porque de pé se cansam – do príncipe encantado.

E já nãos e fazem mais príncipes como antigamente. Vejam o que eles andam propalando: “Antes sós que mal acompanhados”.

E agora, minha avó?

(Transcrito com autorização da autora).

 

Professor horista: o novo modelo

No próximo sábado entra em vigor o retrocesso nas relações de trabalho, a chamada Reforma Trabalhista, a temerosa. Tal como seu patrocinador, que entrará para a história como aquele que revogou a Lei Áurea, a reforma não tem apoio popular. Pesquisa encomendada pela CUT, e realizada pela Vox Populi mostra que para 67% dos entrevistados, a reforma é boa para os patrões; e para 15% deles, não é boa para ninguém!

Dentre as pérolas introduzidas pelo que alguns parlamentares e analistas da grande imprensa chamaram de “atualização” da CLT, está o trabalho intermitente. Esta possibilidade é uma das piores inovações. Só perde mesmo para o princípio de que “o acordado vale mais do que o legislado”, princípio que dispensa a existência do próprio Legislativo, que ao assinar a reforma trabalhista se desincumbiu de elaborar e aprovar leis que remetam à relação patrão/empregado. Ou seja, não precisará mais se preocupar com estas “coisas menores” para se dedicar exclusivamente às causas maiores, quer dizer, à venda de seus votos, negociada a cada novo projeto do Executivo. Isto os ocupa em tempo integral. Vai daí que é bom para eles introduzirem no direito esta excrescência de que a lei não vale se houver acordo em contrário.

A pérola do “trabalho intermitente” é bem conhecida por nossa categoria. Professores têm contratos, no serviço público, que preveem 40, 20 ou 12 horas de trabalho em suas disciplinas, e nem todas estas horas são em sala de aula, conquista demorada da categoria para ver reconhecido o trabalho que ocupa o professor fora da sala de aula.

Mas os professores das escolas particulares são contratados por hora-aula (é rara a escola que contrata por turno ou em tempo integral). E isto vai do ensino fundamental, do médio até chegar ao ensino superior. Trabalham-se tantas horas em sala de aula; recebe-se por estas tantas aulas. O contrato do próximo ano dependerá do número de matrículas, da permanência das condições econômicas, etc. Como se sabe, a classe média baixa, quando se aperta, a primeira coisa que faz é transferir seus filhos para a escola pública… e isto reduz o número de turmas, reduzido o número de turma, reduzidas serão as horas-aula, e reduzidas estas, reduzido será o salário do professor.

Este princípio do “só uso quando preciso” que nós, professores, conhecemos bem, agora se tornou modelo para contratações: a partir de sábado ou de segunda (porque os estudos dos executivos das empresas já estão prontos para serem postos em prática assim que a lei entra em vigor), muitos trabalhadores serão chamados individualmente para negociarem seus novos contratos! O pior deles será o “trabalho intermitente”. Se reunirmos a esta pérola o princípio do “acordado”, poderão ser fechados “acordos”, isto é, em situação de desemprego, o empregado “será convencido” a assinar o que não quer, acordos de trabalho intermitente por duas horas, quatro horas, ou seja lá o que for, a serem cumpridas quando o patrão chamar porque estará precisando.

Isto poderá criar situações tão absurdas quanto um trabalhador ter que estar à disposição do empregador, por contrato, no horário em que este quiser, no dia em que quiser, na semana em que quiser (se o acordo for por horas mensais). E estar à disposição significa não ter outra ocupação que não possa ser imediatamente abandonada quando soar o chamado de ‘deus’… isto é, a necessidade do empregador. Tudo por força do acordo!

O modelo do professor-horista foi, portanto, extremamente aperfeiçoado! O que já é ruim sempre pode ser piorado quando se reúnem, em nome de uma ciência que eles consideram exata, mas que nem pode ser reduzida ao positivismo da modernidade, como reconheceu Kant, porque é uma ciência política, os bruxos fazem magias e pioram, pioram, pioram. Os sustos dos professores eram relativos ao próximo ano letivo (às vezes, também há reduções de turmas no fim de um semestre). Com o aperfeiçoamento dos bruxos, o susto será constante porque a qualquer momento você poderá ser chamado para um “novo acordo”.

Considerando que também os empregadores andam com a corda no pescoço, explorados pelo capitalismo financeiro, e que tudo isso é uma transferência da conta para os mais pobres – afinal, sempre coube a eles pagar a conta, resta a pergunta:

Quem de fato sai ganhando?