por Cristina Batista de Araújo | nov 20, 2017 | Blog
Ouvimos com certa frequência que uma das funções da escola é formar cidadãos e, para isso, nas diferentes disciplinas dos currículos escolares são apresentados objetivos de aprendizagem diversos e específicos das áreas do conhecimento. Consequentemente, uma proposta curricular deixará entrever o perfil de profissional que se espera para seu cumprimento. Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é um documento de caráter normativo que define o conjunto de aprendizagens consideradas essenciais e obrigatórias ao longo da Educação Básica, objetiva orquestrar políticas e ações referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e ao delineamento de alunos.
Desde a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, as instituições de ensino superior vêm sendo convocadas, por meio de Resoluções, a reformularem os projetos pedagógicos das licenciaturas para, dentre outras coisas, aumentar a carga horária em componentes denominados práticos (Estágio Curricular, Prática de Ensino, Prática como Componente Curricular, Prática de Disciplina etc.). Isso porque, em tese, o futuro professor precisa saber “colocar em prática” o que aprendeu. E o que ele aprende? Ah, ironicamente, isso também precisa estar alinhado ao que o mercado de trabalho espera dele! Sem contar que ele precisa “passar” pelas diferentes correntes teóricas da ciência linguística.
Já nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, 2000), as competências referentes à disciplina de Língua Portuguesa aparecem organizadas em três conjuntos de competências: “comunicar e representar, investigar e compreender, assim como contextualizar social ou historicamente os conhecimentos” (BRASIL, 2000, p. 15). Na Base Nacional Comum Curricular (2017, p. 15), essa perspectiva é mantida ao afirmar que os resultados das aprendizagens precisam se expressar e se apresentar como “possibilidade de utilizar o conhecimento em situações que requerem aplicá-lo para tomar decisões pertinentes”, e para isso, a BNCC de Língua Portuguesa está organizada em cinco eixos organizadores: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e gramaticais, educação literária. Estes eixos estão vinculados às Unidades Temáticas propostas ano a ano, acompanhadas dos Objetos de Conhecimento e às Habilidades:
Área de Linguagens
Competências específicas de Linguagens
Componente Curricular: Língua Portuguesa
Unidades Temáticas >> Objetos de Conhecimento >> Habilidades
Além do problema de coerência entre as Unidades Temáticas/Eixos Organizadores, Objetos de Conhecimento e Habilidades, é visível uma seleção de conteúdos gramaticais como alvo exclusivo de habilidades. Tomemos um exemplo do que está proposto ao 6º ano do Ensino Fundamental:
Unidade Temática (UT)
Eixo Organizador
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Objeto de Conhecimento
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Habilidades
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(UT) Morfossintaxe
Eixo conhecimentos linguísticos e gramaticais
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Flexões do substantivo, do adjetivo e dos verbos regulares
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Analisar a função e as flexões de substantivos e adjetivos e de verbos nos modos Indicativo, Subjuntivo e Imperativo: afirmativo e negativo.
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Pergunto, onde ficam a reflexão sobre o uso da língua, a análise linguística (e mesmo gramatical) como estratégia para o desenvolvimento produtivo das práticas de oralidade, leitura e escrita? Que gêneros possibilitam o trabalho com as flexões de substantivos, adjetivos e verbos?
Inicialmente, o que me parece é que a BNCC sistematiza uma organização cumulativa dos tópicos gramaticais a serem analisados do mais simples ao mais complexo, da palavra à oração, da oração ao período. Com relação às nomenclaturas gramaticais, não defendo que se deixe de ensiná-la, já que o saber científico implica na classificação de fenômenos, mas que se faça uma reflexão consciente e sistemática da língua e que não se privilegie o mero ensino de classificações descontextualizadas. Acaba restando ao professor lidar com os embates teóricos visualizados em sua formação para, então, tentar construir com seus alunos uma reflexão linguística que, mais que classificar os fenômenos linguísticos, possa promover práticas com/sobre a linguagem.
Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por João Wanderley Geraldi | nov 19, 2017 | Blog
Domingo
Hoje é domingo em toda parte e à tarde.
Domingo no meu telefone.
Domingo nos cinzentos suplementos
literários.
Domingo nos corações livres
das empregadas e das senhoras com empregada.
Domingo nas chncelarias.
Domingo nas barbas do bêbados
– belas, grisalhas, tristíssimas
como um espelho abandonado.
É o terrível dia em que Deus descansou.
Dia frio, ateu e perigoso
em que Deus descansou como um banqueiro.
Hoje tenho um lugar onde cair morto
mas não tenho para viver.
(Fernando Sánchez Sorondo)
O Mago
Pela memória passam cavalos.
A luz entra no quarto
para que as coisas, por um momento, sejam reais
alguma coisa mexe num canto
(duendes? ratos?
restos espalhados por aí
de quaquer coisa como um coração?
teias de aranha rasgadas
por um ar imprevisto?)
reclama um lugar
onde cavalos vêm beber.
Agora é isto o que importa:
um ruído de cascos
na memória.
(Daniel Freidemberg)
Referência: Santiago Kovadloff (introdução, seleção e tradução). A palavra nômade. Poesia argentina dos anos 70. S.Paulo : Iluminuras, 1990)
por João Wanderley Geraldi | nov 18, 2017 | Blog
Incentivado pelo Pedro Amaro, acabei reunindo meus registros de leituras publicados aqui no blog na forma de livro impresso. Selecionei do conjunto de mais de 50 livros comentados, 40 crônicas que formaram o livro “Textos sobre Textos” (São Carlos : Pedro & João, 2017). Cada um dos capítulos vem encimado pelo título do livro comentado, exceto em um dos textos, em que comento ao mesmo tempo três livros que tematizam o insignificante, o ínfimo, o miúdo.
A edição feita a toque de caixa, pois o convite para publicar que me fez o Pedro Amaro foi feito em fins de setembro, selecionei e enviei. O Miotello se debruçou sobre os originais, formatou, foi atrás de uma capa que ficou muito bonita.
O livro ficou pronto dia 14/11 e no dia 16, na quinta-feira passada, conheci-o no lançamento, numa sessão de lançamentos de vários livros dentro da programação cultural do IV Encontro de Estudos Bakhtinianos, que está ainda ocorrendo na Faculdade de Educação da Unicamp.
Um bom momento no Bar do Manoel. Revi muitos amigos, tive no colo minha sobrinha-neta Manoela, a princesa da festa.
A partir de agora, fica este registro impresso, disponível para interessados (contato com o Pedro Amaro: pedroejoaoeditores@terra.com.br ).
Gostaria de registrar aqui meus agradecimentos em primeiro lugar ao Alexandre Costa, culpado de tudo isso: sem ele este blog não existiria. Ao Pedro Amaro e ao Miotello que trabalharam no livro. E, claro, a todos os amigos que confraternizaram no Bar do Manoel.
por João Wanderley Geraldi | nov 17, 2017 | Blog
Nota introdutória
Este texto foi escrito a pedido da Profa. Sarita Moysés que estava organizando um Caderno do CEDES sobre o ler e o escrever. Escrevi-o no primeiro semestre de 1984 e entreguei o texto para publicação. A edição do Caderno (n. 14) demorou. Assim, antes mesmo da publicação no espaço para o qual se destinava, o texto foi incorporado na coletânea O Texto na Sala de Aula (1ª. edição em setembro de 1984, pela Assoeste). Esta coletânea surgiu, na verdade, para ser a “apostila” de um conjunto de cursos que seriam ministrados para os professores de língua portuguesa do Oeste do Paraná, tanto da rede pública quanto da rede particular. José Kuiava achou por bem editá-lo na forma de livro, com uma tiragem de mil exemplares, 600 dos quais foram distribuídos aos professores durante os 11 (onze) cursos ministrados na região nos meses de setembro e outubro de 1984. Assim, este texto teve um destino que não lhe fora previsto. E acabou sendo leitura de muitos alfabetizadores por tratar de textos escritos por autores iniciantes! Ainda gosto dele. Os textos de crianças utilizados no artigo me foram trazidos por professoras alfabetizadoras da cidade de Campinas, quando prestava assessoria como coordenador de estudos no CEFORME, da Secretaria Municipal de Educação. Um deles me foi apresentado como extremamente problemático, elaborado por um aluno repetente. O leitor pode imaginar o que significou, naquela época, contrapor a este texto um não-texto trazido como bom texto para as sessões de estudos… Para além da contraposição à tese defendida no texto, recupero duas críticas que este texto mereceu, ambas de um professor universitário do Rio Grande do Sul: o emprego do vergo “opotunizar” que não está dicionarizado; o segundo foi usar a expressão “problemas ortográficos”, já que ortografia quer dizer grafia certa… São críticas superficiais, obviamente, e seu fundo efetivo é dizer, sem dizer, que um sujeito que “erra na língua”, não raciocina suficientemente e por esta via querer desqualificar a tese defendida. Quanto ao emprego do verbo “inexistente”, só rindo. Quanto aos “problemas ortográficos”, respondi com um paralelo, como vamos ao ortopedista quando temos “problemas ortopédicos”, seguindo sua etimologia, teríamos que falar em “problemas pédicos”… e “problemas gráficos”, este com sentido totalmente distinto no uso comum da língua” Fica o registro de uma “recepção” cuidadosa do meu texto tornado “redação” a corrigir…
Escrita, uso da escrita e avaliação
Provavelmente o leitor procurará obter aqui alguns critérios que lhe permitam melhorar seu desempenho de professor na “correção” e “avaliação” de redações de seus alunos. Uma das questões mais frequentes é precisamente esta: “como avaliar redações?”
O título deste texto justifica esta expectativa. Revertamo-la de imediato. De fato, minha preocupação será pôr em questão precisamente a questão “como avaliar redações?”, tentando recuperar alguns dos problemas prévios a esta questão, e que, como tais, podem iluminar as causas que não só levam a respostas diferenciadas mas também produzem a própria questão.
Como espero poder demonstrar, a pergunta é bem colocada: como avaliar redações, porque a ninguém ocorre avaliar o editorial de um jornal, uma conversação informal ou o discurso de um político. Normalmente, discordamos ou concordamos com um editorial; acrescentamos argumentos a favor ou contra um ideia defendida num discurso; questionamos a oportunidade de tratar de um assunto ou ainda nos perguntamos pela validade ou efeitos concretos de uma conversação, etc. Sei que, neste momento, o leitor está se perguntando: e isto não é avaliar? Eu responderia que sim. Mas há uma diferença fundamental: quando nós, professores, nos perguntamos “como avaliar redações?” temos em mente precisamente o exercício-simulacro da produção de textos, de discursos, de conversações: a redação. Isto porque na escola não se produzem textos em que um sujeito diz sua palavra, mas simula-se o uso da modalidade escrita para que o aluno se exercite no uso da escrita, preparando-se para de fato usá-la no futuro. É a velha história da preparação para a vida, encarando-se o hoje como não-vida. É o exercício.
Assumindo que qualquer proposta metodológica é a articulação de uma concepção de mundo e de educação – e por isso uma concepção do ato político e uma concepção epistemológica do objeto de reflexão – no nosso caso, a linguagem – como as atividades desenvolvidas em sala de aula, o primeiro deslocamento a fazer, de um lado, é o da função-aluno que escreve uma redação para uma função-professor que a avalia e, de outro lado, o próprio ato de produção escolar de textos. Por quê? Porque é impossível manter uma coerência concebendo o aluno como aquele que se exercita para o futuro, exigindo ao mesmo tempo que use com adequação a modalidade escrita da linguagem, já que esta, nas palavras de Benveniste, “é tão profundamente marcada pela expressão da subjetividade que nós nos perguntamos se, construída de outro modo, poderia ainda funcionar e chamar-se linguagem”.
Ao descaracterizar o aluno como sujeito, impossibilita-se-lhe o uso da linguagem. Na redação, não há um sujeito que diz, mas um aluno que devolve ao professor a palavra que lhe foi dita pela escola. Percival Leme de Brito, estudando as condições de produção do texto escolar, conclui que esta
É marcada, em sua origem, por uma situação muito particular, onde são negadas a língua algumas de suas características básicas de emprego, a saber, a sua funcionalidade, a subjetividade de seus locutores e interlocutores e o seu papel mediador da relação homem-mundo. O caráter artificial desta situação dominará todo o processo de produção da redação, sendo fator determinante de seu resultado final.
Para mantermos uma coerência entre uma concepção de linguagem como interação e uma concepção de educação, esta nos conduz a uma mudança de atitude – enquanto professores – ante o aluno: dele precisamos nos tornar interlocutores que, respeitando a palavra do parceiro, ajam como reais parceiros: concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando, etc. Note-se que, agora, a avaliação está se aproximando de outro sentido: aquele que apontamos em relação ao uso que efetivamente, fora da escola, se faz da modalidade escrita.
Feitas estas breves considerações, tomo-as como pontos de partida para a reflexão sobre dois textos (ou um texto e uma redação?) de crianças (1):
- A casa é bonita.
A casa é do menino.
A casa é do pai.
A casa tem uma sala.
A casa é amarela.
- Era uma vez umpionho queroia ocabelo dai um emnino dapasou um umenino lipo enei pionho ai passou um emnino pionheto dai omenino pegoupionho da amullhér pegoupionho da todomundosaiogriãdo todo,udo pegou pionho di até sofinho begoupionho.
Ambos os textos são de crianças em seu segundo ano de experiência escolar. Que dizer de tais textos? Os dados a propósito dos alunos nos mostram. No mínimo, um critério de avaliação da escrita, tal como ela se dá, em termos tgerais, na escola. O autor do texto 1 foi aprovado no ano anterior; o autor do texto 2 está repetindo a primeira série e foi, portanto, considerado como não-alfabetizado.
À luz das considerações que vínhamos fazendo, o autor do primeiro texto entendeu o jogo da escola: seu texto não representa o produto de uma reflexão ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita, estabelecer uma interlocução com um leitor possível. Ao contrário, trata-se do preenchimento de um arcabouço ou esquema, baseado em fragmentos de reflexões, observações ou evocações desarticuladas (2). Ele está devolvendo, por escrito, o que a escola lhe disse, na forma como a escola lhe disse. Anula-se, pois, o sujeito. Nasce o aluno-função. Eis a redação.
O autor do segundo texto, ao contrário, usa a modalidade escrita para contar uma história. Ainda que no outro polo do processo de interlocução a leitura possa ser prejudicada por problemas ortográficos e estruturais, há aqui de fato um texto, e não mera redação. Na verdade, o autor ainda não aprendeu o jogo da escola: insiste em dizer a sua palavra. Foi reprovado e repete a primeira série.
O fato de considerarmos a sequência 1 como redação e a sequência 2 como texto, e portanto avaliarmos positivamente este e negativamente aquele, não quer dizer que tal texto não apresente problemas. Que fazer com eles? O problema mais óbvio é o relativo à ortografia oficial, e a prática da produção e da leitura de outros textos ajudará o aluno a ultrapassar suas dificuldades. Apenas para facilitar, faço uma “tradução em ortografia oficial” do texto:
Era uma vez um piolho que roía o cabelo de um menino piolhento daí passou um menino limpo sem piolho aí um menino piolhento daí o menino pegou piolho daí a mulher pegou piolho daí todo mundo saiu gritando todo mundo pegou piolho daí até seu filhinho pegou piolho.
Mais interessante do que os problemas ortográficos, neste texto, são as influências da oralidade na escrita: repetições, uso de conetivos como daí, estruturação da narrativa, etc. É claro que entre este texto, tal como produzido, e um texto na modalidade escrita, variedade padrão, há um caminho a percorrer. Isto se aceitarmos a hipótese de que o compromisso político da aula de língua portuguesa é oportunizar o domínio também desta variedade padrão, como uma das formas de acesso aos bens que, sendo de todos, são de uso de alguns. Para percorrer este caminho, no entanto, não é necessário anular o sujeito. Ao contrário, é abrindo-lhe o espaço fechado da escola para que nele ele possa dizer a sua palavra, o seu mundo, que mais facilmente se poderá percorrer o caminho, não pela destruição de sua linguagem, a seu falante a ao seu mundo, conscientes de que também aqui, na linguagem, se revelam as diferentes realidades das diferentes classes sociais.
É devolvendo o direito à palavra – e na nossa sociedade isto inclui o direito à palavra escrita – que talvez possamos um dia ter a história contida. E não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas públicas. E tal atitude, parece-me, dá novo significado à questão “como avaliar redações?” apontando, no mínimo, para critérios diferentes daqueles que reprovaram o autor do texto, e aprovaram o “autor” da redação (3).
Notas
- O primeiro texto é de um aluno que em 1983 frequentava a segunda série do 1º. grau: o segundo texto é de um aluno que estava, em 1984, repetindo a primeira série. Os textos foram motivo de reflexão dos professores envolvidos nos projetos “Estratégias de leitura e produção de textos” (1983) e “Desenvolvimento de práticas de leitura e produção de textos” (1984) do Programa de Integração do ensino de 1º. grau e 3º. grau. UNICAMP/IEL/MEC-Sesu.
- Confira Cláudia Lemos. Neste artigo a autora considera e analisa as “estratégias de preenchimento” utilizadas por vestibulandos em suas redações.
- É evidente que com isto não estou querendo dizer que a criança que produziu a sequência 1 deva ser reprovada. Ao contrário, é preciso devolver-lhe o direito de dizer a sua palavra. Talvez, com a devolução, seus textos percam o asseio a que nossos olhos se habituaram.
Bibliografia
BENVENISTE, Émile. “Da subjetividade na linguagem”. Problemas de Linguística Geral. São Paulo, Nacional, 1976.
BRITO, Percival L. “Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares)”. Trabalhos em Linguística Aplicada, n. 2, UNICAMP, 1983.
LEMOS, Cláudia T. G. “Redações de vestibular: algumas estratégias”. Cadernos de Pesquisa, n. 23, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, 1977.
OSAKABE, Haquira. “Considerações em torno do acesso ao mundo da escrita”. In. Regina Zilberman (org). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1982.
PÉCORA, Alcir. Problemas de redação. São Paulo, Martins Fontes, 1983.
por AY5Mjozhu0 | nov 16, 2017 | Blog
O jornalGGN (Nassif) e o DCM estão prestando um serviço público inestimável com a sua série de reportagens sobre a “indústria da delação premiada”, apresentando sequencialmente um conjunto de fatos que demonstram que as negociações com os delatores e as narrativas a serem por estes apresentadas não têm nada a ver com a busca da verdade, mas com a confirmação de uma narrativa previamente estabelecida pelos supostos investigadores (delegados, procuradores e juízes).
Nas salas dos procuradores, onde a costura se tece, há uma clareza meridiana: eles já sabem a verdade, já que messiânicos, e como eles têm que dar um colorido de legalidade para a cruzada da fé que os move, precisam de testemunhas (porque havendo testemunha, isto é, delator, não precisa mais nada, porque se pode condenar com base em “atos inespecíficos” em “tempos indeterminados” como mostra a sentença condenatória de Lula assinada pelo angélico Dr. Moro).
Precisa testemunhas? Vamos atrás delas… e pedem prisões preventivas para fortalecer psicologicamente as testemunhas desejadas. Se este reforço não for suficiente, ameaçam-se os familiares. Se ainda assim não surtir efeito, deixa-se o futuro delator apodrecer na prisão preventiva até que “ganhe juízo”.
Quando uma destas testemunhas resolveu se arrancar, indo para a Espanha, começou a aparecer a ponta da “indústria” desenvolvida nas salas e salões da República de Curitiba. Tacla Duran acusou explicitamente que rolava dinheiro na indústria (afinal, em que indústria não rola dinheiro?): o amigo e padrinho de casamento de Moro, o advogado Carlos Zucolotto Jr se prontificou a negociar mais vantagens pela delação de Tacla Duran, mas precisaria de um pouco de incentivo: a multa antes fixada em US$ 15 milhões seria reduzida para US$ 5 milhões, e mais um terço disto como honorários, “Mas por fora que tenho que resolver o pessoal que vai ajudar nisso”. Foi-se a primeira merda para o ventilador…
Na última reportagem GGN/DCM, focam-se as mudanças de narrativa da testemunha Glaucos da Costa Marques. Acontece que os procuradores já haviam decidido: o apartamento em São Bernardo, em frente àquele em que reside Lula, é de propriedade de Lula! Ponto. A verdade já estava estabelecida e a narrativa tinha que seguir esta verdade. Este apartamento foi alugado pela União no período em que Lula era presidente e se deslocava com frequência para São Bernardo. Era usado pelos seguranças do presidente e para reuniões. Depois que Lula deixou de ser presidente, o apartamento acabou sendo comprado por Glaucos da Costa Marques, que o alugou para a família de Lula (contrato em nome de Dona Marisa Letícia). Então lá foi Glaucos declarar: o apartamento não é meu, é de Lula conforme o script elaborado previamente, a verdade estabelecida por decreto divino. Pois não é que Lula apresentou os recibos de aluguel, mostrou que o Sr. Glaucos declarava para a Receita Federal o recebimento dos alugueis, tudo dentro da lei… Então foi preciso dizer que “os recibos eram falsos” e que teriam sido todos assinados quando Glaucos estava hospitalizado no Sírio-Libanês em São Paulo. O advogado de Lula forçara os recibos… Mas aí o Hospital declarou que o advogado jamais tinha visitado o paciente!!! Caiu a nova narrativa!!! Então exigiu o Sr. Moro os recibos originais: pois não é que eles existem e foram entregues e apensados ao processo!!! Porra, assim não dá. A verdade não pode ser descartada uma vez tenha sido afirmada pelos profetas da cruzada! De alguma forma seria necessário alterar a narrativa. Então veio o angélico determinar não uma perícia técnica nos recibos originais, mas que Glaucos fosse ouvido novamente… quer dizer, há outro script sendo preparado para, de alguma forma, salvar a “verdade” de que Lula é dono do apartamento, mas que pagava aluguel por bondade!!! Acontece que há movimentações financeiras inexplicáveis nas contas de Glaucos, pai de diretores do famoso departamento de propinas de uma das empreiteiras!!! E os depósitos eram “empréstimos” milionários que lhe faziam estes bons filhos, estes ex-diretores!!! Então Glaucos está sendo convidado a optar na nova narrativa: ou diz a verdade e implica seus filhos em “maus feitos”, ou diz que estes dinheiros todos eram de Lula. Alguém duvida de qual será a versão???
E tudo vai correndo bem na indústria, incluindo as gravações de Temer e Aécio, gerenciadas pelo MPF! Uma indústria rendosa em holofotes e mais penduricalhos…
Mas aí, finalmente, apareceu um ministro do STF, Ricardo Lewandowski, para afirmar que não cabia aos procuradores em seus gabinetes decidirem o que é da ordem e do poder judicante dos senhores juízes: somente eles podem definir penas e multas em suas sentenças…
E agora, será que o STF pretende mesmo uma pálida retomada do estado de direito? Vai sustentar a posição, ou o angélico Dr. Moro determinará que os ministros do STF se recolham a sua insignificância?
por José Kuiava | nov 15, 2017 | Blog
Em economia política ninguém se mete. Quer dizer, ninguém deve se meter, somente o ministro Meirelles. Uma imagem ingênua de cientista político puro, limpo, com vasta experiência financeira bancária, sempre bem intencionado para o bem do Brasil. O Brasil em primeiro lugar, acima de todos e para todos. Assim, fala o ministro Meirelles. Exatamente como se fosse possível um Brasil sem todos. Às escondidas, permanece um Brasil para poucos às custas do sofrimento de muitos.
Por conta e força desta imagem, as tagarelices diárias, mentiras eivadas e fantasmagorizadas de verdades, são repetidas em linguagem e imagens de maneiras diferentes e mutantes na mídia até se tornarem verdades na opinião pública. É a velha e maldosa estratégia da ideologia dominante na história política: minta, minta e sempre alguma coisa restará! Ou: diga uma mentira muitas vezes e de maneiras diferentes até ela virar verdade. Estas maldades estão em pleno uso e vigor na conjuntura política do Brasil de hoje, como estratégias ideológicas do governo golpista de Temer.
Estrategicamente, frente aos 97% de rejeição ao Temer pelos brasileiros e diante da crise social, econômica e política orquestrada pelas forças do alto para o impeachment de Dilma e para o fim do PT, a dúvida e a confusão diante do bem e do mal são armas poderosas e vitais das classes dominantes. Escondidinho, está o interesse das classes dominantes em projetar e perpetuar essa confusão insensata perante a opinião pública. Nestas circunstâncias, prevalece e reina uma linguagem da ordem, do emprego, da necessidade da modernização das leis do trabalho, da educação e da ciência (com redução orçamentária elevada), do desenvolvimento geral, do aumento de impostos e dos índices de contribuições, da privatização das estatais e dos bens naturais – tudo para o bem e benefício de todos – como argumentos e necessidades de planejar, aprovar e implantar – em caráter de urgência – mudanças mediante medidas propostas pelo Executivo, aprovadas pelo Congresso e abençoadas pelo Supremo (do Planalto).
Assim, a reforma trabalhista – “sem tirar nenhum benefício dos trabalhadores”, na voz do ministro – já aprovada e implantada; a reforma da previdência, em tramitação; o plano de privatizações das estatais – Eletrobras, Petrobras (Pré-Sal), Banco do Brasil e Caixa Econômica e outros bens de todos, já em processo de aprovação e implantação; a liberação do aumento de preços dos combustíveis, do gás, da luz, já em vigor. Desta maneira, Meirelles mais uma vez confirma a sua perene (e eficaz) preocupação com a economia privada por conta da economia pública e do sacrifício das classes populares.
É muito oportuno, desde já, pensar nas dúvidas e na confusão de 2018, diante do cenário dos candidatos e dos políticos. É preciso imaginar o palco da conjuntura: protagonistas e atores (candidatos), partidos políticos, alianças e composições (forças ideológicas, os interesses explícitos e os escondidos), os planos e os programas anunciados, as estratégias das campanhas, etc. Neste espetáculo é preciso perceber e conhecer as forças por trás dos bastidores: empresas nacionais e estrangeiras articulando e patrocinando alianças e composições de partidos e candidatos.
Na condição de cidadãos e eleitores conscientes e participativos não podemos nos postar como telespectadores assistindo ao espetáculo no palco do circo. Precisamos estar na arena.
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