Na terça voltamos para casa, de Campinas para Barequeçaba. Viagem sempre tranquila. Saímos tarde, e por isso resolvemos fazer um lanche no restaurante Vaca Preta, já na Rodovia dos Tamoios. O restaurante fica quase no encontro com a Rodovia Carvalho Pinto. Entramos na pista sem qualquer problema e chegando ao restaurante. Quando estacionamos o carro, ouvimos os tiros, rajadas e gritaria conosco para que corrêssemos para dentro do restaurante! Víamos os clarões dos tiros, ouvíamos os estalidos e não entendíamos nada! Foram muitos tiros.
Dentro do restaurante, as pessoas assustadas. Fomos então informados que o carro-forte acabara de sair dali, feito o recolhimento tanto do restaurante quanto do posto de gasolina, e logo adiante, como sempre, fizera o retorno e voltava pela pista no sentido de São José dos Campos (sentido contrário ao nosso).
Dois carros-fortes fazem este serviço diariamente: um segue de Caraguatatuba, subindo a serra e recolhendo a féria do dia em restaurantes e postos de gasolina; outro faz o caminho em sentido inverso, mas ambos se encontram na altura deste restaurante e voltam juntos para São José dos Campos. As horas deste serviço são incertas, nada rotineiras.
Pois não é que neste dia, especificamente, mudando nossos hábitos, fizemos o lanche no Vaca Preta e não no Ranchinho. Para nossa sorte. Do contrário teríamos passado pelo meio do tiroteio.
A quadrilha bem armada – com fuzis – esperava os carros-fortes na pista. Quando o primeiro motorista percebeu que seria assaltado, fez uma manobra arriscada e retornou pela estrada na contramão. E os bandidos os seguiram atirando com fuzil!
Um caminhoneiro, em seu trabalho, vinha pela pista e foi a vítima: dois tiros de fuzis no peito e outro no braço. Não sobreviveu. Na gabine do caminhão estavam outros dois: um correu para o mato, o outro saltou – não consigo imaginar como – a separação entre as duas pistas e veio ao restaurante pedir que chamassem uma ambulância! O socorro chegou para constatar o que os corajosos que foram ao caminhão já haviam constatado: a morte do motorista.
O corpo de bombeiros nos pediu que não seguíssemos viagem antes de meia ou uma hora. Desceu tanto carro da polícia por ambas as pistas que ficamos todos assustados.
E como costuma acontecer nestes momentos, todo mundo fala: desconhecidos se tornam conhecidos. E imediatamente aparecem como cada qual reagiu. Um casal com dois filhos, que acabara de sair do restaurante e estava voltando para a pista, ao ouvir e ver o tiroteio, o pai pede que todos se abaixem, engata uma ré e volta para o restaurante! Pego ao colo a menina Clara e ela me narra a aventura em sua linguagem infantil de 4 anos.
No meio da conversa, um senhor distinto abre seu discurso, afirmando, mais ou menos nestes termos: a gente sai para a estrada mas não sabe se volta. E esta insegurança toda é porque estes petistas ficam afagando a cabeça de vagabundos. Isso tudo é culpa do bolsa família! Tem que parar com isso de alisar vagabundo e ladrão! Não simpatizo muito com o Bolsonaro, mas este país está precisando de um louco como ele para por ordem nesta bagunça de direitos humanos, de criminosos valerem mais que os cidadãos honestos!
Saímos da roda de conversa, fomos calmamente comer doces… é sempre um bom remédio: encher a boca para não falar. Afinal, este discurso de que tudo é culpa de petistas e de que a bolsa família produz vagabundos e criminosos é um discurso tão conhecido que não precisávamos mais ouvir. Mas ficamos encantados: a bolsa família deve estar em patamares muitíssimo elevados, porque permitem a compra de fuzis para a prática de assaltos! Quem diria que o MiShell Temer elevaria tanto assim o valor da bolsa família!!! Deve ser para que esqueçamos da Shell.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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