CAINDO NA REAL…

Tenho muitos amigos em Minas. Mas hoje, ao reiniciar estas crônicas e comentários, relembro duas delas e de suas reações evidentemente muito mais verbais do que reais. A primeira, especialista em alfabetização, me contou que foi chamada ao MEC, no começo do governo Collor, para conversar com a Secretária de Educação Básica do país, cujas credenciais maiores eram ter sido a alfabetizadora dos filhos de Collor. Depois de um chá de cadeira de duas horas, a Secretária se dignou a recebê-la e deu-lhe uma informação fantástica: o problema do ensino básico era o insucesso do processo de alfabetização, provocando a repetência em torno de 48% dos alunos. Pois ela disse: tudo será resolvido. Se o problema era este, agora vamos alfabetizar na pré-escola e tudo estará resolvido. Minha amiga saiu do MEC com a seguinte decisão: aposentar o Brasil durante aquele governo (então previsto para cinco anos).

A segunda amiga que recordo aqui toma uma decisão mais radical ainda. Depois da ascensão de Temer à presidência, elevado por um golpe parlamentar para a instauração do regime policial-judiciário, instalação que estamos assistindo diuturnamente, ela resolveu ligar o seu foda-se.

Pois segui eu os mesmos propósitos durante os últimos 45 dias! Liguei o meu, e aposentei o Brasil dentro dos limites do quase impossível. Tirei férias de mim mesmo porque vivo e respiro do que acontece nesta mania de refletir sobre os fatos, quando tudo o que se quer do brasileiro é que escute o JN e nele acredite; depois que se divirta com o pior reality show do mundo. Obviamente, estando ligado o meu e aposentado o que acontece, não segui o figurino previsto pela grande mídia. Só me ausentei de tudo, inclusive dos blogs e das notícias mais sensatas que circulam pela internet – fiquei sem conexão! E me dediquei por 15 dias a “babar” minhas netas Sophia e Laura! Depois que se foram para a Dinamarca, debrucei-me sobre livros de literatura. Virão desta atividades alguns registros destas leituras agradáveis.

Mas existe uma coisa insuportável: um tal de G3 instalado no telefone celular de minha mulher! E aí não pude deixar de saber algumas coisas do que vinha acontecendo:

  1. A rebelião nos presídios, rebeliões que nunca se tornam revolta do lado de fora dos muros levando os futuros presidiários a exigirem outra estrutura social que não seja aquela clássica distinção entre casa-grande e senzala, tão ao gosto dos atrasados ideólogos neoliberais brasileiros.
  2. Não deixei de ouvir o relato do xingamento que fez ao nosso ministro da fazenda, o Sr. Henrique Meirelles a presidente do FMI, Lafarge: esta história de ajuste fiscal para enriquecer os ricos é o inverso do que prega hoje o FMI, que defende para o Brasil um caminho do qual o governo do golpe quer se afastar quilometricamente: o combate à desigualdade social.
  3. Fiquei sabendo o desastre de avião em que morreu Teori Zavascki, aquele ministro do STF que sentou sobre o processo de pedido de afastamento do Dep. Eduardo Cunha, formulado pelo Procurador Geral da República, durante o período de dezembro/2015 a maio/2016 para somente deliberar depois que o deputado entregou o serviço prometido aos golpistas do judiciário: a aprovação da abertura de processo de impeachment. Cumprida a tarefa, o execrável companheiro de golpe se tornou desnecessário: Teori afastou a pedra do caminho de Temer e outros envergonhados. Pois agora o relator da Lava Jato morreu e se tornou um santo senhor! É uma tristeza que já tenha morrido o papa João Paulo II, pois se vivo a direita brasileira iniciaria o processo de canonização do falecido ministro, e a Globo encontraria imediatamente dois milagres a ele atribuídos para que logo o dito fosse para os altares eclesiais, pois nos altares da mídia ele já está. Com o papa Francisco, não dá pé!
  4. Depois de insuflar na população a ideia de que o avião caiu por ação de “forças ocultas”, com vontade imensa de atribuir o feito ao condenado mor do país, o condenado de que não se encontram os crimes, somente fortes convicções, vazam as gravações e Lula se livrou de mais uma tão desejada acusação!
  5. Por acaso, TV ligada na casa da cunhada, vejo Michel Temer fazer declaração formal sobre as matanças em Manaus. A seu lado, uma figura sinistra e fantasmagórica, um “pau de dois” ali presente não se sabe a razão! Como não se tratava de assunto de relações internacionais, acho que aproveitaram a ocasião para mostrarem José Serra na TV para desmentir boatos de que estava internado, já que está fora da casinha há um bom tempo (mas continua ministro para ajudar a destruir a nação).
  6. Por fim, me procura o cuidador da casa na serra gaúcha. Me pede explicações: por que separar na cadeia as duas facções? Afinal, não era melhor deixarem juntos para que se matassem todos entre si nos livrando de tantos criminosos! Não poderia pensar o cuidador de forma diferente, se escuta diariamente nossa lídima imprensa fascista, que grita alto e bom som que bandido bom é bandido morto!

E então eu comecei a cair na real… o fascismo já está incrustrado no pensamento dos pobres brasileiros. Falta-nos apenas um Hitler que os congregue a todos: do empresário da FIESP, recolhendo coxinhas pelo caminho, à população de carteira assinada. Ficarão de fora, talvez, os traficantes e os desempregados, categorias descartáveis nos futuros campos de concentração ou afogadas num novo rio da Guarda (que oportunidade teriam hoje Carlos Lacerda ou Plínio Salgado!). 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.