Brasília se tornou um campo de batalha

Esta terça-feira, 29.03.2016, foi um dia de amargar! Começou o dia com a notícia da queda do voo para Medelin transportando toda a comitiva do Chapecoense, além de outros passageiros.

Depois, um voo da Avianca faz um pouso forçado no aeroporto de Brasília, precisamente onde uma batalha campal entre manifestantes e polícia acontecia, inicialmente em frente ao Congresso nacional e depois ao longo do eixo monumental passando pelos ministérios, e chegando até a Rodoviária.

Acompanhei o noticiário na GloboNews. A BandNews praticamente ignorou a manifestação. Infelizmente, em termos técnicos, a rede Globo acaba mostrando mais.

Enquanto os manifestantes estavam no gramado, frente ao lago, Murilo Salviano transmitindo direto do local, dizia que este espaço foi sempre e tradicionalmente o lugar de manifestações. Aqui se realizaram os protestos de 2013; aqui se realizaram as manifestações pró-impeachment da presidente Dilma, aqui se realizaram as manifestações contra o impeachment. Isto significa: um lugar tradicional de manifestações da cidadania, sejam quais forem os pontos de vista defendidos pelos manifestantes.

Na reportagem, de repente, Murilo Salviano começa a mostrar fumaça ao lado direito da tela da TV! A polícia estava pretendendo dispersar a manifestação! Ao mesmo tempo, informava que entre os jornalistas circulava que estavam na manifestação mais ou menos 12 mil pessoas. Depois, a reportagem informou o número calculado pela polícia: 5 mil. Mas qualquer um que estivesse vendo a manifestação percebia que havia mais do que isso. Logo a polícia retificou o número, calculando em 10 mil (o dobro da estimativa inicial).

Acuados, os manifestantes corriam para a esquerda da tela da TV, como dizia alto e bom som Murilo Salviano. O repórter mostrava seu espanto e a falta de informações para a ação da polícia. Repetia que este era um lugar tradicional de manifestações. De repente, muda o discurso. Os manifestantes se tornaram vândalos, e a polícia somente revidava…

Realmente, provocados pela polícia, os manifestantes reagiram às bombas de gás lacrimogênio, chamadas de bombas de efeito moral e contra a ‘bombas’ de pimenta… A gente via o recuo da multidão. A polícia conseguiu em pouco tempo limpar o gramado! E os manifestantes passaram a recuar, pelo eixo monumental, para a Esplanada dos Ministérios. E aqui começou o vandalismo (porque organizar barricadas e colocar foco em material para atrasar o avanço da polícia – inclusive a polícia montada – é uma defesa e não vandalismo).

Mas nos prédios dos ministérios, ocorre vandalismo dos manifestantes. Havia diferentes bandeiras na manifestação, inclusive daqueles que foram para as ruas se manifestarem pelo impeachment de Dilma, que agora não queriam qualquer mudança nas dez propostas dos procuradores – alguns deles pediram pela internet atenção da população – de combate a corrupção. Ideologicamente, dois grupos distintos se encontraram numa mesma manifestação sem de fato haver confronto, embora a partir de certo momento Murilo Salviano falava em conflito entre manifestantes sem mostrar qualquer cena deste conflito.

Na verdade não importa se havia ou não conflito entre manifestantes. O que ficou muito claro, mesmo a GloboNews querendo esconder, quem começou o ataque foi a polícia! E prosseguiu atacando. Então apareceram os mascarados que praticaram vandalismos nos prédios dos ministérios… Mascarados segundo um funcionário do MEC que sofreu agressões.

Por que aparecem mascarados? Não querem ser identificados! Os mascarados tanto podem ser do grupo ideológico que defendeu o impeachment; como podem ser do grupo que reclamava contra a PEC do teto e contra a reforma do ensino médio, mas podem ser também infiltrados no movimento que querem a bagunça para justificar um novo golpe de estado. Afinal, os que pensam e querem isso invadiram a Câmara dos Deputados, sem que se saiba até agora de qualquer prisão apesar das filmagens diretas das caras destes manifestantes (estarão sendo protegidos?).

A verdade é que Brasília se tornou um campo de batalha. De um lado, pedras e o que tivesse para atirar: de outro lado, bem aparelhados, uma polícia que jogava bombas a torto e a direito. Em certo momento o repórter Murilo Salviano chegou a dizer que estavam atirando para machucar pois não faziam isso com qualquer cuidado.

Provavelmente o repórter recebeu um telefone em plena reportagem, e a partir deste telefonema, a linha de seu discurso informativo mudou por completo. Os manifestantes passaram a ser tratados simplesmente como vândalos: a polícia não atacava, só reagia com suas bombas… Um milagre aconteceu: trata-se da aposta de que o telespectador tenha memória de passarinho e não recorde o que disse o mesmo repórter uma meia hora antes! Um verdadeiro acinte ao telespectador.

Não sou favorável ao vandalismo. Não sou favorável à agressão policial contra manifestantes. E não sou favorável ao manuseio da informação segundo os interesses do veículo de informação que acaba, em reportagens ao vivo como foi o caso, desvelando a desinformação a que quer reduzir o povo brasileiro.

Expectador por acaso da GloboNews nesta tarde, confirmo minha prática: jamais assisto jornalismo televisivo da Rede Globo. Não dá para aguentar a manipulação descarada das notícias. A partir de agora, baterão sempre na tecla do vandalismo esquecendo que o originou de fato.

Para quem acompanhou esta transformação de Brasília em campo de batalha, a reação da polícia apenas está mostrando a que será reduzida a nação: a silenciosos e obsequiosos cidadãos que dizem amém. Se não o fizerem, levarão bombas de efeito moral. O efeito moral real é acabar com a possibilidade de movimentação social, exceto quando convocadas por procuradores, delegados de polícia e pelo MBL. Vamos ver como reagirá a polícia do distrito federal na manifestação convocada para o dia 04.12.2016 por estes novos “movimentos sociais” comprometidos com a manutenção do status quo ou de retrocesso social. A polícia será benigna, podem crer!

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.