A convite do grupo da APP-Norte e do Núcleo da APP de Londrina, sindicato dos professores do estado do Paraná, estive em Curitiba nos dias 30 e 31 de agosto. Na primeira noite, uma aula no curso livre sobre o golpe de 2016 na Universidade Federal do Paraná; no dia seguinte, pela manhã, uma palestra na abertura do Ciclo de Leituras de Paulo Freire, um programa conjunto deste grupo da APP, do Núcleo de Estudos Filosóficos da UFPR. Obviamente que falar de Paulo Freire, quando se comemoram os 50 anos de Pedagogia do Oprimido é sempre um desafio e sempre um momento em que razão e sensibilidade ficam ambas na pele exposta de cada um de nós.
E então aproveitei que estava por lá e realizei um dos meus desejos: participar de uma das saudações ao Presidente Lula, injustamente preso numa cela de isolamento na PF de Curitiba, a mando de um juiz parcial e que se reconhece como tal e à mercê de uma juíza de execuções penais que tudo faz para ganhar holofotes ao proibir visitas e aplicar multas estratosféricas. Uma Carolina qualquer que esteve sempre na sombra mas que quer se aproveitar do brilho que a imprensa golpista dá ao juiz Sérgio Moro.
E fui até lá: nas noites de sextas-feiras todos usam velas acesas. Os lâmpadas e holofotes são apagados, para que a luz bruxuleante das velas ilumine na escuridão. Uma analogia perfeita: os focos de luz persistentes, insistentes, apontando para outro foco de luz, uma cela que condensa uma esperança de tornar este território numa nação composta por cidadãos e não por uma elite obtusa, racista, machista, lgbtfóbica, e um povo sem outro futuro que não a repetição da miséria do passado no futuro de seus filhos.
A prisão de Lula, comandada por esta elite de que um candidato claramente fascista é sua imagem, seu espelho, tem suas raízes no que ele tentou e estávamos, pela primeira vez na história, conseguindo: um povo feliz e uma nação independente.
Participei, pois, de um BOA NOITE, PRESIDENTE LULA. E fiquei feliz por estar lá. Então também compreendi um pouco a geografia física do entorno. O espaço ocupado pelos militantes e vigilantes para as saudações diárias a Lula, em horários marcados por insistência da PF, é um terreno alugado, numa esquina, do outro lado da rua onde fica a carceragem da PF. Trata-se, pois, de um espaço de “propriedade privada”: o terreno foi alugado e, portanto, aqueles que lá estão não podem ser simplesmente expulsos, porque afinal tudo o que eles defendem é a propriedade privada (mesmo que o policial que empunha o cassetete nada tenha de seu além da vida). Há outros espaços alugados nas redondezas: casas onde pernoitam vigilantes, onde é preparada sua comida, e tudo aquilo necessário à existência.
A mais ou menos um quilômetro dali, fica o acampamento organizado e mantido pelos movimentos sociais. Três vezes por dia, os acampados percorrem este um quilômetro com suas bandeiras para engrossarem as saudações a seu Presidente, aquele que simboliza uma esperança. Saúda-se muito mais a esperança do que a um indivíduo.
Assim que terminou a saudação, o companheiro Prof. Rui, que reside no bairro e nele trabalha, me diz: “vamos logo, que todo mundo, terminada a saudação, tem que sair, porque os coxinhas estão por aí com seus revólveres”. Ponho-me em seu carro e lá fomos nós ao acampamento. Chegamos antes de seus habitantes. Mas fomos recebidos por um de seus líderes: um professor de Antropologia, com mestrado e doutorado, que exercia seu cargo na Universidade Federal do Vale do Cariri (Ceará) com recursos da Capes (como se sabe, estes recursos acabaram como tudo acaba quando eles põem a mão). Está lá e lá ficará até que Lula seja solto. Com ele fizemos nosso tour pelo acampamento. E uma coisa me impressionou já na entrada: há uma espécie de barricada com sacos de areia, que servem como proteção aos tiros que sempre vem da rua: acontece que o terreno – também alugado – fica no alto, não fica no nível da rua, de modo que qualquer tiro disparado de dentro de um carro terá que apontar para cima, e a barricada evitará que atinja o acampamento em si.
Este é o povo que nos representa, que heroicamente resiste, que fisicamente está lá acompanhando por milhares de outros que para lá dirigem seu pensamento. Foi bom estar lá, foi bom renovar esperanças precisamente numa noite em que o golpe continuado impugnou no TSE a candidatura de Lula. Impugnação esperada, indesejada. Mas todos sabemos a quem servem ministros, juízes, procuradores e delegados… E eles estão morrendo de medo!!!
Para quem quer ver imagens, eis um link: http://www.pt.org.br/plantao-lula-livre-30-de-agosto-2/
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Prezado Wanderley, agradecemos muito, mas muito mesmo, sua presença em Curitiba – na nossa Curitiba, na Curitiba que resiste, não na Curitiba da turma do Moro. A profundidade, a contundência e a sensibilidade de suas aulas deixaram marcas profundas em todos que tiveram a oportunidade de assisti-las. Grande e forte abraço.
Obrigado, meu caro. Sua amizade é que levou ao convite para as duas aulas… e juntos fomos ao Boa Noite, anda que você não nos tenha acompanhado até o acampamento Marisa Letícia. Voltaremos a encontros como este. Se o fascismo do judiciário não os proibir.