Incansável
Há cerca de um mês, fui convidada a colaborar com este Blog que tem o peso de carregar a marca da pessoa que, com seus estudos e publicações, desde o final dos anos 80, revolucionou minha visão de ensino de Língua Portuguesa e de, como um carimbo ideológico, não a chamamos de Redação, mas denominamos de Produção de Texto.
Muitas coisas a dizer povoaram minha cabeça, retumbando, diariamente, como os sinos das cidades históricas de Minas; mas nada que, ao final, se estampasse na folha branca, postada diante de mim e deixada de lado, para retornar ao trabalho de revisão de uma tese. Sempre aprendo sobre o assunto abordado em todas as produções que reviso e reflito sobre os conteúdos.
Ao concluir o último trabalho, inicio o primeiro registro para apresentar, aqui, uma das minhas tentativas de compreender o mundo, na expectativa de que, socializando os retalhos que juntei, somados aos pedaços reunidos pelos que me leem, possamos JUNTOS albergar nossos sentimentos, ultimamente regados à frustração, à incerteza e ao pesar, decorrentes do retrocesso que estão nos empurrando goela abaixo.
A tese que revisei nasceu como este Blog, isto é, como um espaço de luta, um suporte em que as verdades silenciadas sejam resgatadas; no qual os leitores, sobretudo professores, acessem textos analíticos e se tornem cidadãos críticos; em que o ensino-aprendizagem seja um processo socialmente transformador e por meio do qual, nas nossas interações, a alteridade nos constitua pessoas melhores.
Com o texto acadêmico em questão, pude aprender que o parcelamento do solo de uma cidade “reserva” espaços privilegiados aos ricos, próximos aos locais de trabalho e aos serviços imprescindíveis; com vias asfaltadas e de boa manutenção; com uso “exclusivo”, até entre muros, das áreas institucionais (vias, áreas verdes…) que pertencem a “toda” a população de uma cidade.
Por outro lado, em nome do desenho da cidade, o parcelamento “submete” a classe trabalhadora, os desempregados e pobres às áreas periféricas, muitas vezes alagadas, distantes de tudo, longe dos chamados equipamentos urbanos (escola, posto de saúde, terminais urbanos, parque de recreação…), sem contar a falta de qualidade do sistema de transporte público que lhes é oferecido. Na verdade, são setores sem infraestrutura que passam a ser, obrigatoriamente, determinados para “acolher” centenas de famílias remanejadas de alguma área ocupada, isto é, os apedrejados sem-teto.
Porém, isso já sabíamos há longos anos, por observação e/ou vivência, não é mesmo? Mas pude aprender que, antes de se criar uma cidade, o território possui donos: ele pertence aos fazendeiros, latifundiários, herdeiros do regime de sesmarias (amigos do rei), que doam menos de 0,01% de suas terras para a criação da cidade, mas “ficam”, como todos os outros agentes envolvidos, com terrenos bem localizados. Tais proprietários, além de terem suas terras muito valorizadas, em razão da mudança de rurais para urbanas, ainda reservam zonas que serão valorizadas a posteriori. Assim, mais uma vez, multiplicam o valor do solo, engordando, ainda mais, os seus baús.
Ao Executivo Municipal cabe a responsabilidade de “desenhar” a cidade; preservar, inclusive, as áreas públicas que foram recebidas como doação, quando os proprietários originais parcelaram sua gleba, cumprindo a legislação; executar obras de infraestrutura; criar e manter os sistemas de transporte e outros. A grande maioria são ações nítida e convenientemente coincidentes com as áreas de propriedade de determinado “cidadão de bem”, possuidor de grande gleba.
Ao Legislativo, cabe a tarefa de criar normas que regulem o destino e o uso do solo, como as leis: de parcelamento, de postura, de obras, de plano diretor, de loteamento, de permuta, de desafetação, de venda de áreas públicas, de cessão de uso; sem que os vereadores se ocupem do fato de que, com suas aprovações, uma área que pertencia a todos, passa para as mãos privadas, geralmente em nome do “desenvolvimento da região”.
Além dos proprietários de terra, dos Poderes Executivo e Legislativo, também figuram como atores do cenário imobiliário as incorporadoras, as construtoras e as imobiliárias. Dentre estes, as incorporadoras têm cacife monetário e, consequentemente, político maior que os demais.
Como se vê, a relação entre “posses” X local de moradia “não” se dá, simplesmente, por um indivíduo ter mais dinheiro que uma outra pessoa, para comprar um imóvel caro. “Também” nesse jogo está presente o “conluio” entre o Poder Público _ representado pelo Executivo e o Legislativo Municipais_ e os agentes do mercado imobiliário _ representados pelos proprietários de terra e pelas incorporadoras (incluindo construtoras e imobiliárias).
Em resumo, isto nada mais é do que um “conchavo” entre os gestores “eleitos pelo povo” para administrarem, zelarem e defenderem o que pertence a todo o coletivo, o que é de interesse da maioria da população E os privilegiados donos do capital.
De uma década para cá, temos como voz corrente, como senso comum, que o Brasil tem um Congresso venal, que Presidentes e Ministros só sabem roubar, que condenação jurídica tem uma relação inversa ao poder aquisitivo do acusado. Por que de 10 anos para cá? O que mudou desde a criação do País?
Quando um governo declara guerra às instituições educacionais públicas, não está mancomunado com donos do capital privado da área da educação? É o Executivo em ação. Quando os legisladores destroem a previdência social, não estão de conluio com os agentes do mercado financeiro que vendem aposentadoria privada? É o Legislativo em ação. Quando um “cidadão de bem” esconde uma mercadoria, para aumentar seu preço; adultera o leite ou a gasolina, para aumentar o volume; não paga impostos, mas compra um avião particular; se camufla de ungido de Deus, para explorar financeiramente os fiéis; traveste-se de juiz, condena um candidato, sem provas, para receber o brinde de ocupar o cargo almejado na mais alta corte não está esse “elemento” se ocupando de aumentar desonestamente seu capital privado, sem se importar com qualquer prejuízo de outrem? São os fazendeiros e empresários em ação. O que mudou? O – q u e – m u d o u ? O – que- mu- dou? O-q-u-e m-u-d-o-u?
Poderia continuar a buscar resposta na morfologia, na fonética, na sintaxe e na semântica da oração interrogativa aqui colocada, mas seria em vão. Para apenas aplacar minha desesperança, prefiro correlacionar essa indagação ao que está na lápide do túmulo de Martin Luther king: “Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que se enfrente”. (James Baldwin).
A luta continua!
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