UM ANO SE FOI – FALTAM AINDA TRÊS

UM ANO SE FOI – FALTAM AINDA TRÊS

Agora, levantem a mão os que sentirão saudades de 2019!

Não ouviram? Ou não entenderam? Vou repetir: levantem a mão todas as brasileiras e todos os brasileiros que irão sentir saudades do ano de 2019! Só vocês? Mais ninguém? Ninguém mais?

E agora levantem a mão aqueles que guardarão boas lembranças de 2019!Só aqueles lá do fundo? Somente os do alto do Planalto? Aí do meio, só alguns? E aqui de baixo, quase ninguém?

Bem, e agora, levantem a mão aquelas e aqueles que irão sentir desalento, náuseas, dores de barriga, causadas pelos produtos políticos – agrotóxicos sociais – aplicados sem piedade e sem limites pelos autocratas durante os 12 meses do ano de 2019! Podem levantar a mão sem medo! Com calma!!

Por fim, levantem e fiquem em pé, firmes e fortes, todas e todos que queiram falar do que aconteceu aqui e no mundo durante o ano de 2019. A fala precisa acontecer rigorosamente em respeito aos princípios éticos do diálogo, do respeito à alteridade e da tolerância mútua. Porque estes são os princípios que regem e sustentam o processo de democratização da sociedade.

Enquanto o público vai pensando, vamos às perguntas para o início da conversa dilógica.

O que vamos comemorar ao terminar o ano de 2019? O que vamos festejar na chegada do ano de 2020? Vamos formular uma pergunta mais clara e direta ao assunto.

O que e como festejar dos 12 meses do governo Jair Messias Bolsonaro?

Festejar os incêndios destruidores e devastadores das florestas da Amazônia? A destruição da educação pública, da saúde pública dos pobres – SUS –; vamos festejar a guerra às universidades públicas, à ciência, à pesquisa, à arte, à cultura, ao conhecimento crítico que as universidades produzem?

Passamos o ano de 2019 em estado contraditório, divididos em dois: uma metade, o estado de indignação e desalento, a outra metade, o estado de omissão e quietude coletiva diante das falas grotescos e chulas, dos gestos obscenos de agressão e bélicos, e frente às tragédias bioecológicas e sociais causadas pelos programas do governo autocrático, sob o mando e o império do neoliberalismo populista conservador. Já é do conhecimento público – de quem gosta e de quem não gosta – o fato de que temos um governo ignóbil do presidente mais ridículo da nossa história.

A pesquisa mais recente junto à opinião pública – Instituto Vox Populi – revela que a maioria dos brasileiros pensa e considera que o Presidente é: “sem noção”, “fala demais”, “grosseiro”, “bruto”, “estúpido”, “arrogante”, “prepotente”, “racista”, “preconceituoso” e “descontrolado” (Carta Capital, 25 de dezembro de 2019, Marcos Coimbra, p.13). O que gera inquietação é o fato segundo o qual estas manifestações foram ditas quase em estado de sigilo, não assumidas e abertas ao público.

Comemorar e celebrar o que sob o jugo de um presidente assim? Diante deste descalabro da nossa história de hoje, fica mais uma pergunta inquietante: quem colocou e empoderou este cidadão autoritário e antidemocrático na presidência do Brasil? E quem ainda o protege e mantém no poder, sendo ele um destrambelhado a serviço de poucos privilegiados, destruindo todos os benefícios sociais dos brasileiros que mais trabalham e produzem para o bem de todos? É possível festejar a vida no Brasil campeão mundial em matéria de perversidade da distribuição da renda?

A quietude e o silêncio de quase todas e todos é um estado social assustador. E para atormentar ainda mais o nosso estado emocional, vem à lembrança um dístico popular muito feroz: “quem cala, consente”. Será verdadeiro?

O alento: um ano de quatro já se foi. O desalento e o temor é que temos ainda três anos para enfrentar.

Porém, acima de tudo, “seguiremos em frente, mais unidos, mais fortes, mais inspirados e confiantes [não no Bolsonaro e seus acólitos] que o país sobreviverá a essa tormenta de ódio e o amor prevalecerá junto com a liberdade de expressão” (Grupo Porta dos Fundos. Folha de São Paulo, Ilustrada, 26.12.2019).

Assim, vamos juntos, unidos, firmes e fortes.

Natal, de quem ?

Natal, de quem ?

Para grande parte da humanidade o Natal é celebração da vida, cuja centralidade é o Menino Jesus e as orações. Para outra parte da humanidade – a maior – o Natal é festa, cuja centralidade são os presentes. Para uma terceira parte da humanidade o Natal é tristeza, cuja centralidade é a privação da vida e das festas, é fome, abandono e pobreza.

Para aqueles que ainda celebram o Natal, o significado maior é a vida em família e com os amigos. Valem mais os abraços e beijos do que os presentes. Estes, os presentes, são materiais. Efêmeros. Os abraços, os beijos e as orações são sentimento de afeto, de fé, de respeito, de amor humano, de alegria, de solidariedade humana. Para esta parte da humanidade a Missa do Galo ainda tem significado espiritual profundo. O presépio é construído em cada lar pela própria família, com Menino Jesus, Maria, José e os pastores de Belém. No passado, o presépio era construído no centro da sala principal da casa, com bolachas caseiras feitas na forma de argolas e estrelas, dependuradas nos pinheirinhos. Os presentes, quem os trazia era o Menino Jesus e não o Papai Noel. O Papai Noel vinha antes, logo ao anoitecer para assustar as crianças e pedir a elas que obedecessem aos adultos e rezassem muito ao Menino Jesus. Antes de deitar, as crianças colocavam pepinos, milho verde e frutas da estação em cestos de vime ou bacias para que o Menino Jesus os substituísse pelos presentes, pedidos a Ele em oração. E não podia espiar pela janela nem pelo buraco da fechadura da porta a chegada do Menino Jesus. Se o fizesse, Ele não viria com os presentes.

As crianças mal conseguiam dormir pelo estado de ansiedade antes do amanhecer do dia de Natal. Os presentes eram simples, mas, vias de regra, eram os pedidos. Os adultos se contentavam com as roupas e sapatos novos, comprados para o Natal. Sem surpresa.

Para aqueles que festejam o Natal, o significado maior são os objetos materiais, os presentes, as comidas, as bebidas, a ceia, o amigo secreto. A ansiedade é insuportável na hora de revelar o amigo secreto e trocar os presentes. As frustrações e decepções, em geral, também são grandes e constrangedoras. Não era o presente esperado. O vazio silencioso toma conta de muitos. Muitas vezes a compensação das frustrações é buscada na comida e na bebida.  Costuma haver excessos, verdadeiras comilanças e bebedices inevitáveis.

Para aqueles que nem celebram e nem festejam o Natal, predomina a tristeza. Eles vivem a pobreza, a miséria. Sem lar e sem família, nem Deus está presente. Sem comida e sem presentes não há abraços, nem beijos. Não há o que celebrar, nem o que festejar. Não há amigo secreto, nem oculto. Não há ceia, nem bebidas. Há crianças sem brinquedos. Rostos sem risos e sem alegria.

É possível reinventar a humanidade? É possível projetar o futuro da humanidade diferente da humanidade que vivemos? A primeira atitude para superar esta humanidade é não aceitar a miséria, a desigualdade, a injustiça. Mas não basta proclamar um inconformismo verbal, pois ele só justificaria o nosso conformismo prático.

Muitos até vão achar que o Natal não é para pensar estas coisas. Preferem não pensar nas coisas tristes. No sofrimento de bilhões de excluídos, abandonados e pobres. Para eles o Natal é dia de celebração e de festa. Portanto, não há lugar e tempo para as reflexões sobre o futuro da humanidade.

Para estes e para todos vou oferecer um pensamento de Herbert de Souza, o Betinho, escrito no início dos anos 90: “a modernidade produziu um mundo menor que a humanidade. Sobram bilhões de pessoas. Não previu espaços para elas nos vários projetos nacionais e internacionais. No Brasil essa exclusão tem raízes seculares. De um lado, senhores, proprietários, doutores. Do outro, índios, escravos, trabalhadores, pobres”.

IMPOSTOS – SEM EIRA NEM BEIRA

IMPOSTOS – SEM EIRA NEM BEIRA

Infinidade de impostos. Impostos sem fim. Impostos ao infinito. Impostos sem eira nem beira. Impostos para além da conta. Impostos para a felicidade dos impostores e a infelicidade dos impotentes. O mundo de impostos. Todas estas denominações linguísticas são absurdamente verdadeiras e serviriam perfeitamente para o título desta crônica. Mas todas igualmente incompletas e incapazes para informar a infinitude e a imensidão dos impostos no imperialismo do Brasil. Se fossem tomadas todas juntas as palavras que iniciam com a letra “i” ainda assim não conseguiriam dar conta do tamanho dos impostos e expressar sua voracidade impiedosa. Talvez o mais justo seria clamar e rezar aos céus: oh deuses, livrai-nos de tantos impostos! Este seria o melhor título. Um clamor, nada mais. Porque nem uma boa reza e um santo exorcista são capazes de nos proteger e livrar de tantos impostos.

Impostos no Brasil são iguais às leis de trânsito. A gente nunca sabe ao certo quantos e quais são. Nem para que servem. A gente só sabe e aprende quando recebe os boletos e as multas. Imposto vem de impor. Do latim “impositus”, que significa “feito aceitar ou realizar à força”. Quer dizer, tornar obrigatório por lei. Às vezes, enganar os outros com boas maneiras, iludir. É o tributo, a contribuição e o ônus que os poderes públicos determinam por leis e exigem de cada pessoa física e jurídica para manutenção dos serviços, nem sempre especificados do Estado. Daí que “impostos” vem do verbo impor e instituir tributos aos outros. Todos? Bem, aí já é querer saber demais. Não é de hoje que os impostos/tributos existem. Não se sabe ao certo quem, quando, onde, como, para que e para quem foram inventados os impostos. A palavra parece ter o mesmo ventre de imperador, império, imperial, imperialismo. Aquele que impera, ordena, determina, impõe algo contra as vontades dos outros. É provável que os inventores dos impostos sociais, ao longo da história, tiveram a santa inspiração na sacralidade dos impostos das igrejas – quem não pagava o dízimo virava demônio e iria para o inferno.

Por ironia da linguagem, e para perseverar na fidelidade ao seu sentido e significado, as siglas de impostos iniciam logicamente com a letra “i”. Querem ver? IR, IPTU, IPVA, IPTR, IPI, IOF, INSS, ICMS, IS, ISS, IRPJ, II, IE, ITBI, ITCMD, IMI, IT. Tem mais? Você sabe decodificar cada uma destas siglas e conhece seu  significado? Só não iniciam com “i” PIS, PASEP, COFINS e a infinidade e infinitude dos injustos, injustificados, ingratos, insanos, intoleráveis, infernais, ilídimos, ilícitos, ignóbeis, infelizes, intoleráveis, inaceitáveis, infames, intragáveis, ignominiosos, ímprobos, imerecidos, impudicos, indignos, indigestos e insensatos juros e taxas de serviços bancários. Quanta coisa ruim inicia com a letra “i”! Quantos e quão monstruosos impostos nos causam infelicidade, inquietação, insônia, incerteza, irritação,  inadimplência, insanidade, inimizade, ingratidão, indelicadeza, insensibilidade, incompreensão, inexcitabilidade, inexequibilidade, inexpiabilidade, imperdoabilidade e acima de tudo nos causam muita infâmia. Quem já teve ou tem seu nome na CERASA, que o diga. Quem já teve e ainda tem indústrias, empresas de comércio, de produção agrícola, mini empresas, produção familiar, bens imóveis e móveis (automóveis e assemelhados), escritório de prestação de serviços, está com a palavra. E o que falar e dizer dos assalariados, dos que vivem de salários? Tem gente que estuda a vida inteira para atingir salários mais elevados, quando atinge, o leão come 27,5%! E na fonte, ou seja, o trabalhador assalariado não tem nenhuma possibilidade de enfrentar o leão. Não é por outra razão que o signo do Imposto de Renda é o leão: a prepotência, a força, a ferocidade. Com o leão ninguém pode. E nem deve brincar. Menos ainda, enganar. Embora, sempre há os que podem e o leão não pega. Exatamente porque são grandes e poderosos.

O melhor estilo de linguagem para falar e escrever sobre impostos é a ironia. Na vida real, nós elegemos os governantes e os legisladores para eles inventar e instituir os impostos que temos que pagar. Por que será que os governantes e os políticos adoram tanto os impostos? E se algum dia não os elegêssemos mais? Como seria bom se um dia a nossa paciência e tolerância se esgotassem! Os governantes e políticos teriam que governar e legislar para o bem-estar de todos. Não somente para eles e os amigos deles. Enfim, é preciso lembrar que não é possível imaginar uma sociedade organizada (um país, uma nação, um principado) sem impostos. É preciso lembrar também que é perfeitamente possível uma sociedade organizada sem tantos e tão pesados impostos.

Hoje, os governantes e seus acólitos, não satisfeitos com a imensidão e a grandeza dos impostos, estão propondo e articulando com os políticos ajustes dos tributos da união. Às escondidas trata-se de aumento de impostos. “Sempre, e só, para a grandeza e o bem do Brasil”.

Ignorante é quem não percebe o blefe.

OS MISTÉRIOS E OS SEGREDOS DA NATUREZA

OS MISTÉRIOS E OS SEGREDOS DA NATUREZA

Os encantos dos recantos

As belezas da natureza

Fascinam o sentimento

Os mistérios e os segredos

Do vasto mundo do além firmamento

Purificam os meus segredos

Alegram a vida e o pensamento.

Já disse que passávamos horas e horas em cima das árvores, e não por motivos utilitários como fazem tantos meninos que sobem nas árvores apenas para apanhar frutas ou ninhos de pássaros, mas pelo prazer de superar difíceis saliências do  tronco e forquilhas, e chegar o mais alto possível, e encontrar bons lugares para ficar olhando o mundo lá embaixo e brincando com quem passasse por ali (CALVINO, Ítalo, Os nossos antepassados. Cia. das Letras, p. 125, 2001 ).

Toda vez que vou e fico no sítio é sempre como se fosse a primeira vez. Fico encantado. A natureza me fascina, me seduz, me emociona.

Ainda no caminho, me deparo em diversos pontos, à beira da estrada com quero-queros. Sempre juntos em casais feitos namoradinhos. Às vezes, em bandos, turmas de dezenas, como se estivessem em festas de casamento, assembleias para discutir as invasões destruidoras dos seres humanos. Passo por corujas sentadas em pontas de palanques de cercas, de olhos bem abertos como se fossem vigias. É claro, em baixo na terra há uma cova, onde constroem seus ninhos e criam os filhotes.

Ao chegar no sítio, preciso ter muito cuidado para não atropelar e passar por cima de lagartos comendo pitangas, guavirovas, acerolas, cerejas, jabuticabas, que cobrem o chão debaixo dos pés de árvores, muito cheirosas e gostosas. Os lagartos, de rabos bem compridos, ficam andando, rebolando, calmos, lentamente, sem medo aparente. Ao chegar na sede do sítio, me sinto como se estivesse no paraíso. Nunca estive no paraíso místico, mas me sinto como se estivesse lá.

Os sabiás cantando em melodias, um pouco tristes; os bem-te-vis voando sobre as pontas das árvores algazarram gritando: bem-te-vi, bem-te-vi; os tucanos (pássaros!) muito coloridos e de bicos enormes, gorjeiam ruidosamente; as gralhas azuis, os rabos-de-palha, os pica-paus comendo pitangas, guavirovas, todos muito felizes, sentados nos galhos repletos de frutas. Logo vem dois beija-flores voando de maneira incrível, sem que a gente perceba o vibrar das azinhas, sugando o mel das flores no jardim. As pombinhas ficam chocando os ovinhos no ninho que construíram na aba do alto do telhado da casa. Quando o vento é forte derruba os ninhos e os ovinhos se espatifam na calçada. Coitadinhas das pombas. Os joão-de-barros construíram duas casinhas de barro em dois galhos dos pinheiros – araucárias pertinho de casa. Certa vez, os joão-de-barros construíram a casa com a porta para o lado norte. Veio o vento forte e derrubou. Aí eles construíram a próxima casa com a porta para o lado leste. O vento nunca é forte. Assim, já criaram diversos filhotes. Os quero-queros passam o dia e noite na grama escondendo e vigiando os ninhos e os filhotinhos. Ai dos cachorros, dos gatinhos, dos gaviões que se atreverem chegar perto. Cada vôo rasante assusta até a gente.

Tem uma história dos bem-te-vis muito engraçada. Mas verdadeira. Certo dia, o meu neto de 8 anos estava lá no sítio correndo, subindo e descendo barranco, rolando na grama, trepando num pé de canela bem frondoso e lá pelas tantas gritou:

– Vô quero fazer pipi!

– Sem problemas, vai aí naquele barranco e mija lá de cima. Você vai ver o mijo cair lá em baixo. Não teve dúvida. O neto correu, tirou o pinto e deu aquela mijada ao ar livre. Quando foi guardar o pinto na bermudinha, lá na ponta do pinheiro mais alto  alguém cantou:

– Bem-te-vi, bem-te-vi!

– Viu coisa nenhuma, seu mentiroso! Respondeu o neto.

Teve outras histórias muito interessantes dos bichinhos selvagens da natureza, que servem de lições para nós, seres humanos inteligentes.

Certo dia, já no entardecer, uma turma de macacos-prego veio aí no pomar para pegar laranjas. Eram mais de 30 macaquinhos. Vieram em silêncio pulando das árvores da floresta e trepavam nos pés de laranja. Cada um colhia duas laranjas, uma na boca e outra em uma das mãozinhas, pois a outra precisava estar livre para trepar nas árvores de volta na floresta. Mas aí, um amigo, meu vizinho, viu um macaco bem alto na árvore mais alta, pé de louro, olhando lá de cima para detectar algum perigo. Era o vigia, o macho mais forte e valente, escolhido pelo bando. Ele não ia buscar as laranjas. Lá na floresta, depois da colheita, ele ganhava dos demais companheiros e companheiras pela tarefa de vigiar na colheita.

Acontece que esse meu amigo, maldosamente, se escondeu por detrás de um pé de laranja e se aproximou da turma de macacos. Deu um pulo e gritou bem alto para dar um susto na macacada. Aí foi um desespero. Num instante todos os macacos estavam no alto das árvores no mato gritando de medo. Alguns correram atrás do vigia e começaram a bater nas costas e morder nas pernas dele. Foi o castigo por ele não ter dado o grito de alerta do perigo.

Assim, foi mais uma lição que aprendi da vida da natureza. Esta, a vida da natureza não possui limites.

O convívio dos seres animais com os seres vegetais – flora e fauna – é de vivência e sobrevivência recíproca. Uns não vivem e sobrevivem sem os outros. Os macacos, os lagartos, os tucanos e todos os pássaros – menos os corvos, os gaviões – comem frutas, flores, folhas e ao cagarem as sementes, estas no solo acabam germinando e nascendo, garantindo a perpetuação da floresta. Há um dístico popular muito verdadeiro: “o melhor e maior reflorestador da natureza é o bum-bum de passarinho”.

Ao contemplar as árvores, os pássaros, os macacos, os lagartos, os lambaris, fico embugalhado de dúvidas e inquietudes diante das harmonias e desarmonias da natureza e do mundo. Fico pasmo diante de tantos seres humanos destruindo, devastando, queimando, envenenando as condições de vida do planeta terra.

Até quando?

AI-5 OU AI-38? OS DOIS?

AI-5 OU AI-38? OS DOIS?

Certa vez, o filósofo Hegel escreveu:

“…todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorreram, por assim dizer, duas vezes”.

Marx, ao ler o escrito de Hegel, não deixou por menos e não perdoou a falha da memória e da incompletude do  enunciado de Hegel. Deu uma rizadinha maldosa e corrigiu o colega em público:

“E [Hegel] esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Realmente, seria uma história engraçada se não fosse uma farsa de uma tragédia, o que está acontecendo no Brasil de hoje. Uma verdade da história escrita há mais de 150 anos está sendo confirmada pelo governo Bolsonaro.

O AI-5 – decreto instituído e imposto em 1968 pelo autoritarismo da ditadura civil-militar, foi a marca da história como uma tragédia. A conclamação do retorno do AI-5 hoje, por vozes do governo Bolsonaro, é a marca e a prova da história como uma farsa. A tragédia foi proclamada e santificada pela justificativa como “milagre brasileiro” no final da década de 60 e primeiros anos de 1970. Como o milagre era falso, virou uma tragédia. Além da devassa total da democracia, já cambaleante naqueles tempos pela política de repressão da ditadura, as políticas e os decretos que resultaram por força do AI-5 causaram tragédias à economia brasileira e principalmente à qualidade de vida dos trabalhadores.

A história do Brasil há 50 anos configurava-se como tragédia. Portanto, um fracasso. Agora, está se constituindo em farsa. A volta do autoritarismo está se materializando sob o comando do governo autocrático dos políticos civis – sob o comando e as ordens do ex-capitão. Um blefe. Nada mais.

Os apelos intimidadores diários dos bolsonaros – pai e filhos –, do ministro Guedes e de outros aliados pelo retorno do AI-5, são ufanismos nojentos, vergonhosos, horrendos. É o passado triste da nossa história sendo usado como arma de guerra – uma ameaça mortal à nossa já frágil e debilitada democracia. Na verdade, é uma ameaça criminosa de inculcar medo aos opositores e aos insatisfeitos com as medidas e os programas antidemocráticos e antissociais que vem se multiplicando por medidas de grandes e graves prejuízos ao povo brasileiro, sempre com o poder de mentiras e ameaças de repressão violenta.

Ao longo da vida política, Jair Bolsonaro já prestou e continua prestando elogios efusivos à repressão e à tortura, ações praticadas pelo regime militar nos tempos da ditadura. Vamos às falas:

“Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso”. Assim falou o deputado federal Bolsonaro em 1999. E disse mais:

“A atual constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, a uma ditadura, a um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”. Falou isso ainda como deputado. Mas o mais trágico é o que falou no último dia 26 de novembro: “Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é o meu número. Outra pergunta aí?” Exatamente como ele pensa e é – armado de calibre 38 na mão disparando contra os jornalistas.

E o Bolsonaro – filho Eduardo – o que falou? “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”.

E o inventor e instituidor do “milagre brasileiro” de hoje – a farsa da tragédia de 1970 – ministro Guedes não conseguiu ficar de boca calada.

“Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”

Mais uma prova da ciência da história – a primeira vez uma tragédia, a segunda uma farsa da tragédia.

O jornal Folha de S. Paulo publicou estas falas. Este é o motivo de tanto ódio e raiva de Bolsonaro à Folha.

O que é necessário e possível fazer nestas circunstâncias da nossa história?

Desde já: AI-5 às favas!