por Cristina Batista de Araújo | Maio 28, 2018 | Blog
A vida cotidiana se inscreve em um espaço que se modifica e intervêm nas ações humanas, e determinadas condições estruturais (físicas e humanas) podem ser responsáveis por possibilitar ou dificultar intercâmbios entre pessoas e saberes. Se por um lado há uma estrutura na qual se entrecruzam intencionalidades para receber seus ocupantes, por outro, há um espaço a ser habitado e modificado pelos seus atores. E o que define a singularidade da ação educativa e das práticas escolares são elementos como sua inscrição no tempo e no espaço, sua concretude pela linguagem e a produção de sentidos às ações. Isso sim implica em troca dialógica entre instituição escolar e história dos sujeitos.
Mesmo estando em um universo permeado por relações de poder e por uma política educacional minuciosamente definida, o sujeito não se reduz a essa rede e joga com os mecanismos da disciplina: conformando-se a ela, e também a alterando. Se há uma produção racionalizada, instituída e centralizadora – tal qual a arquitetura curricular – que emana de algum lugar, há igualmente outra produção qualificada de consumo, que é astuciosa e dispersa, que se faz notar pela apropriação dos produtos impostos por uma ordem. Por essa razão, é possível conceber um sujeito que, por meio de sua inserção na ordem curricular, possa fazer com os componentes curriculares a sua forma de atuar no mundo. Isso sim é desafiar-se ser um professor.
Michel de Certeau, por conceber o cotidiano das práticas como patchworks, estabelece uma distinção entre lugar e espaço que me parece muito operatória:
“Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. (…) Os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar próprio e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade.
Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais.” (CERTEAU, 1994, p. 201 -202)
Na perspectiva da racionalidade técnica, o melhor modo possível de se organizar pessoas e coisas é atribuir-lhes um lugar, um papel e produtos a consumir. Entretanto, os sujeitos nem sempre aderem a tal esquadrinhamento e escapam, mesmo que silenciosamente. Enquanto se supõe que as coisas e as pessoas foram postas em seus lugares, uma sequência de movimentos astutos e sutis vai alterando os objetos e os códigos, e estabelecendo uma (re)apropriação do espaço e do uso ao jeito de cada um.
A construção da ação docente e da legítima reforma educacional está naquilo que é dado cada dia, naquilo que pressiona os sujeitos e que os prende intimamente, quase invisível. No grande quadro de normativas e diretrizes, há uma trajetória cotidiana sendo construída pelo professor – que o leva a não apenas consumir as propostas curriculares que lhe são propostas/impostas, mas também a produzir saberes por meio de operações e táticas capazes de delinear o espaço próprio de sua atuação – pela qual é responsável.
Dessa forma, compreender o espaço e o lugar é compreender o dever que se assume em relação ao agir. “Aquele que pratica ato de compreensão (também no caso do pesquisador) passa a ser participante do diálogo (…) e sua observação é parte integrante do objeto observado.” (Bakhtin, 1997). É por isso que o sujeito não pode ignorar o fato de que na decisão que toma, ele assume responsabilidades frente a um horizonte de possibilidades. É assim que o professor participa eticamente do campo educacional: compreendendo o dever que se assume, ao mesmo tempo, diante dele e estando nele.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
por Cristina Batista de Araújo | Maio 7, 2018 | Blog
Em pleno Maio de 2018, me vejo interpelada pelo Movimento Estudantil que ocupa o Campus Universitário do Araguaia, da Universidade Federal de Mato Grosso, em nome de uma luta pela garantia de políticas de assistência estudantil. A questão que desencadeou o Movimento foi o aumento do preço do Restaurante Universitário, principal assistência estudantil de muitos estudantes: a alimentação.
E não sou eu quem falará sobre esse assunto. Simbolicamente, é um estudante, que vive a realidade do desmonte da educação brasileira, quem nos dirá o que pensa sobre a necessidade da resistência em tempos de perdas.
(Fotografia de Jessé Santos. Texto do acadêmico do Curso de Jornalismo Marcelo Almeida Duarte.)
Resistir é existir
Qual a relação entre os movimentos estudantis e a postura filosófica de Michel Foucault? Para tal reflexão iremos direcionar o nosso olhar para o movimento estudantil da UFMT-CUA, onde os alunos ocupam o espaço da universidade desde o dia 20/04 em protesto contra o aumento de 400% no valor do restaurante universitário, que passaria de 1,00R$ por refeição para 5,00 R$.
A resposta talvez não esteja em um determinado livro como a História da sexualidade e sim no fato do porquê Foucault escrevia livros. Escrever para Foucault é tomar uma postura diante do mundo. Por essa razão é que olhamos para uma estética de existência desses alunos, a postura adotada diante da vida dos encontros e desencontros com o mundo, não é apenas ocupar é dizer aos poderes instituídos que não se aceita mais essa forma de se fazer política, que existem outras possibilidades.
A ocupação da universidade é a forma encontrada por eles para se fazer existir e se constituir enquanto sujeitos, é mostrar que a liberdade só existe no confronto, na possibilidade de novas formas de relações de poder. É se posicionar diante da vida e assumir os riscos de uma vida que se materializa no confronto diário para que o seu modo de ser no mundo seja reconhecido.
Não é preciso buscar uma origem na racionalidade que diga o porquê do movimento estudantil ocupar os espaços da UFMT-CUA ou uma universalidade que justifique a postura dos alunos. O que os alunos propõem é uma autonomia de si, é sair da posição sujeito-aluno que necessita da tutela de alguém que lhe diga, o que fazer, como fazer e os motivos que lhe movem a fazer algo.
Olhando para essa busca pela autonomia de si é que nos deparamos com a interpelação de Foucault a Aufklärung de Kant, muito mais que um momento histórico, Foucault advoga que ela é uma postura diante do presente, ao ocupar a universidade a uma transgressão do que foi imposto os discentes efetivamente mostram que se pode ser muito mais do que fizeram deles.
Se resistir é existir, os alunos estão promovendo um desdobramento sobre si, se colocando em outro lugar, lugar este que desafia o fazer de si juntamente com a vida a se tornarem uma obra de arte, a onde serão atravessados pela questão que perpassou Nietzsche, Foucault e tantos outros “ o que estamos fazendo de nós mesmo? ”
A insurreição dos alunos não se dá apenas pelo aumento exorbitante do valor do Restaurante Universitário, ela é uma junção de várias lutas que ressoam entre si, desde as questões de gênero até a reforma agrária. É insurgir diante dos retrocessos das políticas direcionadas a educação, erguer-se contra poderes que tentam disciplinar, normatizar e a sujeição as formas de subjetividade e submissão.
Rebelar contra a universalidade que o poder impõe, é respeitar as singularidades que estão emergindo desse confronto, é nessa relação agonística entre estudantes e a reitoria da universidade que se rompe o instante, é o acontecimento, que não é um fato ou dado é o choque entre duas vontades de potência que ao se confrontarem, faz emergi uma singularidade essa por sua vez vai produzir novas formas de ser e estar no mundo.
Essa luta dos estudantes pela permanência do Restaurante Universitário a um valor acessível, transpassa os muros da universidade indo muito mais além, é confronto que se faz também pelo “povo por vir” por aqueles que ainda aguardam o seu momento, sejam os secundaristas ou qualquer outro que deseja adentrar a universidade.
Revoltar-se não é inútil atrevendo a responder a pergunta feita por Foucault no Le monde em 1979, a resistência dos alunos é um embate contra as microfísicas do poder, não deve ter a pretensão de universalidade ou de totalidade, muito menos o desejo de inspirar uma hierarquia de liderança que guie os até a terra prometida. É uma resistência que deve aspirar ares de uma vida além das formas de vidas aceitas, compreendendo que mudar é necessário.
Que a movimentação dos alunos não tenha a pretensão de produzir uma verdade, muito pelo contrário que dali possa sair inúmeras formas de intervir na política e na própria representação da vida, que acima de tudo eles não se deixem se seduzir pelo poder, como alertou Foucault.
Para se viver uma vida como uma obra de arte, para transformar uma resistência em um modo de existir no mundo, talvez seja preciso seguir o que Lou Salomé uma mulher muito além do seu tempo disse “Se você quer uma vida, aprenda…a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é.”
por Cristina Batista de Araújo | abr 23, 2018 | Blog
A reforma do ensino médio tem sido uma verdadeira queda de braço entre órgãos governamentais e grupos da sociedade. Trata-se de uma mudança na estrutura do sistema atual do ensino médio que propõe a flexibilização da grade curricular para, segundo texto do documento, “aproximar o ensino médio e a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”, sobretudo para permitir que cada um siga “o caminho de suas vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho”.
No contexto do processo de industrialização, o fato de as crianças serem encaminhadas às escolas a fim de receberem formação profissional para depois serem integradas ao trabalho significou, à época, uma estratégia para a redução da pobreza. E tal processo fora apreciado por Toffler (1970, p. 393) que, ao abordar a passagem que as crianças fariam das escolas às fábricas, afirmou se tratar de um problema extremamente complexo e questionou “como preadaptar crianças a um mundo novo de trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio”. Para aquela situação, a solução vislumbrada estava em um sistema educacional que, “na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo”. Por isso, a ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica), foi uma demonstração da lógica pensante industrial.
O que Toffler (1970) explicitou foi que o sistema educacional serviria, no contexto de industrialização, para alavancar o processo de desenvolvimento pelo qual a sociedade passava. Mas, ainda hoje, essa é uma questão muito controversa. A maneira como a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Reforma do Ensino Médio ainda em curso tratam a relação entre a educação e o mundo do trabalho é alvo de muitas críticas e uma delas se deve à concepção de que o ensino médio seja a etapa final da educação básica, cuja terminalidade culmina em termos de profissões técnicas. O saber pensar pode não ser profissão, mas se não for considerado no contexto da renovação permanente, não haverá profissão moderna que subsista.
Há, nas estratégias governamentais, a estratégia de afirmar que um país só pode desenvolver-se por meio da educação e, mais especificamente, em razão do professor. O fato é que, por mais que não seja totalmente aceitável, há uma associação da educação ao processo de desenvolvimento de um país, e tal posicionamento é totalmente explícito na produção de sentidos. Não se trata de questionar o porquê da escolha desta construção discursiva, mas, sabe-se que o desenvolvimento de um país não depende exclusivamente do desempenho de uma única área, tampouco da atuação de um único profissional.
Outra coisa é que desenvolvimento nem sempre é o signo que dialoga com os ideais da educação, provavelmente pela relação histórica que se faz entre desenvolvimento e sistema social capitalista, muitas vezes considerada como perniciosa e avessa aos valores humanos. Na prática, o educador é convocado a fazer de sua função um instrumento para a construção de relações humanas cuja força não seja proveniente apenas dos feixes de dominação e obediência.
TOFFLER, A. Choque do futuro. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1970.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por Cristina Batista de Araújo | abr 16, 2018 | Blog
Revirando alguns documentos de meus arquivos pessoais, encontrei o registro de uma campanha publicitária realizada pelo Ministério da Educação, no ano de 2009, que tinha como finalidade valorizar o papel do professor. Na primeira quinzena de outubro daquele ano, uma propaganda passou a ser veiculada com o objetivo de afirmar a importância do professor para o desenvolvimento do país. Transcrevo:
“A base de toda conquista é o professor
A fonte de sabedoria, um bom professor
Em cada descoberta, cada invenção,
Todo bom começo tem um bom professor.
No trilho de uma ferrovia,
No bisturi da cirurgia,
No tijolo da olaria,
No arranque do motor,
Tudo que se cria tem um bom professor.
No sonho que se realiza,
Cada nova ideia,
No que se aprende, o que se ensina,
Uma lição de vida, uma lição de amor,
Na nota de uma partitura,
No projeto de arquitetura,
Em toda a teoria,
Tudo que se inicia,
Todo bom começo tem um bom professor.”
Foi bem impactante retornar a esse material, em pleno ano 2018 e diante de todos os deslizamentos e terremotos já enfrentados. No cenário de reformas educacionais, o que geralmente acontece é que as leis são feitas, os regulamentos são elaborados, os livros didáticos são preparados, mas o que parece ser ignorado é o fato de que o professor é que tem que gerenciar tudo isso, e se ele continua desenvolvendo a mesma prática ao longo de sua vida, então dificilmente haverá mudanças que transformarão a fundo a tarefa educacional.
O professor é uma peça fundamental no funcionamento da escola, e se sua função não mudar, não será possível qualquer reforma educacional. Mas, a tendência é ocorrer uma adaptação de novas regras às mesmas práticas e, assim, as rotinas permanecem. Qual, então, seria o papel do professor nas instituições escolares?
Em uma orquestra, o maestro age como intermediário entre o compositor e os músicos, conduz a leitura objetiva e expressiva de uma partitura a ser executada. Para isso, espera-se dele total dedicação em torno do estudo de cada obra, para que então desenvolva seu papel de conselheiro artístico e técnico de uma apresentação musical. Além disso, o maestro precisa conhecer a função de cada instrumento e fazer sugestões de interpretação com linguagem apropriada; deve apropriar-se da partitura para poder olhar os músicos enquanto rege. Mas quem de fato executa uma peça musical, valendo-se de seus conhecimentos, são os músicos e seus instrumentos.
No cenário escolar, é o professor quem faz o papel de intermediário e, de antemão, é preciso ter em mente que ele não ensina, pois a fala com rigor é apenas uma ilusão de que se está ensinando. O maestro se ocupa de organizar a execução de um trabalho que, a rigor, será realizado por cada membro da orquestra. E o que fazemos, como professores, é estabelecer as condições para que os alunos aprendam através de sua própria atividade, uma vez que o conhecimento deve ser construído pelo próprio sujeito.
A grande questão é que esse papel do professor não é concebido na mesma medida em que se pensam reformas educacionais: ele se torna o gestor de livros, gerente de atividades e aplicador de provas. Na maior parte do tempo, não possui as condições e os meios necessários para modificar suas práticas.
Não se muda a educação alterando apenas os meios e as regras. Assim como, não se realiza um recital, por melhores que sejam os instrumentos musicais, se não houver músicos capazes de produzir as melhores melodias.
Mas, ao contrário do que se deveria, as reformas educacionais são postas abaixo e o professor parece ser o ponto menos relevante nas pretensas transformações. Exige-se que ele adote certas concepções, execute um modo de gerenciar suas classes, e que gradualmente se responsabilize por insucessos de um arranjo fracassado em sua concepção. Não há como negar, por exemplo, que a implantação da Base Nacional Comum Curricular esteja fortemente vinculada à política de avaliação em larga escala, e mais, que ela explicite uma disputa por noções de currículo defendidas por grupos acadêmicos com grandes interesses orçamentários.
Como já escreveu Alcântara e Stieg (2016), o que se pretende, em sucessivas políticas educacionais, é “conformar práticas, subjugar o trabalho dos professores em suas diferentes áreas a prescrições e as aprendizagens dos estudantes a uma perspectiva didático-pedagógica monológica/monofônica”.
ALCÂNTARA, R.G. e STIEG, V. “O que quer” a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Brasil: o componente curricular língua portuguesa em questão. Revista Brasileira de Alfabetização – ABAlf. Vitória, ES. V. 1, n. 3, p. 119-141, jan./jul. 2016.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
por Cristina Batista de Araújo | abr 2, 2018 | Blog
As mudanças na educação, dentre as quais, o aumento de carga horária e o detalhamento minucioso de conteúdos, apontam para uma série de dificuldades a serem administradas em sala de aula. Novos assuntos são introduzidos no currículo sempre que surge um problema na engrenagem social e diferentes temas são transformados em conteúdo escolar. Não que isso seja o problema, mas é que tal arranjo não se sustenta como meio para o desenvolvimento de uma educação integral para a vida, e sim para definir que professores de certas áreas de conhecimento (como história, sociologia, filosofia) possam ser substituídos e até suprimidos do sistema – como previa a última versão da chamada Reforma do Ensino Médio. Essa lógica de estruturação escolar faz entender que tratar de temas transversais, por exemplo, é algo que não exige certo tipo de reflexão, e que questões como a violência nas escolas ou o desmantelamento do ensino médio e noturno sejam irrelevantes nesse momento de reformas. Assimila-se a abordagem temática na educação, esquadrinha-se tudo o que pode ser tematizado e, consequentemente, aniquila-se a possibilidade estética da formação humana na escola. Como, ainda assim, a escola poderia ser uma experiência estética?
O elemento dialógico é constitutivo da experiência estética, e espera-se que ela ultrapasse a si mesma e promova o pensamento reflexivo. A experiência estética deve ser algo constante e que proporciona a consciência de antagonismos, sem necessariamente emitir juízos, mas contribuindo para a tomada de consciência e de decisões. Essa experiência é necessária para o processo de compreensão que se estabelece entre o sujeito e os modos de objetivação e, como possibilidade de construção de conhecimento, ela expõe uma dimensão polifônica da vida que confronta a própria sociedade.
O que me ajuda a pensar a experiência estética, de forma geral, é a música como manifestação artística e cultural na civilização ocidental. Sempre que me pergunto sobre o que a experiência estética deveria possibilitar, pergunto-me também sobre o que fizeram as instituições a respeito da música no seio social.
No que se refere à música ocidental, os Trovadores e suas baladas representaram um importante marco na música medieval e sua lírica trovadoresca era monódica, mas tornou-se polifônico sob a influência da Igreja. Na renascença, tanto a música sacra quanto a profana eram polifônicas e, nesse período algumas inovações musicais, como mudança no sistema tonal e a inclusão de dissonâncias são gradativamente inseridas nos modos musicais.
Na música barroca e dramática, o personagem canta a uma só voz, mas para o ouvido culturalmente polifônico esse canto monódico não é expressivo. Daí a necessidade de se desenvolver uma técnica de acompanhar o canto com instrumento musical, o que resulta na técnica de harmonização. Assim, a música no ocidente se desenvolve dentro da prática polifônica e harmônica.
No século XVIII, por imposição das cortes, que queriam um estilo de música muito previsível e que criasse uma sensação de plenitude e felicidade aos nobres, é desenvolvida uma técnica de harmonia baseada em três funções: tônica que é o repouso, dominante que é o ponto de tensão e a subdominante que cria sensação de continuidade. Mesmo em períodos posteriores, como o Romantismo, a música apresenta características que valorizam fortemente a subjetividade e o material para construção da música, herdado do classicismo, continua sendo a harmonia e polifonia.
Entretanto, a adoção de modelos musicais que exploravam a repetição contínua se tornou um problema, pois o esforço para se elaborar construções melódicas, sequências rítmicas e harmônicas caminhou para uma previsibilidade excessiva. E para a maioria dos críticos da música e dos estudos culturais, essa operação na música implicou em processos de alienação do sujeito.
Em um exercício de entrelaçamento de meus próprios textos, escritos neste blog durante algumas semanas, pergunto-me: O que pensar da política de regulação minuciosa dos objetos de conhecimento, presentes no mais novo documento que normatiza a educação básica brasileira? E o que pensar dos sucessivos estímulos para que todos os usuários de diferentes redes sociais exteriorizem o que pensam independente do efeito bolha criado por algoritmos? Que tipo de educação se pretende? Que diálogos estão sendo fomentados? Que democracia é essa?
Posso dizer, para finalizar provisoriamente, que no campo da estética, a construção de conhecimento pressupõe a coexistência do disperso, em sua divergência e em suas contradições. E talvez por isso, através da arte e da experiência como forma de vida, seja viável participar na sociedade, tanto objetivando quanto criticando sua própria existência.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
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