Atos abomináveis

A sociedade brasileira vive em sobressaltos: a cada momento uma nova revelação demonstrando que a política foi tomada de assalto pelo bandidistmo alimentado pelo desejo de poder e de manutenção no poder. Obviamente qualquer partido político deve lutar pelo poder. É para isso que ele existe. E ao se constituir, estabelece um conjunto de princípios que deveriam orientar sua luta pelo poder, princípios que oferece aos cidadãos na forma de programas de governo: a decdisão cabe à cidadania, nas urnas. Aos perdedores neste processo, caberia uma revisão de seus programas e até mesmo de seus princípios iniciais. Ao reafirmá-los em processos eleitorais posteriores, mostram quee não seguem simplesmente uma onda, mesmo que avalanche. Mantém sua orientação. Entre seus membros, aqueles que querem mudar as orientações, saem e fundam novos partidos. Entre nossos políticos atuais, certamente Marina Silva é o melhor exemplo do comportamento que segue uma onda, uma avalanche, um interesse momentâneo, e vai desfilando por partidose fundando outros…

Mas nossos sobressaltos não são apenas políticos. São também policiais, evolvem crimes abomináveis. Os estupros da jovem do Rio e da jovem do Piauí (que não mereceu as mesmas manchetes, afinal foi um estupro praticado por apenas cinco animais humanos do gênero masculino) jogam em nossa cara que algo de podre existe neste reino que não é a Dinamarca! Estes homens todos tiveram mães, tiveram pais. Conviveram com outros seres humanos. O que os leva a se tornarem macabros exibicionistas? Afinal, suas violências sexuais são assistidas pelos seus comparsas, para quem se mostram (um desejo recôndito de serem estuprados também?). Nossa socieade é machista? Sim. Desde sempre, aprofunda o que funda a civilização ocidental – homens mandam, homens lideram, homens fazem tudo o que querem. As mulheres, de que Madalena poderia ser um exemplo prototípico, são pecadoras (como se praticar sexo fosse pecado!). E quando os homens falham, em palavras mais próprias, brocham, as parceiras são bruxas e foram para as fogueiras; hoje vão para a execração pública, uma forma de estupro, como o praticado contra Dilma Roussef por uma maioria de homens liderados por um pretenso homem religioso, ligado ao pastor Malafaia, Eduardo Cunha, o poderoso.

Pois atos abomináveis como os estupros ocupam espaços nos jornais destes dias. Mas a secretaria das mulheres é um luxo para o governo produto de um golpe (me desuclpe a juíza do STF Rosa Weber, depois das últimas gravações, nem a senhora pode acreditar que não foi golpe motivado por interesses bem específicos). Numa sociedade machista, de ministros interinos machos e brancos, nada mais significativo que os estupros tenham ocorrido neste momento da política nacional: o dedo da justiça divina nem tardou!

Mas há uma vantagem com o golpe que afastou Dilma Roussef. Digo isso, porque estamos livres, de matérias como:

1. Segundo delator Fulano de Tal, em delação premiada, os estupradores do Rio são petralhas e foram flagrados nas manifestações contra o impeachment.

2. Dilma é culpa dos estupros.

3. O estupro do Piauí foi encomentado pela direção do PT para desviar a atenção pública dos escabrosos escândalos na Petrobrás.

4. Segundo o delator Sicrano de Tal, Lula fazia parte da quadrilha dos estupradores.

5. Os estupros foram combinados no sítio de Atibaia, num passeio em pedalinhos comprados com dinheiro desviado da Petrobrás.

6. Os estupradores fugiram para o triplex de Guarujá, de propriedade da família de Lula. 

Felizmente estamos a salvo destas matérias jornalísticas  ‘bem fundamentadas’  no O Globo, na VEJA, na Época, na Isto é, no JN da Globo, no Jornal da Noite da Globo, etc etc. Graças ao golpe praticado pelos “elaboradores de uma presidência”, ou seja, do exercício do poder mesmo quando a sociedade recusou seu programa de governo e os princípios que norteiam sua associação partidária.  

E tenhamos memórias: os Irmãos Metralha, em cuja ‘homenagem’ a imprensa criou o neologismo ‘petralhas’, jamais conseguiram a Moeda Número 1 do Tio Patinhas. Esta moeda sempre esteve muito bem guardada nos cofres do PSDB porque ela é a moeda da sorte: não há tremsalão; todos conhecem o esquema do Aécio, menos o Gilmer Mentes que se recusa a abrir investigação; todos sabem que há desvio da verba da merenda em São Paulo, menos a PF; todos sabem que que houve privataria conduzida por José Serra; todos sabem que depois das privatizações, ex-ministros limpinhos, limpinhos, deixaram de ser professores univesitários… Por que toda esta sorte? A sorte de cair com Gilmar Mentes os processos de líderes de seu partido? É a Moeda n. 1… A verdadeira moeda.   

Hoje é sábado… dia de folga. Para lutar é preciso abandonar a tristeza. Homens tristes são mais facilmente tornados escravos, como ensino Spinosa. 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.