Assembleia geral dos animais

Estavam todos cansados com os desmandos do chefe dos animais daquele grande potreiro da Fazenda antigamente chamada de Modelo por um poeta e cantor; hoje o nome mudou, é Fazenda da Fazenda Maior. Nada mais. Ainda assim continua grande, com campos, brejos e florestas.

Os animais andavam descontentes: havia muito desmando e ordens contra natureza, desde que forma os macacos autorizados a comerem também frutos que caíssem das árvores. Os porcos de todos os tipos, alguns gordos que sequer conseguiam se movimentar, fizeram barulhentas manifestações: se eles não podiam subir aos altos galhos das árvores para pegar os frutos, devendo se contentar com a quase totalidade dos frutos que, seguindo uma lei que outros tentaram anular, caiam ao solo e os engordava, por que agora este direito aos macacos de virem pegar seu sustento precário? Diziam os slogans da passeata: “Se nós não subimos, eles não descem”.

Foi uma passeata-estopim. Os parentes próximos dos porcos, que recém começavam a engordar, acharam que realmente isso não podia ser. Assim não dava. E se disseram cansados com esta distribuição anormal do que deveria ser somente deles. Porque eles tinham o mérito de fuçar, enquanto aqueles macacos pegavam tudo com as mãos! Sem mérito algum.

E então, pelas redes sociais dos animais, uma assembleia foi convocada. Todos compareceram ao descampado, até os bichos-preguiça: queriam fazer parte do acontecimento histórico.

Imediatamente tomou a palavra um touro bravio e em oratória inflamada defendia que era preciso retornar aos tempos em que a força comandava, pois eram tempos de ordem, honestidade e segurança. Vociferou, chamou para seu lado os mais exaltados. Candidatava-se a chefe para substituir o clã dos carneiros que não faziam outra coisa que não beneficiar animais sem mérito!

Enquanto o touro falava, o lobo, caviloso como é, foi conversando em pé de ouvido, em mensagens curtas, com os bois: vejam vocês que perderam os bagos a injustiça destes carneiros que não mudaram isso daí e estejam alertas, que o touro quer as vacas para eles e vocês continuarão a levar esta vida de boi! Vamos mudar isso aí.

Os bois conversaram com as lagartixas e todos os animais que rastejam: baixavam a cabeça como se estivessem pastando, mas na verdade falavam para os bichos menores que eles deviam se cuidar: o touro era da força, e eles não tinham força. E com os carneiros não dava para continuar, não que os rastejantes estivessem perdendo alguma coisa, mas porque os grandes gorilas vinham recebendo ração menor do que aquela a que sempre estiveram acostumados.

Minado o campo, com os bois da reserva apoiando, viu-se o touro levado a um segundo plano e o lobo se candidatou a substituir os cordeiros que já estavam bem afastados por um golpe da tartaruga.

E assim a Assembleia dos Animais resolveu: o Lobo se tornou o chefe, o touro se contentou em ficar em segundo lugar e os cordeiros foram todos condenados à reclusão num pequeno potreiro cercado e vigiado por grandes gorilas mal encarados.

E tudo ficou em paz!!! A paz dos cemitérios.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.