AS DESRAZÕES

Escolha é sempre algo que nos leva por um caminho, não necessariamente o que podemos supor, mas nos leva a algo que é o resultado e suas implicações na realidade. É assim que muitas vezes chegamos a lugares, ambientes e por que não dizer a pessoas horríveis. É resultado de escolhas. Até aqui falei do óbvio da vida e da condição humana: da nossa fala ao silêncio, das ações aos momentos de total apatia e omissões, o pensamento precede a língua e tudo mais, é preciso pensar, e então estamos escolhendo.

Dados os últimos acontecimentos do nosso país, sempre me inquietou o porquê da maioria de nós ter escolhido cultivar o ódio? Isso parece à coisa mais difícil de pensar. Porque não me refiro ou imagino pessoas raivosas e distantes de mim, penso mais cotidianamente nos mais pobres e que me ladeiam pela vida. Porque essas pessoas escolheram o ódio? Não farei lista de suposições.  Talvez devesse.

Volto ao que me motivou escrever tais linhas, leio uma mensagem que diz que o Papa observa que um político nunca deve semear o medo e o ódio, mas esperança. Poderíamos pensar que é uma obviedade sua constatação, pois nada mais necessário ao mundo do que esperança. Então porque elegemos o contrário disso? Porque pessoas como a dona do armazém da esquina, o moço que dirige o carro do aplicativo, a moça que é silenciada pelo marido conservador, vários outros e outras. E ainda pior, porque muitas pessoas que seguem uma doutrina religiosa se afastam da esperança, e elegem para suas vidas e a do outro, situações de medo, fome, miséria, injustiça e fundamentalmente a desesperança.  

Dentro de algumas tentativas de diálogo com essas pessoas destaco a luta contra o socialismo/comunismo com maior preocupação. O fato de que uma parte das pessoas não querem o socialismo/comunismo, ou ainda a ideia do que seria isso, é bem interessante.

Na verdade, em geral elas não sabem muito bem o que é, foi ou mesmo o que preconiza tais modelos econômicos. Parece até piada que ainda existam grupos que acreditam que os comunistas vão tomar suas casas (em geral onde moram) ou sítios para fazer a reforma agrária, parece ainda pior que uns pensem que o comunismo impediria as pessoas de terem religião. Ou ainda que usem os exemplos de países como Venezuela e Cuba para rechaçar o comunismo, sem sequer abordar os embargos econômicos impostos pelo imperialismo norte americano, além do interesse petrolífero no caso da Venezuela.

Ainda assim, as pessoas tiveram que abrir mão de suas experiências concretas, do que vivem e do que conheciam, para acreditar no caos dos países que elas pouco ou nada conhecem, e sendo sincera, não acredito que pudesse lhes causar desconforto. Não temos essa massa de pessoas sensíveis a dor dos outros, quanto menos de outros países. Já tentaram entender isso?  Ainda mais, o que e porque as pessoas não dedicam tal atenção e medo à situação atual em que crianças, mulheres, jovens negros, e gays estão sendo exterminados em nosso próprio país.

Creio não ser muito honesto dizer que a preocupação é com a vida do outro. Mesmo que algumas pessoas se neguem a enxergar as mazelas do regime capitalista que dizima populações inteiras na guerra petrolífera, abandona países africanos (subarianos) a própria sorte de exploração e epidemias, extermina tribos de povos nativos, é conivente com a quebra de barragens de empresas de mineração, imposição de bloqueios econômicos, barram a entrada de barcos de refugiados, para não dizer das guerras armamentistas entre outros resultados do capitalismo. Imagine dizer: para evitar que pessoas morram sem liberdade de expressão, ou sem acreditar em Deus,…

Entre outras crenças do que estaria no cerne do comunismo em suas cabeças, deve-se exterminar quem pensa diferente.  Entendem? Não é verdade que a preocupação das pessoas está no que o país poderia virar com o comunismo, ou tampouco com a corrupção, a verdade é que um pequeno grupo que controla as informações conduz as pessoas mais simples ao engano: seja pela falta de conhecimento de questões globais e alienação, ou por aplicar perspectivas de tragédias as suas vidas futuras.

Para ter paz ou vida no futuro estão matando crianças, famílias, inocentes nas favelas todos os dias. Chamam de efeito colateral. É assassinato. Para pagar a aposentadoria limita-se o pagamento a uma faixa etária em que a maioria da população trabalhadora e pobre já terá morrido.  Para o crescimento e desenvolvimento de um país destrói a educação, os professores, a universidade, a ciência, a pesquisa.

Muita gente não sabia. Queria mudar. Tentar de outro jeito. A televisão falava o tempo todo em corrupção. Parecia o certo. Esse grupo de pessoas escolheu com outros critérios, o da apatia de pensamento. Ainda assim, parece falso o argumento de mudança, uma vez que se votou em alguém que estava no sistema há 30 anos sem ter feito absolutamente nada, que não fosse colocar os filhos na mesma “profissão”.  

Penso sobre isso e acabo concluindo que o ódio só pode ser semeado se ele encontra terreno fértil, e o medo é o maior fertilizante sempre, embora sempre exista o risco do medo, espalhado sem cautela e com exagerada violência encontrar terreno estéril, e potencializar o que existe de pior em não se ter futuro.

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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