Ao vencedor, as batatas

Chegamos no tempo dos vencedores, talvez alguns se sintam e sejam mais do que vencedores, o que eles não sabem, em partes porque não se dedicaram a leitura do Machado de Assis, é a profundidade dessa expressão e da filosofia que ela ilustra presente na obra Quincas Borba.

Aos leitores afoitos por resenhas literárias que sirvam a algum exame ou prova anuncio de antemão que este texto não  oferece rigor literário ou critico, desta forma, continue suas peregrinações por outras páginas e cliques.

Volto-me agora ao texto machadiano e não usarei sequer o exemplo das tribos que estão em guerra que consta nos capítulos iniciais da obra, não mesmo.  Vou direto ao ponto: a critica a uma sociedade apoiada na tese do Darwinismo, onde a seleção natural vale para todos os animais, incluindo aí os homens e toda humanidade.

Na obra em questão, o personagem central, Rubião, tem um final trágico, louco e pobre. O professor e cuidador tornou-se herdeiro de uma riqueza material que permitiria –lhe viver com luxos e tranquilidade, mas era preciso que ele tivesse aprendido a sabedoria do seu benfeitor .

Assim, volto-me ao texto Machadiano pensando no tempo atual, este mesmo em que muitas pessoas se dizem vitoriosas, enfim “chegaram lá”, têm sucesso, têm rostos perfeitos, vidas perfeitas, fotos perfeitas, e o governo perfeito. Lembro-me inclusive de um cidadão que gritava com a boca espumando em fúria:

– O Lula tá preso, babaca!

Se lá estivesse, gritaria: – Ao vencedor as batatas!

Sabe o que é? O sarcasmo machadiano é uma faca fina e amoladíssima, a construção da imagem que ele quer fazer é construída pelo leitor, mas não impunemente, ele caprichosamente vai colocando cada elemento, cada frase na boca de cada personagem, de cada grupo, de cada hábito para que não se possa fugir da reflexão. Então, ao final do livro, a sensação que se tem é que o autor tirou o chão que estava sob os nossos pés. O que significa vencer, afinal?

Não espero que as pessoas que elegeram Bolsonaro se arrependam, a sociedade é esta que acha normal em um país riquíssimo como o nosso pessoas morrerem de fome, não terem direito de se aposentar com dignidade, não terem direitos de ter direitos, e nas palavras do “presida” sequer ter direito a vida (vide chacina no sistema penitenciário). Os eleitores do Bolsonaro escolheram serem vencedores, e os são: reforma da previdência aprovada, cortes e destruição nas universidades, entrega do nosso petróleo, agrotóxico nos nossos pratos, mortes de crianças e lideranças indígenas, 14 milhões de desempregados, o Lula tá preso (babaca!) e o fim do comunismo (?).

Era preciso dizer que o vencedor é um grande canalha, sem escrúpulos, que só pensa em se dar bem, utilizando-se de quaisquer mecanismos para atingir seus objetivos, e as máscaras que usa não são de super-herói, ou são. Então, não digo, deixo que os leitores descubram a analogia. Não tenho um décimo da eficiência narrativa do grande patrono das letras, e  precisaria conhecimento e requinte, sobra-me apenas amargura, não é suficiente para dourar a pílula e dizer com mais esmero e pudor, e correria o risco de muitos não conseguirem acessar o sarcasmo, a fina ironia e a riqueza no detalhamento de nossa desgraçada humanidade, então tomando a performance em voga atualmente chamarei apenas de geração de vencedores.

Ao vencedor, as batatas, ou melhor:

– Embrulha hambúrguer e french fries para viagem!

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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